No mundo de hoje, processos e produtos bancários são necessários para fazer a roda da economia funcionar, mas não necessariamente os bancos enquanto instituições. Isso pode soar um pouco contraditório inicialmente, mas vou tentar clarificar ao longo deste texto.
O ponto central do pensamento acima é de que, em meio a uma economia global majoritariamente capitalista, o mundo atual não sobrevive sem os processos que controlam e administram as transações financeiras, mas não precisam ser com os players de sempre. Não precisam ser por via dos nomes tradicionais de sempre. Aquelas poucas marcas que dominam completamente o mercado. Nem os serviços precisam ser os mesmos de sempre. Esse é o jogo, e a fintechs, por exemplo, têm mostrado muito bem isso.
Diante desse cenário, certamente temos visto movimentações das instituições bancárias no sentido de digitalizarem produtos já existentes, construindo canais digitais. Isso inclui também a criação de novos produtos e a flexibilização de processos e de ofertas para se manterem competitivos no mercado.
Não somente as fintechs, mas também as novas tecnologias e as gigantes tecnológicas, ameaçam a existência de bancos tradicionais, movendo-se cada vez mais rápido para a posição que por gerações foi exclusivamente deles.
Para continuarem a prosperar no presente e no futuro, os bancos precisam questionar as suas posições, mentalidade, ou até mesmo sua cultura, e se colocarem como relevantes na vida de seus clientes. E, para isso acontecer, buscar a máxima personalização através da hiper-relevância, com a centralização do cliente no core da empresa, é o melhor caminho, objetivando se transformar naquilo que é conhecido como um banco vivo (“Living Bank”).
Sob essa ótica um tanto quanto alarmista, pode parecer que todos os bancos tradicionais deixarão de existir da noite para o dia se não fizerem nada. Claro, também não é assim. É certo que ficar parado, não se adaptar à realidade de hoje, fatalmente levará o banco que isso decidiu ao fracasso. Mas estamos falando de bancos, ou seja, a não ser que aconteça algo muito grave inesperadamente, esse processo leva tempo.
Feito o contraponto, talvez seja interessante olhar para toda essa mudança de uma forma diferente: se a necessidade de se adaptar é tangente, se é certo que quem sai na frente tem mais chances de se destacar na liderança ao longo do tempo, só isso seria suficiente para convencer todos os bancos a se mexerem? Bom, se não for, que tal pensar nas vantagens imediatas (leia-se mais dinheiro), diretas e indiretas, que os bancos podem obter? Considerar a perspectiva dos benefícios pode nos agradar mais. Então, vamos a elas.
Antes de mais nada, precisamos lembrar que praticamente todo cliente de banco usa o banco. A frequência pode variar de usuário para usuário, mas quase todo mundo que possui conta bancária usa alguns de seus serviços. Em maior ou menor grau, isso resulta em uma palavra-chave: confiança. E a confiança é uma das forças motrizes principais para o surgimento e a consolidação do comprador digital. O segundo ponto que vale destacar é o reconhecimento das marcas das instituições bancárias na memória de seus usuários, principalmente as mais tradicionais. O reconhecimento da marca é algo construído normalmente em longo prazo, com anos e anos de investimento em branding e em marketing, e isso pode ser utilizado pelos bancos para atrair parceiros valiosos para o seu ecossistema. E, por último, os bancos fazem parte do ciclo de vida de seus clientes, e eles sabem disso.
Portanto, os usuários sabem que os bancos possuem informações sensíveis sobre seus clientes, quanto ganham, o que compram, dentre outros dados a que praticamente nenhuma outra empresa, e menos ainda as varejistas mais comuns e famosas, tem acesso. Veja como um olhar diferente pode mudar nossa perspectiva, não é mesmo? Caminhamos de um alarme imediato para uma oportunidade incrível. E o céu é o limite. Você pode imaginar o banco oferecendo uma experiência que envolve pesquisa, compra e financiamento de um carro, de uma festa de casamento, de uma viagem ou de um jatinho.
Sinais de mudança
Ok, acho que já entendemos que o setor bancário está mudando, e que há a necessidade de os bancos se colocarem no centro da vida de seus clientes e de entregarem cada vez mais uma experiência personalizada voltada para o “eu” do seu consumidor. Mas de que forma podemos comprovar esse movimento?
Bom, irei destacar aqui ao menos três elementos em que podemos notar a demanda crescente por essas mudanças. O primeiro é a mudança do comportamento do cliente do mundo de hoje. E para falar do mundo de hoje, é impossível desconsiderar o ambiente global da pandemia de Covid-19. É consenso para todos que essa doença acelerou processos de mudança e testou a capacidade de adaptação do ser humano em meio a um mundo altamente conectado e cada vez mais tecnológico. E o comportamento do comprador no ambiente digital envolve uma tendência por agregadores de serviços, os famosos marketplaces, locais em que os clientes podem fazer suas compras, comparar preços, ver boas ofertas, acessar boas opções de pagamento, sem sair do mesmo website ou app.
E quanto mais um usuário se acostuma com esse ambiente, mais natural ele acha fazer qualquer atividade por lá, o que pode envolver a troca de seu provedor de Internet ou de energia elétrica, financiamentos, contratação de seguros, investimentos, compra de carros, terrenos e apartamentos, gift cards, serviços de streaming, ou até barcos, helicópteros e passagens para viagens espaciais (vide SpaceX, Virgin Galactic ou BlueOrigin) – por que não?
O segundo elemento é o comportamento das gigantes de tecnologia e dos neobancos que citei anteriormente. Estes já entendem a hiper-relevância e apostam da experiência e na personalização para conquistarem seus clientes. Tais concorrentes de alta tecnologia cada vez mais têm se movido para cobrirem os gaps que os bancos tradicionais oferecem, e que têm sido muito bem explorados pelas fintechs. A movimentação desses big conglomerados com core de tecnologia, a cada dia mais e mais multifacetados, é uma ameaça real para os bancos tradicionais, o que pode levar até a canibalização de ofertas, dado que também são grupos fortemente capitalizados.
O terceiro elemento é a própria aceleração exponencial que as tecnologias no mundo sofrem, resultando em um cenário globalizado cada vez mais interconectado e interdependente, também devido à Internet e ao e-commerce. A pandemia de Covid-19 abalou estruturas bem consolidadas em todo o planeta, impactando até as rotinas mais simples como ir ao trabalho, ao parque, à escola ou ao mercado para fazermos nossas compras. E o ser humano rapidamente se adaptou.
O meu palpite é que continuará a se adaptar e passará a ser ainda mais adepto de mudanças a partir dessa experiência, como podemos observar nos milhares de consumidores que fizeram suas primeiras compras online no Brasil a partir de modelos de economia de plataforma, ao menos enquanto enxergarem que há mais vantagens do que desvantagens nesse cenário. Estamos experimentando uma nova era de pessoas atentas e sedentas por novidades e formas de consumo, e os bancos, se explorarem bem esse comportamento, têm muito a ganhar. Se alguém desconfia disso, o Pix está aí para comprovar essa observação.
E por que bancos?
Bem, sabemos que a quarta revolução industrial que experienciamos afeta praticamente todos os setores. Tornar-se um banco vivo exige, em parte, a criação de um “mercado personalizado para cada cliente”. E os bancos são um dos poucos setores que conseguem fazer isso bem – cada consumidor possui um perfil único e, mesmo quando se clusteriza, as informações transacionais continuam individuais.
Outro fator a se considerar é o de que as instituições bancárias tradicionais possuem caixa para financiar a criação de um novo modelo de negócios que utilize plataformas, necessárias para suportar esse tipo de operação.
Mas é preciso ir além da simples oferta de produtos e serviços diversos. E outro ponto que deve impactar na tomada de decisão, e que os bancos são capazes de prover, é o quesito segurança. Não só relativo a tráfego de dados, mas também às opções de pagamento disponíveis.
E, se forem criativos, os bancos podem até ir mais longe, oferecendo uma experiência de ponta a ponta de produtos e serviços, de forma a se tornarem o planejador financeiro de seus clientes, ajudando-os a atingir suas metas de compras tão sonhadas, e fazendo parte de fato da vida das pessoas.
Talvez essa seja a maior vantagem dos marketplaces, pois são espaços em que os bancos poderiam credenciar e habilitar parceiros capazes de participar de todo o ecossistema da vida do cliente, incluindo algo crítico para a experiência das instituições bancárias, expedição e entregas. Numa abordagem como essa, os bancos ganhariam financeiramente e conseguiriam aumentar a lealdade de seus clientes, posicionando-se no centro da vida deles. Os clientes também ganhariam em segurança, credibilidade, confiança, menor esforço e ruído ao fazer tudo dentro de um sistema bancário com opções de crédito, planejamento e formas de pagamento flexíveis e convenientes, assim como também ganhariam os parceiros credenciados, acessando uma audiência nova, pronta para aquisição aprovada pelos bancos (baixo risco) e com crédito disponível para compras.
Por falar em marketplace…
Dentre os líderes globais nesse mercado que envolve economia de plataforma, Amazon e Alibaba são grandes exemplos mundiais de marketplaces. E uma coisa em que a gente para pouco para pensar, e que eles têm em comum, é que ambos oferecem serviços financeiros agregados em seus ecossistemas. A Amazon, por exemplo, utiliza os dados transacionais do marketplace para ter acesso a informações de risco, enquanto Alibaba disponibiliza um conjunto de serviços bancários em seu guarda-chuva. E as duas empresas têm a tecnologia como alicerce. No Brasil, temos exemplos como Banco Inter, PicPay, Magazine Luiza, Mercado Livre, Americanas dentre outros capazes de interseccionar ofertas de serviços financeiros e ofertas de produtos e serviços próprios e de parceiros.
Quando um banco decide evoluir para um banco vivo, isto é, o ponto em que os bancos são consistentemente relevantes para seus clientes, é preciso contar com sistemas para orquestrar tanto uma operação de marketplace quanto os momentos cruciais da vida do cliente. Um orquestrador de marketplace, por exemplo, pode ser uma plataforma de Seller Center white-label como a solução da Omnik, como também pode ser desenvolvido internamente. Através dessa camada, um banco terá a tecnologia necessária para operar nesse modelo, e assim passar a disponibilizar aos seus clientes produtos não financeiros.
Esse modelo de negócios pode ajudar os bancos a construírem uma estratégia de volume, e a criarem aquilo que chamamos comumente de efeito de rede (“Network Effect”), ou seja, um sistema que cresce através de sua própria retroalimentação da relação lojistas, ofertas e tráfego, além da possibilidade de realizar “up-sell” e “cross-sell” dos serviços financeiros que possui dentro de casa, e conquistar novos clientes por meio de novos visitantes.
Embora agregar uma operação de marketplace pode retirar os bancos de sua zona de conforto, podemos notar que eles estão muito bem posicionados para fazer isso. Bancos podem, além de ofertar seus produtos e serviços através de outros marketplaces, criar seu próprio marketplace para agregar produtos e serviços de parceiros e estar cada vez mais imersos na vida de seus clientes.
E como um banco pode construir um marketplace?
Para começar, se um banco deseja ter um próprio marketplace, é preciso definir muito bem a sua estratégia, de forma que haja interconexão entre os objetivos do negócio, a missão e os valores da empresa, os produtos e os serviços da instituição bancária, e finalmente, com o cotidiano e os momentos importantes da vida do cliente.
Um banco pode decidir operar no modelo B2B, como Alibaba, no varejo B2C, como faz a Amazon, ou até no modelo C2C (ou peer-to-peer), caso do eBay. A partir disso, é preciso considerar o que o banco deverá agregar para prosseguir com essa nova operação, seja internamente ou terceirizando partes do processo, como a escolha dos parceiros lojistas, atendimento ao cliente, pós-venda, onboarding, gestor de marketplace, farming, hunting, governança, jurídico, marketing, contábil, financeiro, plataforma de e-commerce, plataforma de Seller Center etc., além do que deverá evoluir em termos de produtos e serviços para atender aos seus objetivos enquanto marketplace.
Dessa forma, é preciso se atentar para qual será o tipo de marketplace escolhido – se será uma operação verticalizada, focada em um segmento específico com grande profundidade, ou se será uma operação horizontalizada, com categorias amplas e genéricas que aceitam tudo. Também é preciso pensar se será uma operação regional, nacional ou global. E assim, finalmente, definir seu público-alvo.
Por fim, dentro do planejamento dos objetivos de negócio, é essencial para o banco definir o ecossistema desejado, tanto interno quanto externo. Por exemplo, um banco pode ou não desejar utilizar algoritmos de pontuação de risco em seu negócio, pode ou não desejar se envolver em áreas como fulfillment e expedição, dentre outros.
Portanto, o primeiro passo para ter um marketplace de sucesso dentro dos objetivos preestabelecidos é o correto planejamento e o mapeamento da operação, contando tanto com o público interno quanto com os fornecedores, sem esquecer algo muito importante: a propagação da relevância do projeto em toda a companhia e sua cultura, não só em termos de resultados financeiros, mas também estratégicos para a longevidade da instituição bancária para o futuro.
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