Fernanda Carbonari gerencia a área de logística e operações da Privalia Brasil, que envolve os complexos processos de fullfilment, transporte e logística reversa. Atuando nesse setor do e-commerce desde 2003, já conviveu com as diversas fases e desafios do mercado, passando por empresas como Submarino, Grupo Etna e Vivara, sempre gerenciando os processos logísticos. Hoje, na Privalia, coordena todas as especificidades exigidas pela logística de um clube de compras.
- 1. Qual a maior diferença entre vender roupas em lojas online e em lojas físicas?
Existem duas grandes diferenças: o cliente e o produto. Mesmo que uma loja física e uma online vendam exatamente o mesmo produto para o mesmo cliente, o processo de compra é diferente. O varejista tradicional tem apenas que expor o seu produto e o próprio cliente vai lá, escolhe, compra e faz trocas. Não há perda de venda, não há substituição de produto.
Já no e-commerce, é preciso apresentar cada peça, cada tipo diferente de um mesmo produto, cor, tamanho etc., e ter a disponibilidade ali para que o cliente faça a compra. Por exemplo, uma camisa branca, no varejo tradicional, é um código só, e o lojista disponibiliza P, M ou G. No e-commerce, é preciso ter um código pra cada cor e tamanho, há toda uma unitização do produto antes de ele chegar ao cliente. E, se ao receber o produto, o cliente não ficar satisfeito porque a cor não era bem aquela, porque o tamanho não foi acertado, há ainda toda a questão de troca, de perda de venda.
Como a cadeia de vestuário/têxtil ainda não está totalmente adaptada ao e-commerce, isso tem se apresentado como um grande desafio para os lojistas virtuais.
- 2. Por ser um clube de compras, o processo logístico da Privalia é diferenciado. Essa diferença existe apenas nos processos de estoque e distribuição das encomendas, ou há algo mais?
Há diferença também em onde começa o nosso processo logístico. Esse início é bem antes de cada campanha ir ao ar. Para cada produto que vendemos, fazemos toda a parte de testes/experimentação antes, com amostras. Então, temos um “mini centro de distribuição”, que recebe as amostras e ali elas são selecionadas e encaminhadas para o processo de prova; precisamos conhecer bem o produto para que a descrição seja fiel, ver a qualidade da peça, fotografar, cadastrar cada tipo e aí, sim, a campanha vai ao ar. Todo esse processo envolve a logística, que atua muito próximo das áreas comercial e de marketing.
- 3. Além dessa diferença, como funciona o processo logístico na Privalia?
No e-commerce tradicional, geralmente você gera o estoque para depois disponibilizar o produto no site, realizar a venda e fazer todo o trabalho de envio gerado com isso. Em um clube de compras, primeiro se vende o produto, que é recebido depois. É quase como uma operação de cross docking. Como o objetivo da Privalia é levar as grandes marcas para a internet, vendendo os produtos como promoção, é feita uma reserva com a marca, antes de cada campanha ser colocada no ar. Bloqueamos o estoque junto à marca e, no final da campanha, fazemos o pedido. Os produtos são recebidos nos nossos Centros de Distribuição (CD). A partir daí, temos os processos internos de identificação, separação e expedição dos produtos, e essa parte é bastante padrão para a grande maioria das lojas virtuais.
Além de não termos um estoque físico, de vendermos primeiro para receber o produto depois, há também a questão do prazo de entrega, que é um dos nossos grandes trabalhos. Hoje, na Privalia, nosso prazo é de 25 a 30 dias, a contar do final da campanha (que vale por aproximadamente quatro dias). Isso acontece porque precisamos receber o produto, fazer a separação e o envio. É um prazo que queremos reduzir, mas, principalmente fora dos grandes centros e capitais, existe um problema maior para realizar a entrega, que é justamente onde perdemos mais dias: é muito complicado chegar a algumas regiões do Brasil, especialmente Norte e Nordeste. Faltam empresas para realizar o transporte, são locais muito distantes dos nossos CDS (que ficam em São Paulo), e às vezes levamos 10 dias para entregar, e então precisamos elevar o prazo como um todo.
Como já disse, fazemos parte de uma nova cadeia no e-commerce, portanto acredito que temos uma grande oportunidade de melhorarmos também nesse aspecto, desde o trabalho com as marcas até a entrega final para o consumidor.
- 4. A Privalia Brasil existe há menos de três anos e, em 2010, vocês tiveram um enorme crescimento e optaram por utilizar dois Centros de Distribuição. Como funciona o trabalho com eles?
Em 2010, tivemos mais de 750 mil pedidos expedidos. Foi um crescimento muito grande, realmente nos surpreendeu e superou as nossas expectativas. Com isso, tivemos que crescer também a infraestrutura, e optamos por ter dois CDs, que ficam em São Paulo, em uma região estratégica. Escolhemos ter dois Centros de Distribuição, em vez de apenas um maior, porque entendemos que dessa forma podemos crescer mais rapidamente, de acordo com a demanda, afinal, é mais fácil dois crescerem um pouco do que ter apenas um crescendo muito, dobrar de tamanho, em um tempo curto. E essa é uma das grandes vantagens para nós. A escolha de qual CD vai receber os produtos de determinada campanha acontece de acordo com a demanda.
- 5. Vender itens de moda e vestuário online ainda não é uma prática consolidada. Quais são os principais problemas que vocês enfrentam nesse setor e como se dá, no caso da Privalia, a operação de logística reversa?
Apesar de ser muito bem consolidada no B2B, a cadeia de moda e vestuário ainda enfrenta, sim, grandes problemas para a venda online, principalmente no que diz respeito ao tamanho das peças. Como não há uma padronização de tamanhos, o que é M em uma determinada marca pode equivaler ao P ou ao G em outra. Para amenizar esse tipo de problema, temos o trabalho de caracterizar o produto em detalhes, com tabela de medidas, fotos bem produzidas, descrição explicativa, dando todas as informações possíveis para ajudar o cliente no momento da compra. Isso ajuda a diminuir o índice de devolução, mas ainda assim temos que lidar com isso.
As devoluções acontecem por dois motivos básicos. O primeiro deles é que o cliente não gosta do produto, ou não é o que ele esperava. Isso é considerado desistência, é previsto no Código de Defesa do Consumidor – o cliente tem, por lei, sete dias para desistir da compra.
O segundo motivo é o “não serve”, tem a ver com a falta de maturidade e preparo do setor para o e-commerce. A falta de padronização, que falei, é totalmente refletida aqui. Já existem iniciativas do setor para mudar isso, em um prazo talvez de três anos, mas hoje isso não é uma realidade.
Porém, como a Privalia é um clube de compras e não tem estoque de peças, não fazemos troca, trabalhamos com recolhimento do produto e devolução integral do que foi pago, inclusive do frete, nos dois casos.
- 6. Qual é a taxa de devolução atual da Privalia Brasil?
Eu não posso dar o número exato, mas estamos dentro do índice padrão do e-commerce tradicional, entre 2% e 3% de devolução. Apesar de ser um número padrão, e baixo, o custo da operação de logística reversa é bastante alto, já que há todo o manuseio da mercadoria, o retorno ao CD e a destinação final, o pagamento do frete etc.
- 7. Já que a empresa não possui estoque, qual é o destino dado às peças devolvidas?
Quando o produto é recebido de volta no CD, primeiro é feita uma triagem, para checar as condições do produto, se há alguma avaria, por exemplo. Essas peças têm duas destinações. Se estiverem dentro das condições normais, sem problemas, elas voltam para a marca – isso faz parte do acordo que a Privalia faz com cada marca. Já as peças com pequenas avarias são encaminhadas para o chamado mercado secundário e são revendidas em lojas físicas especializadas em saldos e em grandes remarcações.
- 8. Tanto a Privalia, como os parceiros logísticos – os dois CDs -, estão hoje em São Paulo. Por que essa localização? Existe alguma idéia de ir para outro Estado, que ofereça melhores condições e incentivos?
A primeira resposta, e a mais fácil, é porque o nosso público consumidor está 70% no sudeste e porque 80% dos nossos fornecedores são daqui de São Paulo. Mas é claro que, com os benefícios fiscais que estão abrindo em alguns estados, como Paraíba, Tocantis e Rio de Janeiro, é preciso estudar novos modelos. Infelizmente, estamos em um país que permite essa guerra fiscal, e aí a questão de logística perde um pouco a importância se o custo valer a pena. Mas, assim como outros e-commerce já estão procurando, nós também estamos estudando outros modelos e benefícios.
- 9. Além dos incentivos fiscais, o e-commerce de um modo geral sofre com gargalos e problemas em todo o Brasil, em todos os setores. Em sua opinião, quais são os problemas mais sérios enfrentados hoje no comércio eletrônico?
Para uma operação de entrega porta a porta, falta, em especial, a profissionalização de players, especialmente em regiões não centrais e fora do sudeste. O Norte e o Nordeste, em grande parte, são atendidos apenas pelos Correios, porque falta infraestrutura e também porque às vezes não compensa financeiramente para outra transportadora fazer a entrega lá. Falta estrutura para entregar especialmente nessas regiões. Isso ficou muito claro no Natal de 2010, quando todos os e-commerce encontraram dificuldades para entregar nessas regiões, tanto por via aérea como por terrestre. Sem falar nas regulamentações fiscais, que também dificultam e causam impacto nas entregas.
- 10. O que é essencial para a logística do e-commerce brasileiro, do setor de vestuário e de qualquer outro?
Rapidez e agilidade. O Brasil já está bastante evoluído em termos de e-commerce, temos players que entregam em até dois dias úteis nos principais pontos do País. É preciso trabalhar os entraves de forma a manter e a melhorar esse ponto. Ser rápido, não enrolar o cliente, e, principalmente, ser transparente. Informar ao cliente sobre o que está acontecendo, sempre o mantendo a par da situação, prevendo problemas e oferecendo, acima de tudo, soluções. Temos isso como uma meta na Privalia, tanto para o cliente como para a marca que é nossa parceira. Trabalhamos o SAC em diversos canais, sempre com o objetivo de realmente atender ao cliente, não de causar mais um problema. No nosso caso, temos feito um trabalho muito bom junto com a área de Marketing e Comunicação, no SAC, para atender aos clientes também pelas redes sociais em que atuamos, além de telefone e e-mail.
Conseguir aliar essa vontade de atender ao cliente e resolver o problema dele, com rapidez e agilidade na entrega do produto, isso, no momento, é o mais importante para o comércio eletrônico brasileiro.