Por Vasco Crivelli Visconti, Fundador do Brandsclub e COO/CTO da Infracommerce
Eu costumo dizer que o e-commerce é um negócio de entrega. Com isso, quero dizer que o backoffice, a logística e o suporte pós-venda são provavelmente a parte mais importante do e-commerce e, ao mesmo tempo, a menos valorizada.
A importância da cadeia de sistemas, as interfaces e os processos que seguem a “loja virtual” são os únicos que garantem que a experiência de compra do consumidor seja completamente positiva, e não apenas uma sequência de frustrações depois da euforia da compra. Mas a verdadeira questão não é apenas a satisfação pessoal do consumidor em relação a uma compra online, mas principalmente a probabilidade de ele ou ela voltar a comprar na mesma loja no futuro próximo.
Agora, não quero ser mal entendido: é minha convicção total de que a loja virtual é absolutamente fundamental na cadeia de uma operação de e-commerce de sucesso. Aliás, a loja virtual precisa ser simplesmente a melhor possível, em termos de usabilidade, escalabilidade e, por que não, beleza. O que infelizmente não é verdade é que a loja virtual, além de necessária, é também suficiente para garantir o sucesso de uma operação de e-commerce.
De fato, a importância da loja virtual não é maior do que do resto da cadeia. A demonstração de que o mercado ainda não percebeu essa verdade está na predominante importância que o ROI possui entre as métricas do marketing digital. O ROI de uma campanha é o resultado das vendas geradas dividido pelo total gasto na campanha. Em outras palavras, o ROI é uma medida do retorno que um investimento em novo tráfego para a loja virtual gera através de vendas diretas. Se de um lado o ROI é uma métrica extremamente simples de apurar e extremamente poderosa na fase de crescimento de uma loja virtual, por outro lado, no médio prazo, leva a uma gestão míope do negócio, porque foca a atenção do gestor apenas no resultado da loja, e não no resto.
Paradoxalmente, você pode ter um ROI muito alto em uma campanha de venda, mas se por qualquer outro motivo a disponibilidade de estoque, o backoffice e a logística não estiverem prontos para atender tempestivamente às vendas, o verdadeiro resultado da campanha será simplesmente desastroso.
Além do ROI
Começar a gerir uma operação de e-commerce com uma visão de médio e longo prazo leva naturalmente a buscar métricas além do ROI que possam incorporar a experiência do usuário como um todo, e não apenas a conversão de venda da loja.
A mais importante métrica nesse sentido é o CustomerLifetimeValue, CLV. Existem diversas definições dessa métrica, mas de fato o objetivo é medir (em dinheiro) quanto cada consumidor cliente de uma loja virtual contribui ao longo de sua vida útil. Essa métrica ainda é muito pouco utilizada, porque é bastante complexa de ser medida corretamente: envolve a noção de vida útil de um consumidor, margem de contribuição de cada compra, frequência de compra etc. Mas o que é realmente importante, na minha opinião, é que o CLV muda radicalmente a forma de olhar para a operação de e-commerce. Uma vez que o objetivo vira a maximização do CLV, o gestor do e-commerce muda também sua estratégia, e novos horizontes se abrem.
Vamos imaginar por um segundo que um painel de controle mágico (existem de fato alguns, em comércio) nos forneça uma projeção do CLV de cada um de nossos consumidores. Imediatamente, o gestor de e-commerce gostaria de saber por que um cliente possui um CLV maior que um outro, quais são os fatores que influenciam o CLV de um consumidor? É nesse momento que os departamentos de marketing e comercial começam a trabalhar juntos com o operacional e o técnico, porque a resposta para essas perguntas só pode vir do cruzamento de dados não apenas da loja, mas também do resto da cadeia. Um cliente com elevado CLV já teve que devolver um produto porque foi entregue errado? O prazo de entrega foi sempre respeitado?
E tem mais. Rapidamente se descobre como fatores como o atraso na entrega podem ter influências completamente diferentes em clientes que estão fazendo sua primeira compra ou clientes rotineiros de uma loja virtual; o nível de informação fornecida na hora da compra não apenas influencia a decisão de compra, mas também diminui a incidência de devoluções e reclamações; a decisão de compra nem sempre é fruto de um impulso imediato, mas precisa de múltiplas interações com o site para ser amadurecida, e a frequência dessas interações é proporcional à probabilidade de compra.
A realidade da moda
Apesar do grande crescimento do e-commerce em nosso país, a gestão continua focando na grande maioria dos casos em conversão de venda e ROI, sem foco relevante no resto da cadeia. Por esse motivo, continuo encontrando situações em que a euforia do departamento de marketing e comercial contrasta com o desespero dos departamentos operacionais e técnicos (próprios ou terceirizados que sejam), que recebem “bolas quadradas” cada vez piores e maiores.
Essa situação é ainda mais comum quando se trata do mercado de moda. O motivo disso, como descrito acima, não tem nada a ver com a competência (ou incompetência, às vezes!) dos departamentos operacionais, e sim com o foco da gestão. O foco da gestão, pilotada pelo ROI, leva à criação de lojas virtuais cada vez mais eficientes e bem feitas, mas menospreza os detalhes do resto da cadeia: e no mercado de moda existem muitos detalhes que não podem ser esquecidos. Quero falar um pouco dos dois principais: o cadastro de produtos e a gestão do estoque.
Cadastro de produtos
O cadastro de produtos de moda é uma tarefa extremamente complexa. E não estou apenas me referindo ao lado “comercial” do cadastro, mas também ao seu lado técnico. Em uma empresa movida pelo ROI, o cadastro será realizado de uma forma que priorize a conversão de venda e não as outras métricas. A ênfase principal será dada a informações que despertem o desejo impulsivo de compra, mas são negligenciadas informações que se tornam extremamente relevantes no pós-venda, como informações de lavagem, composição etc. Essas informações provavelmente têm impacto baixo na conversão de venda da loja (e portanto no ROI!), mas têm impacto relevante no número de contatos com o SAC ou até de devoluções que os produtos podem gerar e, portanto, são relevantes para quem está focando em maximizar o CLV.
Gestão do estoque
De um ponto de vista de gestão de estoque, o cadastro de produtos de moda é um processo complexo por causa da falta de padronização no mercado. Nem mesmo dentro de um nicho específico, como por exemplo surfware ou biquíni, existem práticas comuns na identificação das peças. Existem fornecedores que utilizam um código único para o mesmo modelo, independentemente de cor e tamanho, outros que variam o código em função do tamanho, mas não a cor etc. Essas práticas dependem da forma em que a cadeia de distribuição para abastecimento de lojas físicas (próprias, franquiadas, multimarca ou de outro tipo) está estruturada. De fato, na maioria dos casos, a identificação das peças raramente é feita por SKU, e a razão disso é muito simples: tradicionalmente quem faz o picking do produto é o cliente na loja! Isso quer dizer que, para adequar a cadeia às exigências do e-commerce, em muitos casos, é necessária uma reidentificação e uma etiquetagem das peças, com consequentes incrementos de custos e introdução de possíveis erros. Para evitar esses processos, a cadeia inteira e a forma de gerir o estoque deveriam ser mudadas. Numa gestão baseada em ROI, dificilmente a segunda opção ganharia prioridade sobre a primeira.
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