O Buy Now, Pay Later (BNPL) já deixou de ser uma novidade no cenário global dos pagamentos digitais. No entanto, seu impacto a longo prazo no comportamento do consumidor e nas dinâmicas de mercado ainda é um campo em expansão, que desafia a compreensão tradicional sobre crédito e consumo.
A facilidade de parcelar compras sem juros e sem burocracia tem promovido uma revolução silenciosa na forma como os consumidores gerenciam suas finanças e, sobretudo, nas suas expectativas sobre o ato de consumir.
Transformação do ciclo de compra e as novas dinâmicas de consumo
A introdução do BNPL alterou o ciclo tradicional de compra. Antes, o crédito ao consumo, seja por meio de cartões ou financiamentos, exigia um processo mais rígido de avaliação e, muitas vezes, envolvia taxas de juros elevadas.
Com o BNPL, o cenário mudou: a oferta de parcelamentos simples, sem juros ou com taxas transparentes, e a aprovação quase imediata criaram uma experiência de compra fluida. Essa dinâmica tem encorajado consumidores a realizar compras de maior valor, antecipando desejos que poderiam ser adiados em um cenário de pagamento integral.
Essa facilidade, no entanto, também coloca em pauta uma questão importante: até que ponto o BNPL incentiva um consumo mais impulsivo?
O BNPL e a psicologia do consumo
Estudos mostram que o modelo BNPL tem grande influência no comportamento de compra por sua capacidade de reduzir a barreira psicológica associada ao pagamento à vista. Quando o consumidor não sente o impacto imediato de uma compra, a reflexão sobre a necessidade real do produto diminui, incentivando um comportamento mais impulsivo e voltado para o imediatismo.
Pesquisas, como as de Burton et al. (2019), indicam que essa impulsividade está ligada à busca por gratificação imediata, frequentemente associada a um menor controle cognitivo no momento da compra, o que pode resultar em gastos não planejados.
Além disso, um artigo de Ah Fook e McNeill (2020) demonstra que usuários de BNPL tendem a apresentar maior propensão ao consumo impulsivo, o que pode levar a um padrão de “sobreconsumo” a longo prazo.
Essas práticas de pagamento também impactam a percepção do consumidor sobre crédito, muitas vezes normalizando uma rotina financeira mais alavancada e sem a devida compreensão do custo real das compras parceladas. Isso pode resultar em uma relação mais superficial e menos consciente com o uso do crédito, levando ao acúmulo de dívidas a longo prazo, o que, para as empresas, pode significar clientes inadimplentes.
Pagamentos digitais e o endividamento silencioso
A longo prazo, o BNPL traz desafios para o equilíbrio financeiro dos consumidores. Se, por um lado, o modelo oferece maior acessibilidade e inclusão financeira, permitindo que pessoas com pouco ou nenhum histórico de crédito façam compras em condições vantajosas, por outro, há um risco crescente de endividamento despercebido.
Com a fragmentação dos pagamentos, muitos consumidores não têm plena visibilidade de suas obrigações financeiras futuras, o que pode levá-los a comprometer uma parte significativa da renda mensal com múltiplas parcelas de diversas aquisições.
Esse fenômeno já começa a ser monitorado por órgãos reguladores, que enxergam a necessidade de uma abordagem mais responsável por parte dos players que oferecem o BNPL. A falta de uma análise de crédito mais profunda pode agravar esse problema, especialmente em mercados emergentes, nos quais o controle financeiro pessoal ainda é uma barreira cultural para muitos consumidores.
Além de impactar os consumidores, o modelo traz implicações também para os lojistas, especialmente no ambiente digital. Para o e-commerce, o BNPL pode ser uma ferramenta poderosa para aumentar a conversão e elevar o ticket médio, já que o consumidor percebe menos barreiras à compra. No entanto, os comerciantes precisam estar atentos ao risco de inadimplência. Quando os consumidores perdem a visibilidade sobre suas obrigações financeiras futuras, existe uma maior chance de que eles não consigam honrar todos os compromissos, o que pode impactar o fluxo de caixa dos lojistas.
Além disso, lojistas podem enfrentar uma pressão regulatória crescente para oferecer o BNPL de forma mais responsável, à medida que autoridades financeiras começam a monitorar de perto o impacto do endividamento não monitorado. Isso pode levar os e-commerces a investir em parcerias com plataformas de pagamento que ofereçam análises de crédito mais robustas, mitigando os riscos de inadimplência e protegendo tanto os comerciantes quanto os consumidores.
O impacto no consumo a longo prazo
O efeito BNPL sobre o comportamento de consumo no longo prazo se estende além da simples decisão de compra. Ele tem o potencial de moldar expectativas sobre o próprio ato de consumir. Para uma nova geração de consumidores, a ideia de pagar por um produto ou serviço integralmente no momento da compra pode parecer cada vez mais antiquada. Em vez disso, a prática de dividir pagamentos sem a incidência de juros transforma-se em um novo normal, algo que os consumidores podem exigir de outras indústrias.
No futuro, isso pode abrir caminho para novos modelos de negócios, em que o conceito de propriedade e pagamento à vista perca ainda mais relevância. Varejistas e empresas de serviços podem ser pressionados a incorporar métodos flexíveis como o BNPL para se manterem competitivos, especialmente em um ambiente digital cada vez mais fragmentado, no qual a personalização e a experiência de compra sob demanda são priorizadas.
Além disso, o comportamento de “pagamento diluído” pode ter reflexos no poder de negociação dos consumidores. À medida que os consumidores se habituam à ideia de pagar pequenas parcelas, a elasticidade de preços pode se tornar mais flexível, incentivando maior competitividade entre os lojistas. Isso transforma não apenas o comportamento do consumidor, mas também a própria dinâmica de mercado.
BNPL e a digitalização do consumo
Outro ponto relevante sobre o impacto do BNPL é sua contribuição para a aceleração da digitalização do consumo. Ao oferecer soluções simples e acessíveis, o BNPL está ajudando a consolidar a migração para o digital, trazendo para o e-commerce consumidores que, por diferentes razões, hesitavam em fazer compras online. Com a confiança de pagar parceladamente e sem riscos imediatos, essa adesão digital tende a continuar em alta, com o método se tornando um facilitador de inclusão digital, principalmente em economias emergentes.
Empresas que desejam se destacar nesse cenário precisam não apenas adotar o BNPL como parte de sua oferta de pagamento, mas entender que esse método está transformando profundamente a jornada de compra. A customização e a flexibilidade de pagamentos vão continuar sendo forças motrizes do comportamento de consumo, especialmente no ambiente digital.
O futuro do BNPL: uma nova fase de maturidade?
À medida que o mercado de BNPL evolui, a tendência é que ele entre em uma nova fase de maturidade. Os consumidores que inicialmente utilizaram a modalidade de forma impulsiva poderão começar a lidar com o método de forma mais racional e estratégica, aprendendo a equilibrar suas finanças pessoais de maneira mais responsável. Paralelamente, o aumento da regulamentação do setor pode criar mecanismos que mitiguem o risco de endividamento, ao mesmo tempo que promovem uma educação financeira mais robusta.
No longo prazo, o BNPL tem o potencial de reestruturar o comportamento de consumo de forma significativa, criando uma relação mais flexível com o crédito, na qual o pagamento é apenas uma parte da experiência de compra. Para o mercado, isso significa novas oportunidades, mas também uma responsabilidade de educar o consumidor sobre as implicações de suas escolhas financeiras.
O desafio para o futuro será equilibrar a conveniência do BNPL com uma maior transparência e responsabilidade no uso desse crédito emergente, garantindo que o impacto positivo seja duradouro para consumidores e empresas.