A iniciativa do governo federal de debater a isenção de impostos nas remessas internacionais de sites de varejo chineses traz à tona um debate que deveria ser ampliado no setor de tecnologia no Brasil. A discussão sobre taxar plataformas como Shein e Shopee é resultado de uma pressão do setor varejista brasileiro, preocupado com uma concorrência desleal com os marketplaces internacionais. Para o setor, pequenas e médias empresas nacionais são diretamente impactadas pela isenção de impostos nas vendas de produtos por esses sites.
E como esse tema deveria ser amplificado entre as empresas que desenvolvem tecnologia “as-a-service” para o mercado local e para o exterior? A movimentação a que assistimos no varejo visa promover uma disputa de mercado mais justa, com os mesmos impactos para empresas nacionais e internacionais. Se as organizações brasileiras são submetidas a impostos, por que não implementar o mesmo peso e medida para as estrangeiras?
E as empresas brasileiras de tecnologia “as-a-service”?
Empresas brasileiras de tecnologia, especialmente as que desenvolvem tecnologias como serviço, deveriam fazer o mesmo questionamento. A área de Serviços em Tecnologia da Informação movimenta hoje US$ 571 bilhões por ano. É o segundo ramo de serviços exportados, segundo o Insight Reports da Assespro-PR (Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação), que tem como base dados da Organização Mundial de Comércio (OMC).
Enquanto Irlanda, Índia, China e Estados Unidos ocupam a maior fatia do mercado mundial de exportação, as empresas que prestam serviços em TI no Brasil representam apenas 0,9% do total. Isso significa que organizações brasileiras, que desenvolvem serviços de qualidade e têm capacidade de atender local e globalmente, concorrem diretamente com grandes corporações internacionais. Com a falta de uma política clara para taxações, as nacionais acabam perdendo mercado.
Outro fator de atenção é que nossas empresas nem sempre nascem com o propósito de internacionalização. Embora historicamente tenham ocorrido esforços tanto da iniciativa privada quanto do governo para simplificar o comércio exterior de serviços, poucos empreendedores brasileiros estão preparados para competir internacionalmente.
Serviços transnacionais
Lembro, no entanto, que serviços transnacionais podem ser consumidos por diferentes países. É um mercado a ser explorado. A falta de uma taxação mais justa nas importações e a complexidade do sistema tributário dificultam a globalização da nossa própria indústria. Estamos falando de serviços em diferentes áreas, desde telecomunicações e serviços financeiros a transporte e logística, além do setor de TI.
É urgente um debate no Brasil a respeito de acordos internacionais para regulamentar a exportação e a importação de serviços e tecnologia. As empresas brasileiras precisam enxergar no exterior uma oportunidade e ampliar o pensamento de se tornarem globais. Países como a Estônia e o Uruguai são exemplos de internacionalização.
É necessário que haja uma integração do mercado nacional para o desenvolvimento de políticas que amplifiquem a capacidade de globalização do setor de tecnologia e serviços. Em breve, a “servicialização” da economia mundial será realidade, e não estamos preparados para isso. Indo além, acredito que não bastam apenas mudanças na regulamentação, mas também o incentivo à capacitação de profissionais que saibam trabalhar com comércio exterior de serviços.
Em 25 anos de atuação nesse mercado, palestrando em universidades e instituições de ensino, percebo que a qualificação voltada para negociações de exportação e importação de serviços ainda é muito rasa. Se o futuro será “as-a-service”, como competir sem profissionais qualificados para destravar a complexa carga tributária nesse processo?
Há muito em que avançarmos, mas acredito que ainda há tempo. O nosso governo e o setor de serviços e tecnologia precisam acordar e começar a disputar a nossa fatia nesse mercado em ampla expansão.