Levou um pouco mais de tempo em relação a outros mercados, mas enfim a turbulência chegou ao e-commerce nacional. Como numa gangorra, de um lado o dólar subindo e do outro o índice de confiança do consumidor despencando, fechamos o ano lidando com esses e mais tantos outros desafios não recomendáveis pra cardíacos.
Mas como toda crise gera oportunidade, olhar de maneira positiva para as possibilidades que se abrem vira questão prática de sobrevivência, muito além de uma simples opção otimista pelo copo meio cheio. Gosto muito do que diz o Jorge Gerdau sobre momentos assim: “Sou muito mais criativo e demandado na crise. Acho muito mais divertido trabalhar nesse cenário. Animal de barriga cheia não caça”.
Queiramos ou não – e apesar de o varejo ser dos mercados menos conformados com os resultados, mesmo em época de vacas gordas -, tendemos de forma bem humana a seguir repetindo as mesmas fórmulas de sucesso, correndo o risco de rolar ladeira abaixo junto com mindsets caducados. Por outro lado, na visão de Gerdau, o cenário menos favorável nos convida exatamente a sair do lugar comum, nos provoca a sermos uma versão melhor de nós mesmos a cada dia, individualmente responsáveis por fazer a diferença em nosso universo de relação.
Esse desconforto útil nos faz buscar na criatividade novas formas de agir e pensar, reinventando possibilidades, testando ideias, pavimentando novas estradas e principalmente buscando maneiras de encantar cada vez mais o consumidor, a nossa razão de existir. E quando se pensa em criatividade, inovação e encantamento, não há como deixar de pensar em Disney. Quem já visitou um de seus parques presenciou de perto gente sendo tomada por uma estranha magia… Não importa a idade, sexo ou nacionalidade: pessoas têm os olhos marejados ao chegar perto do Mickey. Tudo ali, cada pequeno detalhe, é estrategicamente concebido de forma a direcionar o visitante para uma experiência única e feliz, pois felicidade é uma emoção que marca. Sorrisos e mais sorrisos estampados nos rostos de todos, que em um quase êxtase consomem produtos e serviços como se não houvesse amanhã.
Buscando insights para vencer na crise, parti em setembro para os Estados Unidos para viver uma aventura que envolveu quebras profundas de paradigmas e muito aprendizado. Após uma imersão de quase 10 dias na Disney Institute, escola corporativa criada pela empresa para transferir e multiplicar no mundo suas estratégias e visão empresarial, conheci os bastidores do negócio e trouxe na bagagem algumas ideias que divido com você de forma sintetizada neste artigo, na expectativa de que possam ser úteis na (r)evolução do seu e-commerce.
A magia Disney para vender mais
Ponto de partida inicial: sua razão de existir, seu propósito. Obviamente, se você não faz parte de uma ONG, seu negócio visa ao lucro e seu propósito deve ser ganhar dinheiro por meio do seu trabalho. O lucro movimenta de forma saudável as engrenagens, fazendo a coisa toda caminhar adiante. Mas além do propósito meramente financeiro, precisamos pensar em uma missão corporativa que sustentará o negócio mesmo nas adversidades e manterá a direção da embarcação até sob as piores intempéries. E esse propósito corporativo passa obrigatoriamente por criar conexões emocionais com pessoas, pois elas não se esquecem das experiências que viveram em torno de uma marca e tendem sempre a voltar a fazer negócio com quem as fez experimentar coisas positivas. Não por acaso, a missão Disney é fazer as pessoas felizes. Pessoas, em todos os âmbitos: clientes, fornecedores e colaboradores (ou “membros do elenco”, como eles chamam sua equipe). Quando seu concorrente tiver o mesmo produto e o mesmo preço, a experiência que cada um oferece vai definir claramente quem vai atender esse cliente. Assim, estar estrategicamente preparado para fazer um pouco além do “mais do mesmo” é vital para o sucesso desejado e vender sempre mais.
Tudo é uma questão cultural…
Uma boa experiência não deve ser apenas um ato criado de improviso; as experiências devem ser estrategicamente desenhadas e, a partir disso, incutidas na mentalidade comum, formando uma cultura corporativa. A cultura Disney foi minuciosamente concebida e desenvolvida através de dois pilares bem interessantes, aplicáveis ao nosso negócio:
1. Visão de palco x bastidores
Imagine que para gerar experiências positivas e conexões emocionais profundas, seu negócio literalmente deve dar um show. E como uma empresa de shows, temos momentos em que estamos atuando no palco e momentos em que estamos nos bastidores. Na visão Disney, o palco é onde a mágica acontece: é o momento de brilhar, de encantar, de mostrar ao cliente seu propósito de forma muito prática. Quando está no palco, seu funcionário literalmente assume a personagem e coloca para funcionar tudo que foi pensado e treinado nos bastidores. O bastidor, longe da vista do público, é onde acontece a operação, a vida real onde se deve ser focado em resultados, onde se repensa a estratégia continuamente, onde se trabalha sem cessar para que a equipe se mantenha sempre empenhada para, ao subir ao palco, fazer o show continuar.
Na Disney, o conceito de palco e bastidores é tão profundamente enraizado na cultura corporativa que os membros do elenco verdadeiramente se transformam ao passar por uma pequena linha amarela pintada no chão, que define a fronteira entre o bastidor do parque e o palco, onde estão os visitantes. Assumindo o personagem que cada um representa, do responsável da limpeza ao Mickey, todos passam a agir como protagonistas, empoderados pela cultura de gerar encantamento.
Na nossa operação, temos como conduzir as equipes para a mesma visão: estamos no palco quando atendemos um cliente, quando pensamos o layout e usabilidade do site, quando empacotamos um pedido, quando criamos um descritivo de produto ou melhoramos a tecnologia de busca, entre outras atividades que o cliente vivencia e experimenta… E, nessa hora, não há outra forma melhor de agir do que estar muito bem preparado para brilhar!
“Não se investe um centavo além do necessário no que não for palco”. Essa assertiva de Disney define a base da rentabilidade operacional, dirigindo de forma muito adequada os investimentos para a criação de experiências, fazendo a amarração certa nos locais certos. Traduzindo para o e-commerce, não podemos recuar na ideia de investir tudo que for possível para o palco: na embalagem, no treinamento das equipes para a manutenção contínua da cultura, na experiência de compra do cliente, nos serviços únicos que a empresa se propõe a oferecer, e assim por diante.
2. As 4 chaves
As bases da cultura corporativa são a missão (razão de a empresa existir), visão (aonde a empresa quer chegar) e os valores (conceitos globais que demonstram de forma prática para o mercado, seu jeito de ser). Dos 3 aspectos base, os valores, de modo geral, são os primeiros a cair no esquecimento do time, quando não dos próprios empresários. São normalmente em número excessivo, difíceis de compreender, memorizar e colocar em prática. Ficam bonitos na parede e no folder da empresa, mas são pouco utilizados estrategicamente para entregar diferenciação real e conduzir as decisões da equipe para uma direção bem definida.
A Disney criou uma solução interessante para isso: reduziu os valores para 4 e os chamou de chaves. As 4 chaves são treinadas à exaustão e incorporadas nas atitudes de cada membro do elenco. Ao tomar uma decisão, a utilização das chaves dá ao empreendedor o poder de tomar decisão com autonomia e pensamento de dono, reproduzindo a missão e a visão empresarial a cada atitude e a cada interação com o cliente.
As 4 chaves são: Segurança, Cortesia, Show e Eficiência.
As chaves são aplicadas por prioridade, ou seja, numa tomada de decisão, o colaborador deve respeitar cada uma em sequência, de forma hierárquica, só partindo para a próxima quando a anterior estive bem aplicada e bem resolvida. Assim, no caso, por exemplo, de um visitante do parque deixar um sorvete cair no chão, o funcionário mais próximo assume o problema, primeiramente isolando a área para que ninguém pise e escorregue no sorvete (segurança). Isso resolvido, ele sorri para o visitante, brinca e procura tranquilizá-lo sobre o acontecido (cortesia). Na sequência, toma uma decisão que visa a superar a expectativa do cliente, geralmente oferecendo um novo sorvete e um algo a mais que ele não esperava (show). Finalmente, garante que o episódio possa ser superado com a máxima agilidade, e a área é liberada para o fluxo normal das pessoas (eficiência). Tudo isso reproduzido incessantemente por todos os funcionários, dia após dia, de maneira cada vez melhor, gerando assim a magia e o encantamento que vendem tão bem.
Como posso estruturar minha estratégia de negócio para criar algo com profunda relevância, focando no encantamento, criando uma visão definida de palco x bastidores e com chaves poderosas para minha equipe fazer a mágica acontecer na prática com o máximo de autonomia? Esse é sem dúvida o nosso desafio e a nossa oportunidade para 2016.
E para nos inspirar, com a palavra o senhor Walter Elias Disney, nosso Walt Disney: “(…) aqui, no entanto, nós não olhamos para trás por muito tempo. Nós continuamos seguindo em frente, abrindo novas portas e fazendo coisas novas, porque somos curiosos… E a curiosidade continua nos conduzindo por novos caminhos. Se podemos sonhar, também podemos realizar. Nunca se esqueça de que tudo começou apenas com um sonho e um rato”.
Um excelente ano para todos nós!