Sim, as indústrias estão em um novo momento decisivo. Elas sabem que terão que iniciar as vendas diretas aos consumidores. Ainda não sabem exatamente por que precisarão fazer isso, mas sabem, sobretudo, que esse é um movimento que se não for bem-feito vai doer, custar caro e quebrar muitos laços de longa data.
D2C virou um novo mantra. Afinal, está presente nas agendas das principais indústrias brasileiras. Há uma certa euforia em torno desse movimento que poderá ajudar a indústria a se aproximar do consumidor final — que, em tempos de omnichannel, desempenha um papel fundamental para o crescimento e perenidade dos negócios. As consultorias e empresas de soluções para e-commerce estão cada vez mais empenhadas para ajudar as indústrias nessa missão. Mas, enquanto isso, a indústria se questiona sobre:
- Quanto essa estratégia causará dor e estranheza ao distribuidor e ao varejista?
- Quanto essa aproximação ao consumidor final custará ao negócio: financeira e estruturalmente?
- Qual o real resultado que essa mudança trará aos nossos acionistas?
Se por um lado algumas empresas ainda estão se questionando, outras aceleraram nesse movimento. Por consequência, estão vivenciando um número expressivo de pedidos diários advindos da venda direta aos consumidores — já as que continuam se questionando, amargam prejuízos de uma iniciativa malsucedida.
Fica então a questão: por que indústrias renomadas estão fracassando no D2C?
Para desdobrarmos sobre essa questão, quero propor alguns questionamentos como forma de entendermos esse fenômeno.
1 – Qual a proposição de valor da minha indústria no D2C?
Dentre as questões críticas que deveriam motivar uma indústria a vender diretamente ao consumidor, ter uma proposição de valor clara e objetivo é o pilar mais singular. Mas acredite: muitas indústrias sequer pararam pra pensar nisso. Muito pelo contrário, um número interessante de indústrias acreditam que o simples fato de serem as detentoras do produto e/ou da marca é suficiente para adotar o modelo D2C. Esse ledo engano, portanto, é uma das características que mais impactam e geram fracasso na adoção de modelo de negócio.
O primeiro questionamento que uma indústria deveria fazer ao idealizar o modelo D2C é: por que um consumidor deixará de comprar meu produto no varejo pra comprar diretamente comigo? Se a resposta for “porque vou vender mais barato que o varejista”, a sua estratégia está fadada ao fracasso logo no início. Afinal, não é conflitando diretamente com os varejistas que você alcançará êxito nessa empreitada.
Se por outro lado sua proposição de valor para vendas D2C for a personalização de itens (algo difícil para o varejista e simples para a indústria) como forma de aumentar o apelo por produtos exclusivos que geram encantamento aos consumidores, existe uma chance de sua indústria agregar ao mercado. O mesmo vale para linhas de produtos exclusivos, que pode funcionar em muitos segmentos de mercado. Isso porque mantém produtos de determinadas linhas sendo vendidos pelos varejistas e tem apenas linhas exclusivas para a venda direta ao consumidor.
Cabe aqui mencionar que esse é apenas um pequeno exemplo do que pode ser feito, pensando especialmente nas indústrias tradicionais. Há, no entanto, indústrias que são startups e que podem já iniciar suas operações tendo como diferencial uma proposição de valor clara para o modelo de negócios D2C através da recorrência pra ganhar escala com mais previsibilidade.
Outro exemplo interessante é o de indústrias que decidem vender direto ao consumidor em regiões onde seus produtos têm pouca representatividade em varejistas locais. Ou seja, uma proposição de valor focada na democratização e acesso aos seus produtos. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, usar o D2C para vender em regiões mais afastadas pode ser uma ótima opção para a indústria iniciar no D2C.
Embora ter uma proposição de valor específica para o D2C possa parecer algo óbvio, muitas indústrias tradicionais estão fracassando em suas iniciativas por não considerar essa premissa básica.
2 – O que sua indústria pretende obter como resultado da adoção do D2C?
Uma mesma indústria pode ter inúmeras estratégias diferentes, seja por linha de produtos, locais de atuação, modelos tributários, volume de vendas, elasticidade de preços, etc.
Quando idealizar o modelo de negócios para o D2C, a recomendação é que a empresa tenha muito claro o que de fato quer obter com essa estratégia. Pode ser que uma determinada indústria esteja vislumbrando obter dados das jornadas dos consumidores para elaborar novas estratégias e produtos (P&D). Outra, por exemplo, pode querer obter um novo fluxo de geração de receita, enquanto uma terceira deseja estabelecer mais proximidade, relacionamento e confiança com os consumidores de seus produtos. O fato é que não se deve iniciar uma jornada D2C sem ter muito claro (e preferencialmente documentado) o que a indústria pretende com essa estratégia.
A partir do momento que a pretensão esteja clara será possível estabelecer métricas e metas que vão ajudar a indústria a alcançar seus objetivos.
Não se pode, no entanto, idealizar um modelo de negócios D2C que não tenha a agilidade de evolução e transformação necessárias para lidar com o consumidor final. Portanto, a pretensão de sua indústria deve levar em consideração celeridade e flexibilidade para as mudanças. As indústrias que não conseguem ser céleres e flexíveis adotam o D2C e rapidamente fracassam.
3 – Que desafios estamos dispostos a enfrentar na adoção do D2C?
Reconhecidamente, a indústria vive um turbilhão de emoções cotidianas em que podemos incluir brevemente:
- Equilibrar oferta, demanda e capacidade de produção;
- Adaptações para ciclos produtivos mais curtos e/ou mais eficientes;
- Desenvolvimento de novos produtos, novas embalagens e novas oportunidades de vendas.
Nesse cenário a adoção do D2C impõe novos desafios e particularidades, que vão são:
- Rever as informações do catálogo de produtos, que em muitas situações não está adequado para uma venda no e-commerce;
- Desafios operacionais, como separar, conferir, faturar e despachar um número maior de pedidos de consumidores (que podem ter apenas um item cada);
- Há, inclusive, as que não suportam cadastrar e emitir uma nota fiscal para consumidor final. Neste caso os desafios são ainda maiores.
Outros desafios que chegam com a adoção de D2C têm relação direta com a aquisição de clientes/consumidores. Afinal, traz consigo a necessidade de a indústria aprender novas competências relacionadas ao Marketing Digital, Mídias Sociais e indicadores de performance. Pode parecer simples para os varejistas que estão há 20 anos no e-commerce. Entretanto, para muitas indústrias a simples discussão de um orçamento para campanhas de Ads — ou a contratação de influenciadores, ou investimentos que tragam novos consumidores — são desafios enormes.
Em um exemplo simples, acompanhei recentemente a negociação da área de D2C de uma indústria que queria um budget para ações de fretes grátis nas vendas do D2C. A questão foi parar no board da indústria, que não sabia sequer como alocar o valor no plano de contas da companhia. Afinal, isso era algo inédito para eles, embora a indústria tenha mais de 100 anos de existência.
Daí decorrem muitos desafios que muitas indústrias sequer mapeiam na hora de adotar uma estratégia D2C — e muitas fracassam por subestimar os desafios. Em outro exemplo tive que explicar ao board de uma indústria os conceitos de LTV (Lifetime Value). Se para um varejista esse conceito é bem sólido, para a indústria em questão era incompreensível e tornou-se palco de inúmeras reuniões. Tudo para que eles pudessem compreender como essa métrica seria importante para vários desdobramentos da estratégia de D2C.
Outro ponto de reflexão sobre desafios é a montagem da equipe e contratação dos talentos que vão tocar a estratégia D2C. De fato este é um desafio e tanto para a indústria, especialmente em um momento em que o mercado não tem grande oferta de bons talentos e a demanda está altíssima. Nos planos de cargos, salários e carreiras das indústrias é praticamente inviável encaixar os valores que são praticados atualmente para os talentos dispostos a compor à equipe de D2C.
Por fim, nesse tópico quero destacar o desafio que é a curva de aprendizado das indústrias no D2C. De forma geral, é algo que leva cerca de 2 anos se a indústria conseguir compor um bom time; as tecnologias certas; adequar os processos e contratar apoio de terceiros nessa jornada. Entretanto, pode demorar muito mais se ela tiver que formar talentos e aprender com os próprios erros.
Ter claro que será preciso enfrentar desafios é um dos pontos que diferencia as indústrias que têm êxito das que estão fracassando na adoção de estratégias D2C.
4 – Como investimentos certos em novas tecnologias e automação podem ajudar a pavimentar a estratégia D2C?
A indústria está acostumada a longos e complexos projetos relacionados a tecnologias e automação. Isso vai desde o chão de fábrica, passando pelas políticas comerciais, até checar na automação da força de vendas.
Em um cenário de venda direta ao consumidor é fundamental que a indústria faça bons investimentos em novas tecnologias e em automações — que irão ajudá-la a pavimentar essa nova jornada.
Para lidar com o consumidor é fundamental pensar simples e descomplicado, e é aí que muitas indústrias fracassam. Isso porque não conseguem criar experiências de compra e jornadas de clientes adequadas à aceleração e urgência com as quais os consumidores realizam suas compras. UX é uma premissa básica para o sucesso do D2C. Aliás, veja que já há indústrias utilizando conceitos de gamificação para tornar as jornadas de seus consumidores mais atraente e aumentar o engajamento.
Muitas indústrias querem reaproveitar as tecnologias legadas que estão enraizadas no negócio. Algumas acham (ou são mal orientadas) que essas tecnologias legadas serão suficientes e satisfatórias, mas quando o projeto vai ao ar, invariavelmente é um Frankenstein que torna as experiências dos consumidores aterrorizantes.
Hoje existem inúmeras oportunidades no mercado. Destaco, inclusive, a possibilidade da contratação de empresas de serviços fullcommerce, que são potenciais aceleradoras desse processo de onboarding no D2C. Além delas, também ressalto os serviços de fulfillment, oferecidos por operadores logísticos e mais recentemente por marketplaces. Essas soluções tendem a conter um conjunto bastante azeitado de tecnologias e automações — além, é claro, de know-how —, que aceleram a geração de oportunidades.
Importante: se as três questões anteriores não estiverem bem resolvidas, peço encarecidamente que você não contrate nada! Uma parcela interessante das indústrias que não têm êxito na adoção do D2C fracassa porque acha que só escolher as tecnologias e automações será suficiente. Todavia, se você leu esse artigo até aqui, já entendeu que tecnologias e automações devem ser consideradas como último passo dessa empreitada, embora sejam itens importantíssimos.
Cuidado, também, para não iniciar pisando em terreno desconhecido sem boas orientações e bons orientadores. Por exemplo: se sua indústria não está familiarizada com inteligência artificial, realidade aumentada, Internet das Coisas, machine learning, big data, headless commerce, análises preditivas, customer data platform e mais uma dúzia de possibilidades e jargões do mercado digital, pode ser estranho ter que lidar com tudo isso logo no start do seu D2C. Portanto, escolha o momento certo para usar cada uma das ferramentas disponíveis.
Para concluirmos esse artigo, preciso te contar que a adoção de D2C, especialmente para as indústrias mais tradicionais, é uma longa estrada que precisa ser:
- Bem pensada/planejada;
- Bem pavimentada;
- E bem executada/dirigida.
Tudo para que possa, um quilômetro por vez, conduzir seu negócio a um destino (ou novo canal de negócios) de sucesso!