Em janeiro de 2016, entraram em vigor as novas regras para o tratamento de ICMS surgidas após a Emenda Constitucional nº 87 e com a edição do Convênio ICMS nº 93 firmado pelo CONFAZ. Entrar em vigor significa que as regras já podem ser impostas aos responsáveis pelo pagamento do imposto, e que os responsáveis por cobrar estão autorizados a receber e a fiscalizar.
Com as alterações, tornou-se obrigatório o recolhimento de diferencial de alíquota (difal) – ICMS – para o Estado de destino da mercadoria quando ocorrer circulação de mercadorias/serviços entre Estados diversos, com destino ao consumidor final. Também foi reduzida a alíquota devida para a origem do produto, que foi alterada para a interestadual.
Esse novo regime aplicado ao ICMS surgiu com o fim de atingir as vendas no e-commerce e melhorar a divisão do imposto entre os Estados, visto que alguns poucos comercializam produtos, e a maioria apenas recebe os produtos.
O novo tratamento, conforme a intenção do CONFAZ, estaria perfectibilizado com a adequação das leis dos Estados (pois para cobrar imposto efetivamente é preciso que haja tal previsão em Regulamento Estadual) com as regras do Convênio 93.
Essa regulamentação nos Estados é feita por Decreto. Ele é emanado do Poder Executivo e depende da aprovação de cada Governador do seu respectivo Estado.
Contudo, as normas do Convênio 93 parecem não poder prosperar. O ente que o originou (o CONFAZ) não possui autorização Constitucional para regular as matérias da forma que foi feita.
O CONFAZ, ao criar as normas do Convênio ICMS nº 93, desconsiderou regras básicas da Constituição Federal. Na Constituição, vem fixado o caráter obrigatório do ICMS não cumulativo, constando que compete à Lei Complementar fixar base de cálculo, definir contribuinte de tributos etc.
A não cumulatividade é uma das principais características do ICMS, e só são admitidas exceções expressas na Constituição. Ser não cumulativo significa que o ICMS é compensável. Assim, quem deve pagar o imposto é sempre quem consome, e não quem circula – este apenas adianta a parcela que será cobrada daquele (dita substituição tributária), no final da cadeia produtiva.
A supressão da não cumulatividade está caracterizada na Cláusula 3ª do Convênio, que afirma “o crédito relativo às operações anteriores deve ser deduzido do débito correspondente ao imposto devido à unidade federada de origem”. Por essa cláusula, não se admite a compensação do imposto recolhido quanto ao difal para o Estado de destino. Essa determinação colide com o texto Constitucional, que afirma que o ICMS deve, ao final da operação no sistema de débito/crédito, ser 100% compensável – tanto para o mesmo Estado, como para qualquer outro.
Em sua Cláusula 2ª, o Convênio 93 define quais alíquotas devem ser aplicadas no recolhimento do difal, e trata abertamente de base de cálculo, ao afirmar que ela é única e ao determinar fórmulas para o cálculo do difal na operação. Inclusive incluindo na base de cálculo o FECOP (Fundo de Amparo à Pobreza), o que aumenta o valor do tributo.
Na cláusula 9ª, o CONFAZ estende a aplicação das regras do Convênio aos optantes do Simples Nacional, definindo os pequenos empresários como contribuintes.
Essas cláusulas vão de encontro, também, ao disposto na Constituição Federal, quando afirmam que, para a definição de contribuintes, bases de cálculos e fatos geradores, devem tais matérias ser veiculadas exclusivamente por Lei Complementar. Assim, foram criadas a Lei Complementar nº 86, para regramento geral de ICMS, e a Lei Complementar nº 123, para regular o Regime do Simples Nacional.
Como a LC 86 não recepcionou as regras da EC 87, não há previsão, por exemplo, de ser devida à unidade federada de destino (no caso de circulação de mercadorias para consumidor final localizado em outro Estado) a diferença entre a alíquota interna da origem do produto e a alíquota interestadual. E não há na LC 123 a previsão de ser o pequeno empresário obrigado a recolher qualquer outra guia além da guia única do Simples. Isso é importante porque, com as regras do Convênio, o microempresário poderá ser obrigado a emitir até 4 (guias) diversas para cada operação de venda que ultrapasse a fronteira do seu Estado de localização.
Como o lado mais fraco na relação Fisco x Contribuinte é o próprio contribuinte, pois cabe a ele a obrigação de pagar o tributo, a Constituição o protege, ao afirmar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”. E mais: para a lei aplicada, ela precisa ser válida. Ser válida significa, dentre outros requisitos, ir a lei de total acordo com o que determina a Constituição Federal.
Portanto, a Constituição afirma que deve o contribuinte ser protegido, dele só podendo ser exigido imposto dentro da legalidade. Também prevê que, havendo violação ou na existência de receio concreto de haver possível violação de um direito, pode o paciente da arbitrariedade fazer uso de ações judicias que busquem a reversão do dano, ou que evitem que o dano se concretize no futuro. Dentre as mais variadas ações existentes na legislação Brasileira há o Mandado de Segurança.
Para que a utilização do Mandado de Segurança seja possível, é necessário que se oponha contra “ato” de agente público, ou de pessoa que esteja no exercício de função pública.
Esses atos são considerados existentes, por exemplo, com a aprovação de Decreto Estadual ilegal, em apreensões de mercadorias e cobrança de multas etc.
O “agente coator” no Mandado de Segurança, considerando que o ICMS é um imposto Estadual, poderá ser o Delegado Regional Tributário, o Coordenador do Sistema de Arrecadação e Tributação ou até mesmo o Governador do Estado.
Nessa ação, será requerido que se cesse a coação ilegal, e consequentemente que se anulem seus efeitos. Assim, pode o empresário se proteger de futura incidência de imposto, solicitar anulação de cobrança, pedir a liberação de mercadoria, cancelamento de multa etc.
O Mandado de Segurança, quando no momento de sua utilização, pode ser dividido em duas categorias, o preventivo e o repressivo.
É dito preventivo quando ainda não ocorreu o lançamento, ou seja, o Fisco ainda não declarou que determinada situação deva sofrer cobrança de imposto. Um exemplo claro é haver a notícia de Decreto Estadual que prevê a cobrança difal nos moldes no Convênio 93 sem ter ainda efetivamente ocorrido notificação para que seja pago o imposto.
Já o Mandado de Segurança repressivo pode ser utilizado em até 120 (cento e vinte) dias após o lançamento do imposto pelo Fisco, sob pena de perder a vítima, do ato ilegal e abusivo, o direito de utilizá-lo. Aqui o imposto já é devido, pois há a notificação do lançamento, e o crédito a favor da Fazenda foi concretizado.
O Mandado de Segurança, quanto à quantidade de sujeitos que dele utilizam, pode ser individual ou coletivo. É individual quando movido por cada pessoa (física ou jurídica) individualmente. O coletivo poderá ser utilizado por partido político, com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe e por associação constituída há mais de um ano em defesa do interesse dos seus membros ou associados.
O Mandado de Segurança tem sido um meio que os empresários de todo o Brasil têm utilizado para levar à apreciação do Poder Judiciário situações que entendem abusivas.
Vem sendo veiculada na imprensa a notícia que alguns Estados estão julgando ilegal a exigência das regras do Convênio 93 dos pequenos empresários optantes do Simples Nacional.
De toda a forma, a Lei Maior (Constituição Federal) não abre brechas para que o CONFAZ legisle sobre matérias que cabem à Lei Complementar. A Constituição é clara ao determinar em seu artigo 146, inciso III, alínea “a” que cabe à lei complementar a “definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”.
O que parece claro aos olhos do empresariado é que houve um aumento de carga tributária/impostos/taxas de forma generalizada. Tudo com o fim de frear os efeitos negativos que a recessão da economia nacional tem causando aos cofres públicos.
Por essa busca desenfreada de recursos junto aos particulares, aparecem as irregularidades, havendo sobreposição de poderes e competências em detrimento da legislação nacional, e causando insegurança financeira e insegurança jurídica, o que é mais grave.
Cabe também ao contribuinte a fiscalização da lei, podendo para tanto utilizar o Judiciário na busca da aplicação da lei. Assim, define a Lei Suprema que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Publicado originalmente na Revista E-Commerce Brasil