“Quando a esmola é demais, o santo desconfia”. Esta é uma máxima popular bem antiga, que talvez a geração Z nem conheça. Mas quando a palavra “grátis” aparece, certamente o gatinho preto do TikTok já está desconfiado.
Será mesmo? Estamos mais desconfiados como consumidores ou mais informados e munidos de ferramentas para decidir? Diante de ofertas como as de frete grátis, por exemplo, vale repensarmos além da possibilidade em si, mas o quanto o significado de ultra conveniência tem ganhado relevância nas identificações com marcas e nas tomadas de decisão.
Muitos especialistas em inbound marketing vêm falando que a lógica do funil de conversão já foi para o espaço e que sua lógica linear dá lugar ao looping de mercado. É uma lógica menos “top-down” e circular, na qual o comportamento do consumidor é considerado em suas complexidades, entendendo melhor o processo de compra e, principalmente, o pós-compra, bem como o relacionamento e a fidelidade.
Podemos destacar três tópicos importantes desta lógica: o entendimento profundo do comportamento do consumidor (e não necessariamente de compra); uma visão mais abrangente desta jornada; e a compreensão de pontos de melhoria na conversão.
Aí nos perguntamos: numa dinâmica de performance e vendas, onde entram o branding e o design? Entram do início ao fim, da marca à experiência, num processo constante e retroalimentado de construção de valor. Uma vez que o consumidor busca menos fricção, para nós, que desenhamos estratégias e jornadas, na verdade, ele busca o caminho mais simples de resolver seu problema imediato. E isso, sim, tem muito valor. Pensar em marca além dos desenhos e conceitos, mas entregar na prática e entender que estratégia, design, arquitetura, digital, todas as disciplinas trabalham em conjunto na construção das experiências de marca.
Neste aspecto, precisamos tirar o branding das mesas de reuniões e colocar na mesa da cozinha. Pensar branding tem que deixar de ser um momento pontual e solene e ser, sim, uma prática diária, exercida por todos os atores, nos cenários em que a marca se apresenta.
Mais do que pensar marca, construir experiência
A experiência, às vezes, pode ser invisível aos olhos, mas ela é sentida pelas pessoas. A construção destes significados e a expressão destes momentos pode ser muito personalizada – ou seja, mais do que colocar o nome do consumidor, poder se relacionar com seu universo simbólico e com seus padrões de valor.
Pensando dentro desta mesma lógica, ao avaliar os dados, não devemos apenas coletá-los, mas interpretá-los e aplicá-los em soluções de melhoria. Com isso, começamos a aproximar o discurso das marcas às práticas, que, no final do dia, é o que gera a experiência.
Talvez possamos aprender que investir em experiência não é necessariamente investir em complexidade. É investir em ativos de significados.
Quando a Amazon e o Mercado Livre passaram a operar também na logística de entregas, revolucionaram o “como as pessoas compram e recebem”. Dessa forma, passamos a entender de uma forma diferente também a revolução na facilitação do consumo que isto gera.
Vai bem além de um movimento de frete grátis, de programa de recompensa. Vai num sinal claro e concreto de que hoje podemos comprar de uma forma bem mais simplificada e rápida.
Ao vermos vans e aviões do Mercado Livre, entendemos bem este sinal, esta lógica, pois já estamos acostumados a ver as marcas nas ruas. Ao recebermos os produtos em nossas casas, percebemos que, além desta estrutura visível e formal, há também os parceiros que encontram soluções de renda extra nos trazendo os pacotinhos amarelos, a “Tiffany Blue Box” do dia a dia.
Qual experiência vale mais, tem maior significado? Depende. Já conheço a pessoa que sempre me entrega aos sábados, mãe solteira que complementa renda sendo parceira de entregas. No meu caso, o Celta branco dela tem mais significado do que a van amarela, mas são todos sinais claros.
Se para um lado individual o consumo fica mais fácil, para um lado coletivo nos traz reflexões: para onde esse consumo nos leva?
Isso tudo vai além de um movimento de marca e se incorpora a um novo comportamento que, como todas as transformações, tem suas oportunidades e desafios.
Esse texto nos convida a pensar (de forma circular) além da venda, das marcas, das estratégias e das experiências e provoca-nos sobre a importância do acompanhamento constante dos movimentos de marca, da ampliação do debate sobre o tema de marcas e o tamanho dos impactos individuais e coletivos dessas transformações.