Já se foi a época em que o interesse por produtos eróticos era restrito à uma parcela pequena e sigilosa da população feminina. É notável que atualmente as mulheres passaram a priorizar e incluir mais a sexualidade em suas conversas, sejam elas dentro de casa, com a família, amigas e amigos, parceiros e parceiras, e também em suas rotinas de autocuidado.
Essa mudança cultural pôde ser sentida pelo mercado de comercialização de produtos sensuais, principalmente pelos e-commerces. As lojas onlines oferecem não apenas a discrição desejada pelas consumidoras na hora de adquirir um item, como também estão cada vez mais preparadas para atender as clientes de forma humanizada e didática.
Segundo a Associação Brasileira de Empresas do Mercado Erótico (Abeme), o comércio de objetos sexuais teve um crescimento de 12% em 2020. Só as vendas de vibradores tiveram um incremento de 50% naquele ano, com o equivalente de aproximadamente 1 milhão de unidades vendidas no Brasil.
Para ilustrar o que mostrou a pesquisa, a redação do E-Commerce Brasil conversou com a pantynova – nativa digital criada em 2018 por, na época, um casal de mulheres – que revelou um crescimento de 400% nos últimos dois anos. O mesmo comportamento foi visto na Egalité – marca online gaúcha, fundada por mãe e filha há mais de 10 anos – que se viu praticamente quadruplicar de tamanho nos três primeiros meses da pandemia.
Lideradas por mulheres, ambas as empresas acreditam que há muitos fatores que contribuíram para que o segmento tenha crescido exponencialmente entre 2020 e 2021 e enxergam no comércio eletrônico a possibilidade de manter essa categoria em ascensão pelos próximos anos.
Isolamento social e novas formas de prazer
Assim que os comércios e escritórios fecharam as portas e as pessoas se viram trancadas em casa, em isolamento social, no início de março de 2020, Luana Lumertz se assustou com um aumento significativo nas vendas de vibradores em sua loja. “Foi bastante surpreendente, ficamos chocadas no início, porém felizes com a procura”, confessa a fundadora da Egalité.
Além de empreendedora, ela é educadora sexual, por isso trabalha com outras equipes de revendedoras, tem um curso para quem quer abrir um sex shop do zero, e oferece mentorias para outras lojas. Essa experiência lhe possibilita fazer uma leitura mais ampla do setor: “Eu percebo que as outras pessoas [que trabalham com esse segmento] também estão crescendo muito e o mercado tem se profissionalizado bastante, principalmente nos últimos dois anos”, avalia.
Na pantynova, criada por Izabela Starling e Heloisa Etelvina inicialmente para satisfazer o prazer de mulheres lésbicas e hoje além de contemplar o público LGBTQIA+ também atende às necessidades da mulher heterossexual, não foi diferente. Para Etelvina, vários acontecimentos contribuíram para uma performance mais agressiva nas vendas dos últimos anos, entre eles a disseminação do autocuidado e do autoamor entre as mulheres, divulgados principalmente nas redes sociais.
“A questão do feminismo na internet ajudou e todo mundo teve tempo para se descobrir durante a pandemia. Todo mundo se viu sozinho e teve tempo para experimentar alguma coisa. Como estávamos todos à sós, nada melhor do que um brinquedo erótico para entender nosso próprio corpo”, pontua ela. Como exemplo de que a curiosidade e interesse por experiências novas nos últimos anos aumentou, ela cita um “boom” na venda de produtos que não costumavam sair muito, como o plug anal.
Assim como a maioria dos e-commerces que viram suas receitas baterem recordes entre 2020 e 2021, atualmente esses números estão mais estáveis. No entanto, a tendência de alta ainda é uma realidade. “Estamos na casa do faturamento de R$ 2 milhões por ano, mas a expectativa é que em 2022 a gente ainda supere o faturamento dos últimos 2 anos, quando tivemos um crescimento exponencial”, aposta Lumertz.
Na pantynova o movimento é semelhante. A empresa também segue expandindo e agora conta com a comercialização dos produtos no atacado: já é possível encontrá-los na Amaro e no próximo mês, na Renner.
A divulgação e disseminação de informações na mídia sobre o assunto também colaboraram e ainda colaboram para a expansão do setor. Assim como a imprensa vem trabalhando para quebrar esse tabu, personalidades famosas falam sobre o assunto cada vez mais e com naturalidade e até a dramaturgia tem feito seu papel. Um exemplo é a recente cena da novela da Globo, Segundo Sol, que mostrou a atriz Andrea Beltrão interpretando Rebeca, uma mulher mais velha, se masturbando em horário nobre da TV aberta.
São ações como essas que o e-commerce voltado para o empoderamento feminino Diversão e Amor atribui o aumento de 40% na procura por produtos eróticos pelo público 50+ nos últimos meses. “Nosso balanço de vendas realizadas nos últimos seis meses mostrou que houve um aumento não só quantitativo mas também qualitativo, pois as mulheres estão começando a entender mais sobre os tipos de brinquedos eróticos e não compram mais apenas lubrificantes ou lingeries para ‘agradar’ o par. Querem, cada vez mais, acessórios eróticos que tragam o autoconhecimento, atingindo o orgasmo de verdade, encontrando o famoso ponto G. Para isso, querem diversos tipos de vibradores e sugadores”, explica Nathália Cavalcante, que está no segundo ano do comando da empresa.
“Como eu trabalho com os produtos eróticos, eu recebi de muitas pessoas as cenas da personagem da novela se masturbando e, desde então, tenho visto em todas minhas redes sociais trechos de cenas e frases da personagem da Andrea Beltrão. Acho que está influenciando positivamente as pessoas, é mais uma forma das mulheres se conhecerem e buscarem o seu próprio prazer”, incentiva Natália.
Falta de informação e machismo alimentam tabu dentro do mercado de produtos eróticos
Quem vê as empreendedoras colhendo os louros nesse momento, nem imagina quão difícil foi percorrer o caminho até aqui. Etelvina conta que, no início, quando descobriam que se tratava de uma empresa de mulheres e que vendia produtos relacionados à sexualidade, os negócios não andavam. “Empresas não queriam fazer parcerias, não respondiam e-mails, não davam feedback. Enquanto isso, vejo que para homens [fazer essas negociações] é sempre muito mais fácil. Em um happy hour eles já fecham negócio”.
Por falta de conhecimento, empresas que trabalham nesse ramo são, por várias vezes, confundidas com empresas de pornografia. O que é bem diferente, segundo Lumertz, já que o produto erótico é focado no estímulo ao bem-estar sexual, a independência e autocuidado da mulher.
“As pessoas desmerecem nosso trabalho porque elas acreditam que sexualidade e pornografia é a mesma coisa. A gente já chegou a receber fotos indevidas e assédio de homens. Até hoje é difícil ser mulher e trabalhar no mercado erótico. Quando eu falo que minha sócia é minha mãe, ainda escuto ‘Nossa! Que estranho vocês! Mãe e filha e falam sobre sexo’. Então ainda tem muito tabu na sociedade, mesmo que estamos caminhando para uma discussão mais tranquila e natural sobre o assunto.”
Entre os 480 produtos na loja, a Egalité também vende produtos relacionados à higiene pessoal e cuidados íntimos da mulher, porém não possui as mesmas condições que os e-commerces voltados à saúde e beleza. “A gente não consegue usar WhatsApp Business, não consegue patrocinar um anúncio no Instagram. São várias restrições por sermos um sex shop. É como se a gente trabalhasse com pornografia. As pessoas ainda não perceberam a real mudança na qualidade de vida de quem consome produtos sensuais”, defende Lumertz.
Máxima discrição e conteúdo informativos
Ainda que produtos eróticos estejam mais populares e a solidão da pandemia tenha deixado as consumidoras mais curiosas sobre as formas de prazer que elas mesmas podem dar a seus corpos, o sucesso das empresas de sex shop online não seria possível se o cuidado com a experiência do cliente não existisse.
Dentre as maiores dores e necessidades do público que compra produtos eróticos pela internet, a discrição é um ponto muito importante a ser considerado pelas lojas. A atenção deve ir desde a embalagem sem nenhum adesivo ou logo que remeta ao conteúdo, até o cuidado na emissão das notas fiscais, sem a informação sobre o que é o produto ou o nome da empresa.
“Todo mundo tem medo de como vai receber esse produto. De algum parente, porteiro ou colega do trabalho descobrir”, fala Etelvina. Por isso, a pantynova optou por um nome que não tem a ver com sexualidade, e garante que nenhum item vem com a descrição. “É tudo pelo SKU. Não vem nem na nota fiscal, nada que possa identificar”, tranquiliza.
A logística reversa também acontece e o processo segue sigiloso. No entanto, por se tratar de um produto íntimo, a empresa não faz troca quando o produto foi usado. “Temos um plástico que é a nossa segurança. Se esse plástico foi violado, não recebemos o produto”, explica Etelvina, que aponta que todas as informações de uso adequado são sempre muito bem descritas ao cliente. “Mas ninguém lê o manual e acabam sempre recorrendo ao nosso atendimento para saber como ligar o produto ou até mesmo usar”, lamenta.
Para minimizar esses problemas, as empresas investem em conteúdos educativos bastante didáticos tanto nos sites, quanto nas redes sociais. O sucesso nas páginas de Instagram, Twitter e TikTok das marcas é um grande chamariz para o público, por isso, é comum a produção de live commerces e uso de influenciadores digitais para promoção e construção das marcas. A descrição dos produtos nas vitrines virtuais do site e dos posts precisa ser bastante clara e objetiva, além de rica em imagens e vídeos.
O investimento em conteúdo na Egalité é uma prioridade. A empresa tem um canal no YouTube comandado por Luana Lumertz, com mais de 330 mil inscritos. Lá, os assuntos vão de sexualidade, reviews de produtos, empreendedorismo a relacionamentos. “Acaba sendo uma plataforma que puxa muita venda para o e-commerce, cerca de 30% a 40% de retorno em vendas. Outra grande fatia se deve ao Instagram, tanto do meu perfil pessoal como o da Egalité. Lá tiramos dúvidas das clientes, falamos sobre a questão da embalagem discreta, mostramos os vibradores de perto, falamos sobre masturbação, trazemos um conteúdo bem informativo.”
O atendimento humanizado também acaba sendo outra prioridade para as lojas online desse segmento. Na pantynova, as fundadoras dispensaram o uso dos chatbots. “A gente tenta aproximar ao máximo a experiência do consumidor”, fala Etelvina. Uma das saídas usadas pela dupla de fundadoras para garantir que o público tenha uma visão mais real possível de como é o produto, além das proporções de medidas, o site conta com uma tecnologia de realidade virtual pioneira em sex shops, semelhante às usadas por e-commerces de móveis e decoração, que é possível saber o tamanho real dos dildos.
O cuidado com as consumidoras é a chave para conseguir engajamentos espontâneos e feedbacks tão positivos. Trabalhar com uma equipe de mulheres e em prol da saúde das mulheres é o que inspira Lumertz a continuar no mercado erótico, mesmo com o preconceito que ainda existe sobre o meio. “A gente considera que ter uma vida sexual ativa vai refletir em todos os outros aspectos da mulher: trabalho, humor, alegria, socialização… quando falamos de libido, falamos da energia vital. Está relacionada à individualidade e sexualidade. Então o produto que a gente trabalha nada mais é do que uma ferramenta que traz possibilidades de descobertas, autoconhecimento e autonomia do prazer”.
Por Marina Teodoro da Redação do E-Commerce Brasil
Leia também: Raia Drogasil cria programa interno e incentiva mulheres a serem desenvolvedoras de TI