Se você está no mercado de comércio eletrônico, essencialmente comprando produto de fornecedores e vendendo para o cliente final, seja bem-vindo à selva – a competição é enorme. Enquanto que em uma loja física você se depara com poucos competidores locais perto da sua região, em um e-commerce, a competição é global (brasileiros já gastam próximo de R$ 10 bilhões em sites internacionais – acredite, existem mulheres comprando até vestido de noiva na China).
Mas fique tranquilo, há luz no fim do túnel. Existem muitos e-commerces que geram empregos, pagam altos impostos e ainda remuneram bem os seus acionistas. Garanto que dá pra ganhar dinheiro e ser feliz com comércio eletrônico.
Não tem “segredos” ou “hacks” ocultos para se dar bem no e-commerce. Essencialmente, as operações lucrativas são extremamente enxutas, nas quais os próprios donos olham diariamente o caixa da empresa – o que entra de receita e o que sai de despesa, simples assim.
Pode parecer provinciano, mas, em 2019, as operações que vão “sobreviver”, são aquelas com times pequenos e multidisciplinares, com um corpo executivo hands-on, que entende e respeita acima de tudo a lógica mercantil do varejo, e que muitas vezes arrisca a fazer dentro de casa o que o mercado normalmente acredita que deve terceirizar. Definitivamente acabou a época dos e-commerces que cresciam artificialmente com capital de risco, entregando descontos irreais, frete grátis e parcelamento em 12 vezes sem juros para ganhar mercado e que não se preocupavam com a última linha do balanço.
Isso posto, um gestor de e-commerce sagaz vai ter que olhar de forma disciplinada para indicadores de duas áreas que impactam diretamente a saúde operacional e financeira da empresa: caixa e estoque.
Indicadores de estoque
Na grande maioria das as operações de varejo, o maior ativo no balanço é sem dúvida o estoque. Já tive oportunidade de conhecer empreendedores que não tinham comida na geladeira, mas tinham empatados quase R$ 500 mil em mercadorias no estoque. Logo, cuidar dos indicadores desse ativo é fundamental. Vamos estudar alguns:
Giro de estoque
Giro de estoque mede a velocidade com que seu estoque foi renovado durante um determinado período. Para calcular, usamos a seguinte fórmula:
Giro de estoque = vendas/volume médio de estoque
Exemplo:
Cinco mil sapatos vendidos (vendas)/500 sapatos (estoque médio) = 10 giros
Tempo médio do giro do estoque, considerando o período de um ano (365 dias) é: 365/10 -> 36,50
Logo, nesse caso, a cada 36,5 dias, todo o estoque é renovado.
A rentabilidade operacional do varejo está no equilíbrio entre giro e markup. Normalmente, produtos de alto giro tendem a ter menor markup, e produtos de giro baixo, um markup maior.
Para fins de referência, algumas informações públicas sobre giro de estoque de dois grandes varejistas de capital aberto:
Renner – 2,9/12 meses = 124 dias
Magazine Luiza – 5,64/12 meses = 64,71 dias
Cobertura de estoque
A cobertura de estoque indica qual é o tempo pelo qual aquele estoque atual irá cobrir as vendas futuras. É importante para fins de redução de ruptura (cliente que quer comprar o produto e você não tem disponibilidade dele) e programar reposição de mercadorias.
Para calcular a cobertura de um determinado produto, usamos a seguinte fórmula:
Cobertura = estoque/média de vendas
Exemplo:
Temos 100 itens em estoque de uma Anabela XPTO. Ela possui uma média de duas vendas por dia, desde que entrou para a coleção. Portanto, a cobertura é de:
Cobertura: 100/2 = 50 dias
Nesse caso, o estoque atual suporta mais 50 dias de vendas, então, se a reposição do fornecedor dura em média 60 dias, já está visível que haverá dez dias de ruptura deste tem. E, claro, existem sazonalidades de cada negócio – em moda, por exemplo, no Dia das Mães e no Natal, certamente as vendas aceleram, podendo aumentar ainda mais o prazo de ruptura, ou, ao contrário, um item pode de repente se tornar obsoleto e parar de vender.
Ruptura de estoque
Ruptura é um indicador que mostra a falta de um produto no momento de compra do consumidor. Ela está diretamente ligada à cobertura, e possui um impacto grande no negócio, haja vista que, na existência da demanda do cliente que vai à loja e não encontra o que quer, outra loja irá atendê-lo.
Em recente pesquisa da consultoria IHL, identificou-se que a Amazon nos USA fatura aproximadamente entre U$ 20bilhões e U$ 24 bilhões com ruptura no varejo físico – o efeito do cliente que vai à loja física, não encontra o produto e depois vai à Amazon e compra.
Indicadores de caixa
Tem uma frase muito comum entre os financistas que diz que “nenhuma empresa quebra por falta de lucro, elas quebram por falta de caixa”. Portanto, olhar para o fluxo de caixa é fundamental, e aqui não é nenhuma ciência de foguete, é só olhar para o que entrou de receita e o que saiu de despesa – a diferença, no final, é o seu caixa.
Ciclo financeiro
Ciclo financeiro é o período compreendido entre o prazo médio de pagamento aos fornecedores e o prazo médio de recebimento das vendas, somado ao prazo médio de estocagem do produto.
É particularmente importante no caso do e-commerce, pois foi implantada uma cultura equivocada de parcelamento em “12x sem juros”, em que o prazo médio de recebimento dos clientes fica bem estendido, e os fornecedores dificilmente dão prazo maior do que 60 dias – os específicos do negócio de e-commerce, como logística, tecnologia e marketing, normalmente recebem em dez dias após o fechamento do mês.
A fórmula para chegar ao ciclo financeiro é:
Ciclo financeiro = PME (prazo médio estocagem) + PMCR (prazo médio de contas a receber) – PMPF (prazo médio de pagamento ao fornecedor)
Exemplo:
Produto fica em média 40 dias estocado até a sua venda (PME), o prazo médio de recebimento é de 60 dias (PMCE), e o prazo médio de pagamento ao fornecedor é de 30 dias (PMPF).
Temos o seguinte resultado do ciclo financeiro: (40 + 60) – 30 = 70 dias
No exemplo citado, podemos explicar também que, entre o e-commerce fazer a compra do produto, armazenar, realizar a venda e ter o recebimento financeiro, o tempo médio é de 70 dias. Uma das obsessões de qualquer operação de e-commerce é reduzir esse ciclo financeiro.
Pense como é desfavorável você vender para o cliente em até dez vezes, receber em dez parcelas, e pagar quase todos os fornecedores no próximo mês. Isso impactará diretamente a sua necessidade de capital de giro e, especialmente no Brasil, isso é ainda mais perigoso, dadas a elevada taxa de juros e a baixa oferta de crédito dos bancos tradicionais.
Conclusão
2019 promete ser desafiador para o comércio eletrônico, o mercado continua em crescimento e inúmeras oportunidades vão surgir. Entretanto, não podemos esquecer que estamos em um país com as maiores taxas de juros do mundo, e um dos mais hostis para se empreender (estamos na posição 125 no ranking de facilidade de fazer negócios do Banco Mundial). Portanto, se quiser ter um bom ano, não se esqueça de olhar de forma disciplinada para o seu caixa e para o seu estoque.
* Artigo publicado originalmente em 2018
Boas vendas e um excelente ano para todos!