Com o crescimento do e-commerce, as dinâmicas de comportamento do consumidor estão evoluindo. Os quartos dos consumidores viraram os novos provadores e a “cultura dos hauls” (compras excessivas exibidas em massa) normalizou o consumo exagerado. Então fica a questão: como as marcas podem quebrar esse ciclo?
As devoluções gratuitas e fáceis se tornaram um pilar das compras online, mas o sistema tem sido cada vez mais explorado, especialmente pelas gerações mais jovens, em práticas como:
- Wardrobing: comprar itens para usar uma única vez e devolvê-los;
- Bracketing: pedir várias opções de tamanhos ou cores para escolher a ideal;
- Staging: exibir produtos em redes sociais antes de devolvê-los.
Segundo pesquisa da ZigZag e Retail Economics, com 2.000 lares do Reino Unido, mais de 2/3 da Geração Z (69%) admitiram pedir produtos em excesso já pensando em devolver parte deles. Em contraste, apenas 16% dos baby boomers relataram esse hábito.
Como nativos digitais, os Gen Zs estão mais acostumados à lógica do “experimente antes de comprar” no e-commerce, onde a falta de avaliação física prévia faz as devoluções parecerem inevitáveis.
Redes sociais e o impacto no consumo
Plataformas como TikTok e Instagram popularizaram a cultura dos hauls, na qual grandes quantidades de itens comprados são exibidas e avaliadas. Porém, esse comportamento incentiva compras excessivas com a intenção de devolver a maior parte após criar conteúdo.
No caso dos jovens, o foco está em acompanhar tendências e aparências, não necessariamente em possuir os itens a longo prazo.
Al Gerrie, fundador e CEO da ZigZag, explica: “os consumidores mais jovens, especialmente da Geração Z, são muito ativos em plataformas como Instagram e TikTok, onde anúncios segmentados e influenciadores promovem constantemente as últimas tendências. Essa exposição frequentemente impulsiona compras por impulso, especialmente de roupas destinadas a serem exibidas nas redes sociais”.
Cerca de 15% dos compradores britânicos admitem ter adquirido roupas ou calçados online apenas para mostrá-los nas redes sociais, constata a pesquisa.
Segundo a professora de psicologia do consumidor na Anglia Ruskin University, Dr. Catherine Jansson-Boyd, a comparação social nas redes leva muitas pessoas a tentarem “acompanhar os outros” de forma econômica, justificando a prática de pedir e devolver itens.
“Muitas pessoas justificam esses comportamentos argumentando que, enquanto parecerem ser donas dos itens online, isso é inofensivo. Se acreditassem que há algo errado com essas práticas, provavelmente não as adotariam”, explica a professora. Jansson-Boyd ainda acrescenta que esse tipo de comportamento se tornou tão rotineiro que hoje é considerado como uma parte normal da experiência de compras.
Devoluções excessivas
Outro grande motivador de devoluções é a inconsistência nos tamanhos, principalmente na moda feminina. Dados da ZigZag mostram que 42% dos consumidores praticam o “bracketing” para encontrar o tamanho certo. “As orientações de tamanhos variam significativamente entre marcas, tornando isso um problema persistente para os varejistas”, afirma David Oldeen, fundador da Sizekick.
“A expertise na criação de moldes e tamanhos diminuiu ao longo do tempo. Algumas marcas dependem de produtores que podem não priorizar ajustes precisos, resultando em tamanhos mal elaborados que não correspondem às formas reais do corpo humano”, explica Oldeen.
Porém, reduzir o hábito de devoluções frequentes exige uma abordagem cuidadosa. Os varejistas devem encontrar um equilíbrio entre conter práticas caras e insustentáveis e manter a fidelidade dos clientes. Políticas muito restritivas podem afastar consumidores, levando-os a migrar para concorrentes.
Algumas marcas têm tentado conscientizar os consumidores sobre os impactos ambientais dos retornos, como emissões de CO2 por pedido. No entanto, mudar o que muitos veem como um direito essencial de consumo requer mais do que campanhas informativas, explica Amy Knight, especialista em finanças pessoais do NerdWallet UK.
Uma possível solução seria implementar taxas de devolução como forma de desencorajar abusos. Ainda assim, Knight alerta que essa medida pode ser arriscada: quase metade (49%) dos compradores online já abandonaram compras devido a políticas de devolução desfavoráveis.
Apesar disso, gigantes do fast fashion, como Zara, H&M e Boohoo, começaram a cobrar taxas entre £1,99 e £3,95 por devolução.
No segmento de luxo, varejistas como Ssense e Saks estão adotando medidas mais rigorosas, banindo clientes com altas taxas de devolução. A Net-a-Porter, por exemplo, monitora o número de devoluções por cliente para evitar usos comerciais ou não autorizados de seus produtos.
Tecnologia como aliada
Empresas estão recorrendo à tecnologia para incentivar melhores comportamentos de compra, como rastrear em tempo real os hábitos de devolução e oferecer vantagens, como frete grátis, para consumidores com histórico positivo.
Ferramentas de ajuste de tamanhos baseadas em IA, como a Fit Finder e a Sizekick, também têm ganhado espaço, ajudando a reduzir devoluções ao recomendar tamanhos mais precisos.
“O objetivo não é penalizar os clientes, mas orientá-los a adotar hábitos de compra mais intencionais,” declara Oscar Rundqvist, co-fundador da Returns Technology Company EcomID.
Um novo modelo de consumo
Alguns especialistas acreditam que a única solução definitiva seria repensar o modelo de negócios da moda, afastando-se de coleções voltadas para tendências passageiras que incentivam comportamentos de “haul”. Siobhán Géhin, estrategista de varejo da Deloitte, aponta que o excesso de consumo está diretamente ligado ao desafio das devoluções.
“A fast fashion é um grande impulsionador de devoluções. Se a fast fashion continuar a crescer como tem crescido, o desafio das devoluções persistirá e aumentará”, detalha a executiva.
Mudar esses hábitos exige colaboração entre varejistas, consumidores e fornecedores de tecnologia, priorizando compras mais conscientes e sustentáveis. Se essa transformação for alcançada, um futuro onde conveniência e sustentabilidade coexistem pode se tornar realidade.
Fonte: Vogue Business