Quem vivencia o dia a dia do comércio eletrônico já entendeu que algumas virtudes são inegociáveis. Plataformas de e-commerce ágeis e organizadas, produtos fáceis de encontrar, preço competitivo, poucos cliques para o pagamento, entrega rápida onde e como o cliente escolher, entre outros aspectos funcionais, apoiados por sistemas que tornam a gestão do negócio mais eficiente. Em que medida, no entanto, estes componentes impulsionam a satisfação de um cliente durante sua jornada de compra – ou mesmo depois da entrega de um produto? Normalmente, este indicador está relacionado ao impacto da marca favorecido pelos pontos de contato do cliente com o seu produto. Neste artigo, quero chamar a atenção para a importância do entretenimento nesta jornada.
Em 1998, bem antes da expansão do comércio eletrônico, Joseph Pine e James Gilmore cunharam o termo “economia da experiência”. Na visão deles, qualquer empresa precisa distinguir o que é atividade de rotina daquilo que lhe dá um sentido único, um valor particular. A relação de compra e venda deixa de ser trivial e passa a ser significativa, memorável.
Vídeo ao vivo impulsiona a transição do off para o on
Assim como nos atributos logísticos, aqui algumas práticas se repetem. Divulgação e marketing por meio de redes sociais, apresentação do produto e embalagens criativas, cupons de desconto e programas de fidelidade, resposta impecável no atendimento pós-venda. Estas boas práticas estão relacionadas a uma relação de consumo objetiva, transacional.
Tradicionalmente, no entanto, constrói-se este diferencial por meio de ações inspiradoras, que fortalecem a marca: uma boa história, ambiente convidativo, atendimento personalizado… Clientes acostumados a vínculos sensoriais em lojas físicas entendem que uma visita à loja não acontece apenas por necessidade: é um passeio, uma distração.
O varejo ainda sente o desafio de emular aspectos da experiência física e explorar os sentidos do cliente no meio digital. Ao mesmo tempo, faz seus testes. Entre essas iniciativas, o live commerce é uma tendência. Trata-se de uma tática que utiliza as ferramentas de transmissão instantânea de vídeo no contexto do e-commerce.
O pulo do gato não está na escolha da ferramenta e na inclusão de mais um canal. Como sempre, é preciso pensar de forma estratégica: de que forma é possível compartilhar os valores e a história da minha marca usando influência e impulsos de marketing? Ou ainda: o que faria um usuário permanecer longos minutos, ou até horas, diante de uma tela na vertical, atento a um apresentador?
A palavra-chave é a mesma que leva o consumidor para a rua: entretenimento.
Todos os olhos se voltam para a China
Considerado um dos maiores marketplaces C2C da China, o Taobao, do grupo Alibaba, criou em 2018 uma plataforma exclusiva para live streaming – é como se cada vendedor tivesse o seu próprio canal de vendas em vídeo. Logo no primeiro ano, o serviço gerou RMB 100 bilhões em vendas (equivalente a R$ 84 bilhões), um crescimento de 400% em relação ao ano anterior.
Dessa forma, os chineses se tornaram pioneiros na combinação entre vendas online e entretenimento em vídeo, proporcionando experiências imersivas. Com a pandemia, as vendas ao vivo em vídeo não apenas se consolidaram: se multiplicaram. “O futuro das compras será dinâmico, interativo e impulsionado por feedback em tempo real. O livestreaming oferece uma visão desse futuro, além de novas possibilidades”, diz Yuan Yuan, responsável pelas operações envolvendo conteúdo no Taobao Live.
Por meio do Taobao Live, o usuário permanece navegando pela plataforma enquanto a transmissão acontece, buscando por produtos e adicionando o que gosta no carrinho. Recursos como realidade aumentada, para que o consumidor possa experimentar roupas, acessórios ou cosméticos, também são vinculados.
O que mantém esse consumidor ligado, no entanto, é a capacidade do aplicativo se tornar uma boa alternativa a outras fontes de distração.
Os estímulos por trás do shoppertainment
Com um bom produto em mãos, o host abre sua transmissão. O apresentador se parece com os comunicadores dos canais de vendas por telefone na TV, potencializados pela conexão em rede típica dos influenciadores digitais contemporâneos, que sabem exatamente quem é seu público. Estas habilidades proporcionam uma lógica nova, ao gosto do espectador.
Gerar expectativa pelos produtos, mostrá-los e demonstrá-los é só o começo. Truques de marketing como jogos, batalhas de desconto, recompensas, entre outras trocas rápidas, se somam a essa conexão emocional. A resposta do público é imediata, seja no chat ou, claro, comprando. Convites para amigos em troca de recompensas em itens, produtos ou cashback estimulam o crescimento de uma potencial base de clientes realmente engajada e entusiasmada.
Longe da China, plataformas dedicadas ao e-commerce e ao conteúdo ensaiam funcionalidades integradas. A Amazon Live talvez seja a resposta mais próxima de um marketplace em relação ao Taobao. Facebook e seus serviços Instagram e WhatsApp já oferecem recursos para compras dentro do aplicativo.
Seja como for, nenhuma ferramenta funciona sem estratégia. A experiência proporcionada pelo live commerce exige um complemento: é o “live commerce as entertainment”. Ou, simplesmente, shoppertainment.