Quem é lojista certamente já visitou ou conhece alguém que esteve nas regiões do Brás e do Bom Retiro, em São Paulo, para comprar, com um valor mais acessível, os mais variados produtos, com o intuito de revender ou para uso próprio. Mas a Covid-19 mudou essa realidade. Obrigadas a fechar as portas para evitar a disseminação do novo coronavírus, as lojas perderam clientes e muitos varejistas e atacadistas ficaram sem saber o que fazer.
É o caso de Lauro Pimenta, lojista do Brás, dono de uma empresa familiar com mais de 30 anos, especializada em moda feminina e masculina. Até o início da pandemia, ele só tinha o comércio físico. “Aqui sempre foi totalmente presencial. No meio da pandemia, eu percebi que eu tinha que ter uma loja online. Foi a pandemia que me fez acelerar nesse sentido e ‘chacoalhou minhas ideias’ sobre essa necessidade”, disse Lauro.
Ele foi atrás, criou uma loja online e já tem enxergado possibilidades de crescimento. “O presencial sempre vai existir. Mas hoje é preciso ter presença online”, afirmou o empresário.
Estar online não foi fácil. Ele conta que colocar um site ou e-commerce no ar não é um problema. “O difícil é você se posicionar estrategicamente, acompanhar o pós-venda e se colocar de uma maneira competitiva em um mercado que é bem vasto, bem amplo”.
Assim como Lauro, dezenas de outros lojistas também se viram em uma situação desesperadora durante a pandemia.
Comércio eletrônico no Brás
Mesmo com a flexibilização da quarentena, determinada por governos locais, os varejistas têm buscado se reinventar.
Com a pandemia, “a realidade se dividiu entre aqueles que tinham uma forma de fazer um atendimento digital e aqueles que não tinham e não estavam preparados para isso”, afirma Jean Makdissi, dirigente da Associação de Lojistas do Brás.
Makdissi explica que as primeiras semanas de restrições provocadas pela pandemia foram um choque de realidade para todos os lojistas da região. Mas, com o tempo, quem já tinha um comércio eletrônico “começou a ter uma reação de vendas bem forte”. E quem não tinha ficou parado até perceber que a situação poderia se estender mais do que se imaginava.
Com isso, esses lojistas “começaram a reativar seus negócios aos poucos, fazendo contato via WhatsApp, inclusive vendas por meio do aplicativo”, conta o dirigente. Antes da pandemia, cerca de 10% dos lojistas tinham um e-commerce. A projeção da Associação é de que esse número dobre ou até triplique.
O Instagram é outra rede social usada com frequência. Os lojistas entenderam que o e-commerce, de fato, é um recurso importante, não apenas por ter sido uma salvação neste período de restrições. “Hábitos de compras estão mudando. E com as pessoas circulando cada vez menos, o e-commerce de fato se consolida como estratégia importante para os negócios”, diz Makdissi.
Quem investiu agora para ter um e-commerce, mesmo que de forma simples, não deixará de usá-lo após a pandemia. É o que afirma o dirigente. Ele acredita que as empresas que não estiverem preparadas para isso vão precisar ter outros atributos, como preços mais vantajosos e outras oportunidades em que o cliente não faça questão do e-commerce e se desloque até a região. “Isso é muito forte no Brás. Ou seja, dizer que o e-commerce vai tomar conta e que quem não entrar no e-commerce vai morrer não é verdade. Afinal, tem espaço para tudo, mas a tendência é de que as lojas se preocupem mais com a venda online”.
O maior desafio nesta pandemia tem sido manter um faturamento capaz de pagar os custos fixos e as despesas dos lojistas. Só assim, é possível evitar demissões de funcionários ou fechamento dos negócios.
O empresário Fauze Yunes, dono de uma confecção de jeans com mais de 45 anos e duas lojas no Brás, reconheceu que, quando a pandemia começou e as lojas foram obrigadas a fechar, o impacto inicial foi uma queda grande nos negócios.
Ele já tinha um comércio eletrônico, além de Instagram e Facebook da marca, mas nunca tinha centralizado os esforços nesses canais. “Essa parte online não era o nosso forte, porque a gente sabe que o cliente do Brás gosta de vir aqui, mas, como não havia mais circulação de pessoas e a loja estava fechada, a gente investiu para tentar um retorno. E veio. Maio e junho foram meses bons”, afirma.
Com a mudança do foco, Yunes diz que o lucro está sendo pequeno, mas o importante é que não tem tido prejuízos: “A gente não vai deixar de investir em comércio eletrônico. Estou fazendo mais estudos para direcionar o investimento corretamente e não desperdiçar dinheiro”.
Bom Retiro
Na região do Bom Retiro, assim como no Brás, a quarentena também deixou muitos lojistas preocupados. Nelson Tranquez, representante da Câmara de Dirigentes Lojistas da região, diz que o período provocou sérios transtornos. Quem trabalha com moda, como as várias confecções da região, estava em um momento de lançamento das coleções de outono e inverno, com os estoques cheios de produtos que tinham acabado de chegar. “Foi um prejuízo grande, com produtos estocados e parados”.
O dirigente acrescenta que a pandemia provocou uma aceleração na busca pelo comércio eletrônico, que já era usado na região por cerca de 30% a 40% das empresas. Quem já tinha um comércio eletrônico viu as vendas online melhorarem, mas quem não estava presente em nenhuma plataforma, precisou correr atrás.
“A gente aumentou muito a presença no comércio eletrônico e nas redes sociais. Então, isso foi um impulso. E os que não estavam, agora já estão”, enfatiza. “A gente sabe que isso é inexorável. Mesmo que as coisas retornem a um novo normal, o comércio eletrônico vai fazer parte da nossa vida cada vez mais. Disso, não tem como fugir”, completa.
Lembra-se do Lauro Pimenta? Agora que tem um e-commerce, ele tem alcançado o próprio público, que não está indo até a loja, e tem conseguido novos clientes. “Com certeza foi um passo que eu dei que não tenho mais como voltar atrás. Agora, eu só quero evoluir, crescer e aprender cada dia mais para desenvolver um e-commerce, se possível, até mais forte que a loja física”, concluiu.
Por Rafael Chinaglia, para a edição 58 da revista E-Commerce Brasil