O ano de 2020 pode ser considerado um período a ser esquecido devido à pandemia da Covid-19. Infelizmente foi um ano que deixou milhares de mortos, destruição econômica na maioria dos países e inúmeras consequências danosas ainda por ser contabilizadas. Vários segmentos tiveram grandes impactos negativos, principalmente aqueles que dependem da necessidade de transporte e presença física. Neste caso, destaque para turismo, hotelaria, aviação, eventos e espetáculos, congressos, teatros, cinemas, etc.
Por outro lado, setores ligados à tecnologia apresentaram resultados muito significativos em termos de crescimento e relevância. É o que ocorreu em empresas de software, games, streaming, comunicação digital e, claro, o comércio eletrônico.
As transações globais de e-commerce aumentaram 21% em setembro de 2020 em comparação com setembro de 2019, de acordo com os dados da ACI Worldwide.
Essa mesma pesquisa mostra que houve um aumento de 40% nas compras online com retirada nas lojas (BOPIS – Buy Online Pickup In Store) ou Click-and-Collect.
Outros números deste mesmo estudo revelam que as transações globais durante o período de festas entre outubro e dezembro devem crescer 27%, em relação ao mesmo período do ano passado.
Os setores que continuaram a experimentar grandes aumentos nas vendas em setembro incluem os games (aumento de 71%) e o varejo (aumento de 45%).
Em contrapartida, outros que experimentaram grandes diminuições nas vendas em setembro incluem viagens (diminuição de 21%) e passagens (diminuição de 75%).
No Brasil, o faturamento do e-commerce (sem o Mercado Livre) no primeiro semestre de 2020 — divulgado pela Ebit Nielsen — foi 47% superior aos 6 primeiros meses de 2019.
O trimestre de maior crescimento em 2020 até o momento foi o 2º (abril a junho), com 57%.
Segundo a NeoTrust, do Grupo Clear Sale, o faturamento nos 9 primeiros meses de 2020 já superou a totalidade do e-commerce de 2019. Somente no 3º trimestre, o número de consumidores únicos chegou a 23 milhões ou 60% superior ao mesmo trimestre de 2019.
Mas a proposta deste artigo é falar sobre as tendências no e-commerce para 2021, tanto no Brasil como no mundo. Portanto, vamos lá!
1 – O e-commerce continuará fortalecido
Enquanto uma boa parcela da população mundial não estiver protegida pela imunização de vacinas e as medidas de confinamento continuar a inibir parte da circulação na sociedade, as vendas não presenciais continuarão bastante aquecidas.
Muitos consumidores que eram receosos em comprar pela internet descobriram ao longo de 2020 a comodidade, praticidade e agilidade de comprar e receber seus produtos no conforto de suas casas. Isso fez com que o crescimento no número de e-consumidores aumentasse bem acima do inicialmente planejado. No pico do consumo virtual, entre abril e junho, vimos sensível recuperação nos prazos de entrega. Isso fez com que os empresários do setor superassem grande obstáculos.
Mesmo com o fim do confinamento e a redução do medo de frequentar espaços fechados, que deverá ocorrer a partir de 2022, muitos novos consumidores online continuarão comprando em lojas virtuais. Irão adquirir bens de consumo não-duráveis, que antes seriam pouco prováveis como alimentação, higiene, limpeza e bebidas ou FMCG – Fast Move Consumer Goods.
Tive acesso a um estudo anual de e-commerce na Espanha, realizado pelo IAB, que mostra que o coronavírus mudou para sempre a forma de comprar.
Este ano subiu a média mensal de compras pelos consumidores virtuais para 3,5 vezes, quando nas edições anteriores (2019 e 2018) a média era de 3 vezes por mês.
Os jovens entre 25 e 34 anos são os que mais compram, chegando a cinco vezes por mês. 13% deles até compram 3 ou 4 vezes por semana! Em média, o gasto é de 68 Euros por compra, um acréscimo de 4 Euros face aos resultados de 2019.
Quem tiver interesse em se aprofundar nesse estudo deixo o link de sua apresentação: https://youtu.be/mykXLUG8jBc
2 – Consolidação dos e-commerces locais principalmente na Europa
Devido ao rigoroso confinamento imposto pela maioria dos países da Comunidade Europeia ao longo de 2020, muitos comércios locais tiveram que acelerar e implementar alguma solução de venda não presencial para sobreviver e continuar atendendo seus consumidores de bairro.
Neste quesito, vale a implementação de alternativas como vendas por WhatsApp, lançamento de lojas virtuais simplificadas em plataformas gratuitas e inauguração de vendas em marketplaces — principalmente nos maiores da Europa, como Amazon e Alibaba.
Mesmo com a volta da normalidade prevista a partir de 2022/2023, é inegável que avançamos em 2020 pelo menos uns 5 anos em maturidade digital em nossa sociedade. Afinal, empresas e consumidores foram obrigados a se adaptar rapidamente e colocar em prática ações que provavelmente não ocorreriam num mundo sem confinamento.
3 – Fortalecimento e consolidação dos marketplaces
É inegável a importância e fortalecimento que os marketplaces tiveram nos últimos anos, e principalmente em 2020. Muitas lojas virtuais e principalmente pequenos comerciantes se renderam à oportunidade de vender seu produtos e serviços em marketplaces. Esse que, à cada ano, se tornam mais poderosos e relevantes em termos de vendas e conveniência aos consumidores.
No Brasil, desde o anúncio da chegada da Amazon em 2012, vimos as maiores lojas virtuais se transformando para poderem estar preparadas para chegada do gigante do e-commerce mundial. Somente nos Estados Unidos, ele representa praticamente 50% de todas a vendas do e-commerce.
A universalização do acesso à Internet móvel no mundo, onde mais de 3,6 bilhões de pessoas acessavam a Internet por dispositivos móveis em 2018 (fonte GSMA), fez com que empresas como Amazon, B2W, Mercado Livre, Magazine Luiza, Via Varejo entre outras, fizessem investimentos maciços em tecnologia, infraestrutura, logística, fusões e aquisições. Tudo isso numa corrida desenfreada para ser o maior e principal marketplace do Brasil e da América Latina, disputando pelo “podium” de qual empresa terá o principal e mais querido Super APP da região.
Todo esse investimento resultou em grandes valorizações de mercado. Um bom exemplo foi o Mercado Livre, que nasceu na Argentina no final do século passado mas viu no Brasil um quase Green Field para oferecer aos Sellers um local onde pudessem vender seus produtos novos e usados. Como resultado a valorização de suas ações na Nasdaq foi de 125% somente em 2020! (ref. Nov/2020).
Novamente olhando o que acontece na Europa, um estudo realizado pela Tandem Up Marketing na Espanha mostrou que 9 em cada 10 consumidores virtuais fazem pesquisas online antes de realizar qualquer compra e que 7 desses 9 fazem uso de marketplace como principal fonte de informação.
Segundo a Ebit|Nielsen, no primeiro semestre de 2020 a participação do faturamento dos varejistas que são marketplaces no e-commerce brasileiro foi de 78%, um crescimento de 56% em apenas 1 ano.
A entrada de fabricantes em marketplaces, conhecido como M2O, está apenas começando e certamente se fortalecerá em 2021.
4 – Consolidação do Omnichannel
O e-commerce de redes varejistas começou inicialmente como uma iniciativa isolada, muitas vezes por inspiração de jovens inexperientes ligados diretamente à linha de sucessão da família fundadora ou controladora destas empresas.
Na primeira década de existência, durante os anos 2000, era comum vermos operações de e-commerce competindo internamente com principal canal de vendas, que era o canal físico, em busca de espaço, investimento e relevância. Eram vistas muitas vezes pelo Board da empresa como algo que não teria futuro e depredador de margens e resultados.
Várias operações de e-commerce dessas redes varejistas acabaram sendo apartadas em busca de independência. Porém, se mostrando pouco eficientes em obter resultado devido às baixas margens geradas no modelo tradicional do varejo de comprar da indústria e vender diretamente ao consumidor —com preços geralmente mais baixos e com frete grátis.
Aqui posso citar vários exemplos, como as operações virtuais do Farmácia Em Casa (FEC), da rede de farmácias Onofre na época. Também o Amelia.com do Grupo Pão de Açúcar e Submarino.com. Eles operavam de forma independente e, aos poucos, foram sendo transformados, incorporados ou até abandonados.
Porém, a partir da segunda metade dos anos 2010, com a chegada dos smartphones em larga escala na sociedade, tivemos o avanço da integração do canal físico com o meio digital. Isso porque os consumidores sempre “enxergaram” as marcas das empresas de varejo com uma coisa única, não fazendo muito sentido o isolamento dos canais de atendimento.
O mercado entendeu que os consumidores que interagiam com as empresas de varejo por meio de múltiplos canais — como físico, computador e Smartphones — eram mais rentáveis e fidelizados, trazendo maior rentabilidade e valor para as companhias. Sabíamos por pesquisas e estudos qualitativos que esse consumidor multicanal gerava um retorno de 2 a 4 vezes maior que outros que compravam por apenas um canal, físico ou virtual.
Atualmente, especialistas do mercado vêm a estratégia omnichannel como sendo a única alternativa de agregar valor às empresas. Isso porque resulta em maior eficiência operacional, robustez, agregador de margem aos negócios e principalmente potencializa a satisfação dos consumidores. Esse conceito explora as vantagens do mundo online, como agilidade, maior disponibilidade de informações, praticidade e conveniência ao mundo offline — onde muitas vezes vemos o Showrooming, Click-and-Collect, troca e devolução integrada como algo fundamental e desejável.
Por outro lado, sabemos das dificuldades de redes varejistas tradicionais em aceitar e implementar esses conceitos. Muitas vezes exige-se investimento e quebras de paradigmas, porém fundamentais para que essas empresas ofereçam uma experiência única e integrada em seus canais de atendimento. Além, claro, de gerar mais resultados em vendas, maiores margens e principalmente sustentabilidade em seus negócios.
Como exemplo de êxito em implementar este conceito de omnichannel, posso citar o Magazine Luiza no Brasil. Ele viu suas ações valorizarem mais de 350% nos últimos 2 anos e com valor de mercado perto de R$ 160 bilhões (20/11/2020). Valeu mais do que empresas como Banco do Brasil, B2W e Pão de Açúcar juntas, por exemplo!
Portanto, 2021 será um ano crucial onde assistiremos movimentos importantes de consolidação do omnichannel nas redes varejistas, que já estão trabalhando esse assunto. Além de muita preocupação quanto à sobrevivência de outras que sequer iniciaram essa transformação.
5 – Live Streaming Commerce ou Live Commerce
Especialistas de mercado estimam que o Live Commerce irá explodir em vendas em 2021. No mundo, principalmente na Ásia, as vendas através desta estratégia movimentaram perto de US$ 60 bilhões em 2019 e deve superar os US$ 170 Bi em 2020 (fonte: IResearch), algo como 10% do faturamento de todo o e-commerce na China!
Apesar de saber que o ocidente está atrasado pelo menos 5 anos em relação à Ásia, pensando em Brasil, estamos com todas as condições mercadológicas para repetir o sucesso Chinês. Afinal, temos uma população jovem, um varejo eletrônico fortalecido com grandes players, avançamos bem na logística, temos democratização do 3G e 4G e mais de 160M de smartphones em uso no Brasil.
Podemos entender o Live Commerce como uma inovação do antigo canal de Televendas (ex. Polishop, Shoptime). Porém, agora usando smartphones com Streamings de vídeo interativos, onde a audiência pode curtir, comentar, fazer postagens e claro comprar com poucos cliques por meio de pagamentos instantâneos sem fricção integrados aos aplicativos (APPs).
Nessa nova tendência de Live Commerce temos a presença importante dos formadores de opinião e Influencers, que são denominados KOL (Key Opinion Leaders). São eles(as) que apresentam e testam os produtos em tempo real.
Podemos entender que o Live Commerce está integrado num grande ecossistema, com empresas que operam Mobile Commerce, Agências de Live Vídeo, os KOLs, Tecnologia de telecomunicação 3G/4G/5G, meios de pagamento instantâneo e cartões de crédito/débito previamente cadastrados.
O lançamento do Pix no Brasil e a provável permissão de operação do WhatsApp Pay serão os grandes aliados que certamente irão potencializar essa modalidade de vendas.
A Amazon nos Estados Unidos já começou a explorar esse tipo de transmissão com muitos canais dedicados aos mais diversos produtos e categorias.
O YouTube está desenvolvendo a integração de links nos vídeos, com “Produtos neste vídeo”; Facebook e Instagram estão desenvolvendo funcionalidades de adicionar links de compra em conexões ao vivo.
No Brasil, grandes marcas, varejistas e marketplaces deverão adotar rapidamente esta inovação. Empresas como Mercado Livre, Rappi, Polishop, Shoptime e Delivery Center estão começando a fazer pilotos nessa modalidade.
Outras marcas, como Chilli Beans, Farm e Animale, estão usando Lives com artistas para impulsionar suas vendas.
Para finalizar, entendo que teremos um 2021 bastante desafiador. Ainda estaremos lutando para nos livrar da pandemia e em busca de soluções e alternativas para voltarmos à vida normal.
Nesse cenário a economia digital continuará sendo uma saída para a criação de alternativas e oportunidades de geração de riqueza e valor para a sociedade.