Nos últimos anos, o e-commerce no Brasil passou por uma transformação profunda, impulsionada pela digitalização, mudanças nos comportamentos de compra e pela adaptação das empresas a novas tecnologias. Um dos fenômenos mais marcantes desse processo é o crescimento exponencial do número de pequenos vendedores, que representam uma parcela significativa das vendas online no país.
Com a popularização da internet, o acesso a plataformas de vendas e a transformação no comportamento do consumidor, o cenário do e-commerce brasileiro se tornou altamente fragmentado, constituído por vendedores de diferentes tamanhos e nichos.
No Brasil, a maioria dos e-commerces é formada por pequenas lojas virtuais, com até dez mil visitas no site por mês. Em 2023, a pesquisa Perfil do E-Commerce Brasileiro, realizada pela BigDataCorp, indica que 73,66% das lojas virtuais do país têm pequenos catálogos, com variedade de apenas um a dez produtos e, por consequência, um volume menor de vendas diárias.
Ou seja, considerando um gráfico de quantidade de pedidos diários em relação à estrutura dos sellers, teríamos uma grande cauda de pequenos sellers representando uma parcela considerável do e-commerce brasileiro.
Esses pequenos empreendedores enfrentam desafios únicos, sendo a logística fator crucial para o sucesso nesse mercado. Mas será que as atuais soluções enxergam e atendem esse público cada vez mais relevante? Esse é o contexto que iremos analisar mais adiante.
O crescimento do e-commerce no Brasil
O e-commerce nacional tem experimentado uma ascensão significativa nos últimos anos. De acordo com dados da Ebit|Nielsen, em 2022, as vendas online no Brasil alcançaram R$ 190 bilhões, com uma taxa de crescimento contínua, impulsionada pela adoção crescente de tecnologias digitais e pela adaptação de consumidores e vendedores aos novos hábitos de compra.
Além disso, criar seu próprio site do absoluto zero para vender os produtos online se tornou algo ainda mais fácil, seja por meio de marketplaces ou geradores automáticos de sites.
Esse crescimento foi particularmente impulsionado pela pandemia de Covid-19, que acelerou a digitalização de muitos negócios e levou uma grande parcela da população a experimentar o comércio online pela primeira vez. O cenário pós-pandemia consolidou essas mudanças, e o e-commerce se tornou parte fundamental do consumo diário no Brasil.
A formação do mercado brasileiro de e-commerce: a proeminência dos pequenos sellers
Grande parte do mercado de e-commerce brasileiro é formada por pequenos e médios vendedores. Segundo a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (camara-e.net), cerca de 85% dos sellers brasileiros são pequenos empresários ou microempreendedores individuais, que dependem de plataformas de marketplaces como Mercado Livre, Shopee, OLX e Amazon para alcançar seus consumidores.
Esses vendedores enfrentam uma série de desafios, como a concorrência com grandes players de mercado, a gestão de estoques, a falta de infraestrutura logística robusta e a dificuldade de fidelizar clientes.
No entanto, muitos desses sellers conseguem se destacar ao focar em nichos de mercado e adotar estratégias de vendas mais personalizadas, construindo sua base de clientes de forma orgânica e, assim, representar uma parcela significante das transações online.
A cauda longa no e-commerce brasileiro
A teoria da cauda longa, popularizada por Chris Anderson em 2004, propõe que, na internet, os mercados não são dominados apenas pelos produtos mais vendidos, mas também por uma vasta quantidade de itens de nicho que, juntos, representam uma fatia significativa do mercado total.
Em outras palavras, enquanto os produtos mais populares ocupam a “cabeça” do mercado, os produtos menos procurados formam uma cauda longa, mas com um volume significativo de vendas quando considerados em conjunto.
Essa teoria se aplica também ao perfil de sellers do e-commerce brasileiro, em que milhões de pequenos vendedores operam em nichos específicos, oferecendo produtos que, individualmente, podem ter uma demanda limitada, mas coletivamente formam uma parte substancial do mercado online.
Um exemplo disso são os marketplaces, vitrines de pequenos vendedores, onde produtos que atendem a interesses particulares, como artigos de colecionador, produtos artesanais ou itens especializados para hobbies, são vendidos por pequenos empresários que conseguem atingir uma base de consumidores engajada e fiel.
Por outro lado, esses sellers possuem grandes dificuldades relacionadas à logística, e muitas vezes o processo é realizado de forma não profissionalizada, com membros familiares sendo responsáveis pela gestão do estoque, pagamento, atendimento de pedidos e embarque.
Tais atividades acabam por consumir grande parte da capacidade produtiva, inclusive limitando o crescimento daquele comércio. Dessa forma, uma das saídas é terceirizar essa logística para o que é comumente chamado de fulfillment.
O desafio logístico: o fulfillment para os pequenos sellers
A logística no e-commerce é uma das áreas mais críticas para o sucesso de um vendedor e, muitas vezes, os pequenos empresários não possuem os recursos necessários para investir em uma infraestrutura logística própria, o que pode comprometer a experiência do cliente e prejudicar a reputação do vendedor.
É aqui que entra a importância do fulfillment, um conjunto de serviços logísticos terceirizados que ajudam os sellers a otimizar o processo de gestão de estoque, preparação de pedidos, embalagem e envio dos produtos. Ele permite que os pequenos vendedores externalizem essas operações para empresas especializadas, com infraestrutura e tecnologia adequadas para garantir uma operação eficiente.
Podemos mencionar como principais benefícios do fullfillment:
Redução de custos operacionais
O fulfillment oferece aos vendedores a possibilidade de economizar em custos fixos, como aluguel de espaço de armazenamento e contratação de funcionários para empacotar e enviar os produtos. Ao terceirizar essas atividades, os vendedores podem reduzir os custos de operação e, ao mesmo tempo, melhorar sua eficiência logística.
Agilidade no processamento de pedidos
Com um centro de fulfillment bem estruturado, os sellers conseguem processar pedidos de forma mais rápida, garantindo que os produtos cheguem aos consumidores dentro de prazos competitivos. Isso é especialmente importante em um mercado como o brasileiro, no qual a velocidade de entrega pode ser um diferencial decisivo para a fidelização do cliente, sobretudo por ser um país continental.
Melhora na experiência do cliente
O fulfillment permite aos vendedores focar mais na experiência do cliente, uma vez que eles não precisam se preocupar com a logística diária. Os centros de fulfillment oferecem serviços como embalagens personalizadas e opções de envio express, que contribuem para a satisfação do cliente e aumentam as chances de uma recompra.
Escalabilidade e crescimento
À medida que os pequenos sellers ampliam suas operações, o fulfillment oferece a flexibilidade necessária para lidar com volumes maiores de pedidos, sem a necessidade de investimentos em infraestrutura própria. Isso permite que os vendedores escalem seus negócios de forma eficiente, aproveitando o crescimento sem comprometer a qualidade do serviço.
Integração com marketplaces e ferramentas de gestão
Muitos serviços de fulfillment oferecem integração direta com plataformas de e-commerce e marketplaces. Isso facilita a gestão de estoque, o controle de vendas e o acompanhamento de pedidos em tempo real. Além disso, muitos desses serviços oferecem ferramentas analíticas que ajudam os vendedores a otimizar suas operações e a melhorar o desempenho de suas lojas.
Contudo, aqui reside um problema para os atuais operadores de fulfillment no Brasil: quanto um seller precisa vender para que seja atrativo financeiramente para um operador logístico? É evidente que o ideal para um operador logístico é ter, em seu portfólio de clientes, grandes sellers com alto volume de pedidos e giro de estoque. Isso os torna mais rentáveis, já que o pagamento, em geral, é calculado com base no número de pedidos atendidos ou expedições realizadas.
Apesar de existir o pagamento pela armazenagem, o que vemos em grande parte dos operadores logísticos é que esse pagamento possui um caráter mais voltado para o incentivo ao giro de estoque do que efetivamente uma rubrica de receita interessante. Ter um seller que simplesmente guarde seus produtos em um armazém não traz a rentabilidade necessária para o operador logístico.
Por outro lado, grande parte do e-commerce brasileiro é composta por pequenos sellers, com baixa venda diária e pouco giro de estoque. Isso indica que muitos desses vendedores, apesar de usarem marketplaces como vitrines, ainda enfrentam dificuldades para encontrar operadores logísticos que os atendam.
E é aí que entra o grande tradeoff e a reflexão que precisamos fazer: será que as empresas de logística, na busca de grandes sellers, não estão deixando escapar a “cauda longa” de vendedores que, somados, podem significar uma parcela significativa do mercado?
Iniciativas, mas ainda um caminho a percorrer
Há iniciativas de algumas empresas no sentido de buscar, cada vez mais, abrir possibilidades para pequenos e-commerces, mas que ainda carecem de soluções mais simples.
A não obrigatoriedade de expedições mínimas por mês, formas diferenciadas de cobrança de armazenagem, embalagem e atendimento de pedidos que considerem a realidade de pequenos vendedores já podem ser observados em alguns players do mercado.
Por outro lado, é uma área que ainda pode ser melhor explorada pela logística nacional (movimento que já ocorreu com a última milha por meio do crowdshipping). Quem sabe está no momento de vermos o “crowd warehousing” emergir de vez?
De toda forma, o futuro do e-commerce brasileiro é promissor, com a continuidade do crescimento das compras online e a ampliação do número de pequenos sellers. A teoria da cauda longa é um modelo relevante, já que muitos consumidores procuram por produtos exclusivos ou de nicho, criando novas oportunidades para os pequenos vendedores. E caberá aos operadores logísticos saberem como explorar essa parcela cada vez mais importante do e-commerce brasileiro.
Referências: