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A modernidade líquida de Zygmunt Baumann e o marketplace

Por: Paulo Madureira

É especialista em transformação digital, marketplace e comércio eletrônico, com mais de 20 anos de experiência. Ocupou cargos executivos no Terra Networks, Cnova, GPA, Via Varejo, Creditas, Grupo Comolatti, Santa Lolla, entre outras. É mestre em empreendedorismo na Universidade de São Paulo (USP), AMP - Advanced Management Program no IESE, MBA e-business pela Universidad Antonio de Nebrija, de Barcelona e tecnólogo em processamento de dados pela Fatec.

A modernidade líquida é uma proposta de análise da sociedade contemporânea, que destaca a natureza fluida e volátil das estruturas sociais, políticas e econômicas. Segundo Bauman (2000), a modernidade líquida é caracterizada por uma constante mudança, incerteza e instabilidade, em que as estruturas tradicionais perdem sua eficácia e confiabilidade.

Os modelos de negócios de plataforma e marketplace surgem como uma resposta adaptativa à modernidade líquida, visto que são projetados para se adaptar rapidamente às mudanças e incertezas do mercado.

Nesse contexto, os modelos de negócios de plataforma e marketplace surgem como uma resposta adaptativa à modernidade líquida, visto que são projetados para se adaptar rapidamente às mudanças e incertezas do mercado. Hänninen, Mitronen e Kwan (2019) afirmam que a adaptabilidade e a flexibilidade são habilidades valiosas para navegar nesse mundo em constante evolução, e esses modelos de negócio se destacam por sua capacidade de se ajustar rapidamente às mudanças do mercado, permitindo que as empresas acompanhem as necessidades dos consumidores e as condições do mercado.

Modernidade líquida e modelos de plataforma e marketplace

Os modelos de plataforma e marketplace são capazes de lidar com a instabilidade e a incerteza da modernidade líquida, oferecendo soluções efêmeras, flexíveis e personalizadas para os consumidores. Além disso, as plataformas e os marketplaces permitem conexões temporárias entre vendedores e compradores, sem a necessidade de estabelecer relações comerciais de longo prazo. Essas características estão em consonância com as demandas da modernidade líquida, que enfatiza a natureza temporária e efêmera das relações sociais e econômicas (Hänninen, Kosonen, & Svento, 2018).

Por fim, a modernidade líquida reforça a importância da adaptação e da flexibilidade em um ambiente em constante evolução. Os modelos de plataforma e marketplace surgem como uma
resposta eficaz a essa necessidade de adaptação, fornecendo soluções personalizadas, flexíveis e adaptáveis para as demandas do mercado e dos consumidores.

Exemplo: jornada do Mercado Livre

Para exemplificar, lembro a vocês a jornada que o Mercado Livre percorreu desde sua criação. Ele começou como um site de leilões online, no qual pessoas comuns podiam vender produtos usados. Com o tempo, a empresa percebeu que havia uma oportunidade de ampliar seu modelo de negócios e começou a permitir a venda de produtos novos também.

Esse movimento permitiu que o Mercado Livre expandisse sua base de vendedores e compradores e se tornasse um marketplace completo. Em relação à publicidade, o Mercado Livre inicialmente gerava receita por meio de anúncios pagos por vendedores. Com o tempo, a empresa percebeu que poderia aumentar sua receita por meio de comissões sobre as vendas realizadas em sua plataforma. Isso levou a um foco cada vez maior em vendas B2C (empresa para consumidor), em que empresas podiam oferecer produtos diretamente aos consumidores através do Mercado Livre.

Com relação aos serviços financeiros, o Mercado Livre percebeu que havia uma grande oportunidade de alavancar sua base de usuários para oferecer serviços financeiros online. A empresa começou oferecendo um serviço de pagamento online que permitia que os usuários pagassem por produtos comprados no Mercado Livre. Com o tempo, o Mercado Livre introduziu outras soluções financeiras, como cartões de crédito, empréstimos e seguros, tornando-se uma importante fintech na América Latina.

A relação entre a modernidade líquida e o surgimento e sucesso de modelos de negócio de
plataforma e marketplace ocorre devido a várias razões, como:

1. Ambiente dinâmico

A modernidade líquida representa um cenário instável, com mudanças constantes e imprevisíveis. Modelos de plataforma e marketplace são projetados para se adaptar rapidamente a essas mudanças, permitindo que as empresas acompanhem as necessidades dos consumidores e as condições do mercado (Luz Martín-Peña et al., 2018).

O sucesso desses modelos de negócio se deve à sua capacidade de se adaptar rapidamente às mudanças e incertezas do mercado. Um exemplo é o Uber, que utiliza dados para ajustar dinamicamente seus preços de acordo com a oferta e a demanda, permitindo que a empresa se mantenha competitiva em um mercado dinâmico. Outro exemplo é o Airbnb, um marketplace de hospedagem que permite que os anfitriões alterem seus preços de acordo com a demanda do mercado, tornando-se flexíveis e competitivos.

2. Relações efêmeras

A modernidade líquida destaca a natureza temporária das relações sociais e econômicas, em que as relações são efêmeras e temporárias. Modelos de plataforma e marketplace facilitam conexões temporárias entre vendedores e compradores, permitindo transações sem compromissos de longo prazo (Hänninen et al., 2018).

Esses modelos de negócio oferecem soluções para atender a essa demanda, como o aplicativo de delivery de comida iFood, que conecta restaurantes e consumidores de forma rápida e temporária, sem a necessidade de estabelecer uma relação comercial de longo prazo. Outro exemplo é o Mercado Livre, que permite a compra e venda de produtos entre indivíduos sem a necessidade de uma relação comercial duradoura.

3. Individualização e personalização

A modernidade líquida enfatiza a busca por experiências personalizadas (Bauman, 2000). Marketplaces e plataformas atendem a essa demanda, oferecendo uma ampla variedade de produtos e serviços, e proporcionando soluções específicas para cada consumidor (Li, 2018).

Além disso, a utilização de tecnologias como inteligência artificial e análise de dados permite recomendações e experiências cada vez mais personalizadas (Tyrväinen & Karjaluoto, 2019). Um exemplo é a Amazon, que utiliza dados e inteligência artificial para personalizar a experiência do usuário, recomendando produtos com base em seu histórico de compras e interesses. Outro exemplo é o serviço de streaming de música Spotify, que oferece playlists personalizadas para cada usuário com base em seus gostos musicais.

4. Flexibilidade e adaptabilidade

Na modernidade líquida, adaptabilidade e flexibilidade são essenciais (Bauman, 2000). Modelos de plataforma e marketplace são inerentemente flexíveis e adaptáveis, permitindo que as empresas ajustem suas ofertas e estratégias conforme necessário (Hänninen et al., 2019).

Esses modelos de negócio são projetados para se adaptar rapidamente às mudanças e incertezas do mercado, oferecendo soluções personalizadas, efêmeras e flexíveis para seus usuários. Um exemplo é o Facebook, uma plataforma de mídia social que evolui continuamente ao longo dos anos, adicionando novos recursos e mudando sua interface para acompanhar as mudanças na forma como as pessoas usam a internet. Outro exemplo é o eBay, que mudou sua estratégia de leilão online para um marketplace de compra direta, adaptando-se às necessidades do mercado e às dos usuários. Esses exemplos demonstram a importância da flexibilidade e adaptabilidade em um ambiente instável e em constante mudança como o da modernidade líquida.

Esses fatores demonstram a relação entre a modernidade líquida e os modelos de plataforma e marketplace, já que ambos se adaptam a um ambiente em constante mudança. As características da modernidade líquida são bem atendidas por esses modelos, tornando-os especialmente adequados para a sociedade contemporânea.

No entanto, a modernidade líquida e os modelos de negócio de plataforma e marketplace também podem levar a uma maior fragmentação das relações comerciais e sociais, resultando em conexões menos significativas e duradouras (Díaz-Martín et al., 2019).

Aqui surge o primeiro alerta: os gestores de plataforma e marketplaces precisam estar atentos à qualidade e à amplitude dos serviços ofertados, precisam criar um ambiente acolhedor e confiável para tentar combater a realidade das relações comerciais e sociais efêmeras.

A modernidade líquida também pode levar a uma maior fragmentação das relações comerciais. É crucial analisar os efeitos desses modelos na sociedade para entender como podem ser utilizados de forma responsável e sustentável, equilibrando os benefícios e os desafios que apresentam.

Nós, como gestores, temos que ficar atentos sobre a adequação desses modelos de negócio, aos
seus benefícios e malefícios em termos de ética, responsabilidade social e justiça.

Referência bibliográfica

Bauman, Z. (2000). Liquid Modernity. Polity Press.

Díaz-Martín, A., Cruz, I., Gómez-Suárez, M., Quinones, M. & Schmitz, A. (2019).
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https://doi.org/10.1109/nmdc.2016.7777058

Hänninen, M., Mitronen, L., & Kwan, S. K. (2019). Multi-sided marketplaces and the transformation of retail: A service systems perspective. Journal of Retailing and Consumer Services, 49(January), 380–388. https://doi.org/10.1016/j.jretconser.2019.04.015

Hänninen, M., Smedlund, A., & Mitronen, L. (2018). Digitalization in retailing: multi-sided platforms as drivers of industry transformation. Baltic Journal of Management, 13(2), 152–168. https://doi.org/10.1108/BJM-04-2017-0109

Li, F. (2018). The digital transformation of business models in the creative industries: A holistic framework and emerging trends. Technovation.
https://doi.org/10.1016/j.technovation.2017.12.004

Luz Martín-Peña, M., Díaz-Garrido, E., & Sánchez-López, J. M. (2018). The digitalization and servitization of manufacturing: A review on digital business models. Strategic Change, 27(2), 91–99. https://doi.org/10.1002/jsc.2184

Tyrväinen, O., & Karjaluoto, H. (2019). Omnichannel experience: Towards successful channel integration in retail. Journal of Customer Behaviour, 18(1), 17–34.
https://doi.org/10.1362/147539219×15633616548498

Zeng, M. (2018). Alibaba and the Future of Business: Lessons from China’s Innovative Digital Giant. Harvard Business Review, 96(5), 88–96.