Falta de profissionais qualificados, a rapidez das mudanças tecnológicas no mercado e a dificuldade de construir um ambiente de trabalho genuinamente motivador são alguns grandes desafios dos líderes e gestores de e-commerce.
Desafios que Maurício Bastos Turquenitch, Gerente de e-commerce na Arezzo tem encarado e tido ótimos resultados. Na Arezzo, Maurício foi responsável por estruturar o canal online da marca em 2012, liderar projetos estratégicos em logística, tecnologia, marketing e atendimento.
Além disso, Maurício assumiu o programa “OMNI” da Arezzo, a fim de consolidar as operações digitais de todas as marcas do grupo e construir uma integração sólida entre as lojas online e as lojas físicas. Maurício foi premiado como profissional mais inovador em 2016 na Categoria Operações pelo E-Commerce Brasil durante o Fórum E-Commerce Brasil 2016. Confira a nossa entrevista com Maurício:
E-Commerce Brasil: Nos primórdios do e-commerce contratar era um desafio, simplesmente porque as pessoas não sabiam o que era. Hoje as pessoas já sabem o potencial desta atividade econômica, mas continua difícil de contratar. Por quê?
Maurício Bastos: Os motivos são diversos, mas pela nossa trajetória fica claro que o grande “gap” ainda é o conhecimento. As pessoas hoje de fato já sabem o que o e-commerce é, mas ainda há pouquíssimos profissionais realmente qualificados. Não existe volume expressivo de cursos e graduações que tratem a disciplina de maneira profunda e consistente.
Isso faz com que o conhecimento não seja efetivamente nivelado e que algumas pessoas acreditem ser “experts”, enquanto na realidade não o são. Como diria o ditado, “em terra de cego quem tem um olho é rei”. Quando você contrata um arquiteto para construir a planta de sua casa, por exemplo, você sabe que o diploma o qualifica para tal função.
Ele não teria como ter concluído uma graduação sem os conhecimentos mínimos para desenhar um projeto de casa que “não desabe”. O mesmo não acontece no universo do e-commerce, onde tudo ainda é muito recente e relativamente novo.
Certa vez eu estava realizando o processo seletivo para um vaga senior de BI (Business Intelligence) e um dos requisitos era ter conhecimentos avançados em SEO (Search Engine Optimization). O candidato me disse que possuía esses conhecimentos e então eu resolvi aprofundar, perguntando como ele executava as atividades de SEO e que comentasse sobre alguns desses projetos.
Como resposta ele me contou que fazia comentários em blogs e sites para gerar links de referências para o site dele. Isso não é nem de longe SEO, quando muito poderíamos chamar de “Link Buidling” (uma das atividades possíveis dentro da disciplina com foco na construção de popularidade). Um gestor que não domina temas como esse pode acabar contratando gato por lebre.
ECB: A geração Millennium é fast nas escolhas e ações. Como inspirar e liderar este profissional em um meio que tem celeridade, mas que não foge da rotina do trabalho em algum momento do dia?
Maurício: Tive a oportunidade de participar do evento SXSW este ano e por lá muito se falou em Millennials. Um dos palestrantes mais interessantes sobre o assunto foi o Philippe von Borries, CEO de uma empresa de mídia digital voltada para esse público.
Na visão dele, “ser Millennial” não está necessariamente ligado ao ano em que alguém nasceu, mas sim a um novo tipo de mindset (modelo mental). Para ele, os três grandes pilares desta geração são os valores de individualidade (no que se refere a criatividade, expressão como indivíduo), conexão global e propósito.
Gosto muito dessa abordagem e entendo que, para inspirar e liderar profissionais com essa mentalidade, os valores da sua empresa, departamento ou ambiente de trabalho precisam estar alinhados com esses princípios. É necessário oferecer um ambiente colaborativo, que difunda o sentimento de pertencimento e dê abertura para que as pessoas sejam quem realmente são.
É fundamental entender que o mundo mudou muito e mudará cada vez mais rápido, fazendo uso de ferramentas e conexões que anos atrás não seriam possíveis. Por fim, é importante deixar muito claro qual é o propósito da sua organização.
Mais do que nunca as pessoas querem se conectar com uma visão que faça sentido para elas, que traga impacto positivo para o mundo e não com um ambiente de obrigação onde o maior propósito é ter dinheiro para pagar as contas no final do mês.
ECB: Algumas funções que o e-commerce demanda hoje, não existiam há 5 anos e a Academia ainda sequer começou a pensar nesta profissão. Ex.: desenvolvedor de front-end, engenheiro de dados (uma mistura de TI e business). Como vocês têm formado e desenvolvido este perfil profissional para fazer frente à necessidade de inovação que o varejo online pede?
Maurício: De fato este é um dos maiores desafios que vivemos hoje. O lado positivo é que a mesma evolução que abriu espaço para esses novos profissionais abriu portas para um mar de informação.
Se vivemos no início do século XXI a Era da Informação, vivemos agora a “Era dos Filtros”. Existe muita informação por aí e sai na frente quem tem a capacidade de filtrar e investir seu tempo nos conteúdos certos.
Neste sentido, podemos não ter uma faculdade de PO (Product Owner) no Brasil, por exemplo, mas com um pouco de pesquisa online você consegue encontrar – e até realizar – os melhores cursos do mundo, realizar benchmark dos melhores times de produto digital (procure no Google por Spotify Engineering Culture, por exemplo), seguir os melhores profissionais da área no Twitter, Snapchat, Facebook e participar de grupos globais de discussão da área. O que eu quero dizer com isso é que nunca existiu tanta fonte de pesquisa e aprendizado.
O conhecimento está à disposição de todos e isso permite que uma pessoa no interior do Brasil possua a mesma profundidade de conhecimento em Google Analytics do que um engenheiro do próprio Google.
Nossa grande missão como empresa é encontrar e reconhecer esses talentos, dar espaço para que se desenvolvam e aflorem ainda mais. Muitas vezes, no entanto, você não conseguirá encontrar profissionais lapidados em determinadas áreas. Aí valerá a máxima do antigo presidente da Porsche, Peter Schulz: “contrate pelo caráter/perfil e treine a habilidade”.
ECB: Como integrar e gerar sinergias entre as gerações entre o on e offline?
Maurício: As diferentes gerações e mentalidades acabam sendo sempre complementares, bem como a visão de canais online e offline. Por isso assumimos a bandeira OMNI (que se tornou o nome da nossa área) em 2013.
Assim como no futebol, um time vencedor é formado por diferentes perfis que trazem diferentes bagagens e habilidades. Nosso time digital é um time muito jovem, mas trabalhamos dentro de uma empresa com origem na indústria e cujo grande canal de vendas é o de lojas físicas (próprias e franquias).
Tomamos como uma missão pessoal realizar essa integração entre áreas e pessoas na empresa e isso só é possível em um ambiente de parceria, transparência e, acima de tudo, quando há o forte senso de pertencimento, a certeza de que estamos todos no mesmo barco. Sendo assim, estimulamos muito esse tipo de troca e criação de agendas conjuntas com outras áreas da companhia.
Há alguns meses, por exemplo, iniciamos uma agenda proativa para entender como dar mais confiança para nossas clientes online na hora da compra para que não adquiram a numeração errada. O resultado foram discussões muito ricas envolvendo a participação do time online, que traz a visão da usuária (user experience) e novas tecnologias e do time de engenharia, que aporta o conhecimento de experientes engenheiros e profissionais com décadas na confecção de calçados.
ECB: Como inspirar centenas de pessoas com o propósito da loja em cada etapa do trabalho, nas interações com os clientes, parceiros e colegas internos?
Maurício: Acredito que não há melhor maneira de inspirar do que deixar claro o propósito do que estamos construindo e mostrar o impacto real que o negócio traz na vida de nossas clientes.
Entender, por exemplo, que o sapato que uma determinada cliente está comprando agora é aquele que ela irá utilizar em seu casamento não tem preço. Essa é possivelmente uma das maiores realizações na vida de uma mulher e ela está escolhendo a nossa marca como parceira para a ocasião.
Nosso produto vira protagonista de um sonho! Para engajar o público interno ainda não encontrei ferramenta mais efetiva do que colocá-los em contato direto com as nossas clientes através da área de atendimento.
Quem trabalha com e-commerce sabe que, às vezes tudo fica muito virtual, não há o “pulso” da loja como no mundo físico. Sendo assim, criamos um roteiro de integração para novos membros de nosso time onde eles devem passar – antes de fazer qualquer outra coisa – uma semana na área de Atendimento.
E, mais recentemente, estamos implantando o projeto “Um dia no SAC”, onde teremos grupos de pessoas de outras áreas da empresa passando um dia inteiro ao lado de nosso time de atendimento e diretamente conectados com a cliente final. A primeira experiência ocoreu com nosso CFO e foi simplesmente incrível, gerou muitos insights e ideias que serão transformados em planos de ação.
ECB: Como vocês combatem o assédio moral entre os líderes e liderados?
Maurício: Dentro de nosso time OMNI temos uma máxima interna que diz: “Corte o mal pela raiz. E sem pensar”. Pode parecer até um pouco pesado, mas é justamente porque entendemos o peso e poder de uma cultura. Construímos nos últimos 5 anos um time incrível, engajado e um ambiente altamente motivador.
Tão motivador que estamos localizados no interior do Rio Grande do Sul e frequentemente somos procurados por profissionais do Sudeste dispostos a mudarem completamente de vida para virem trabalhar conosco. Nunca esqueci do aprendizado que tive ao ler o livro “Satisfação Garantida” do Tony Hsieh, CEO da Zappos. Ele conta que na primeira empresa que fundou, denominada LinkExchange, nunca se preocupou com a construção de uma cultura.
A “coisa” foi acontecendo sozinha e, quando se deu conta, nem ele queria mais trabalhar lá. E foi isso que deu origem ao sucesso que a Zappos é hoje: cultura foi prioridade desde o primeiro dia. E cultura envolve muita coisa, sobretudo deixar muito claro o que fazemos e o que não toleramos aqui. Neste sentido temos muito o que aprender com os norte-americanos, onde não existe o conceito do “meio-certo” ou jeitinho brasileiro.
Alguma coisa é certa ou errada, não há meio-termo. Malcolm Gladwell fala no livro Outliers (leitura mais que recomendada!) sobre o conceito de IDP (Índice de Distância do Poder), onde países com IDP mais elevado (como é o caso do Brasil, que possui nível superior a 70 contra Estados Unidos, abaixo de 40) tendem a criar ambientes de subordinação (num sentido negativo, de submissão) que abre espaços para atitudes como o assédio moral, pois “pode pegar mal denunciar o chefe”.
Na Arezzo&Co não há espaço para isso. Foram muitos os mecanismos criados para barrar esse tipo de situação, sendo um deles o Canal de Ética da companhia, onde qualquer colaborador pode se manifestar (anonimamente) através de um email ou canal de voz e reportar alguma situação que esteja ferindo princípios morais e éticos.
ECB: Na sua perspectiva, quais as boas práticas que independente do porte da empresa, podemos praticar, todo dia, na gestão das pessoas?
Maurício: Acredito que não há ferramenta melhor do que conhecer as pessoas e os seus sonhos. No fim tudo se resume aos seres humanos, seus sonhos e ambições. Não existe fórmula certa para fazer isso, mas é tão simples quanto ter uma planilha com o nome de cada um de seus liderados para coletar informações relevantes, fazer registros e acompanhar sua evolução.
As pessoas são diferentes. Certa fez um gestor me falou que possuía como prática reconhecer seus funcionários publicamente, como forma de mostrar o bom exemplo e gerar uma parabenização coletiva. Ao realizar uma conversa de feedback com um de seus colaboradores, entretanto, o mesmo sinalizou que não gostava de ser elogiado em público, que era algo que o constrangia (era um sentimento ligado a um trauma de infância, no início da vida escolar). Ele então sinalizou para seu gestor que preferia ser reconhecido individualmente.
As pessoas são diferentes e precisam ser tratadas de modo diferente, por isso o mais importante é conhecer cada uma delas. Não há uma fórmula que funcione para todo mundo. O reconhecimento pode ser realizado de diferentes maneiras, como citei há pouco, mas realizá-lo deve ser considerada uma prática universal, que pode ser exercitada todos os dias em qualquer empresa, independente do porte.
Estudos científicos dizem que reconhecer formalmente as pessoas uma vez por semana é o ponto ótimo da curva. Outra recomendação que me permito passar e entendo ser uma ferramenta chave para o sucesso é uma sigla que criei: DAR. Desafio + Autonomia + Reconhecimento cria um ciclo virtuoso dentro de qualquer tipo de negócio.
Não existe time de alta performance quando o desafio é baixo, então você precisa sempre procurar a próxima onda, o próximo desafio.
Na Arezzo&Co temos um princípio que diz “a meta alcançada é, no mínimo, a base para a próxima meta”. Autonomia é algo que deve ser construído ao longo do tempo a partir de uma relação de evolução e confiança. Sua empresa só conseguirá escalar se houver autonomia.
Por fim, reconhecimento é o fim do ciclo e, ao mesmo tempo, o combustível para que um novo ciclo se inicie com força total. Ao reconhecer um profissional que recebeu um grande desafio, teve autonomia para realizá-lo e o concluiu com êxito, você estará estimulando a meritocracia e deixando-o completamente motivado para iniciar um novo ciclo com um desafio ainda maior.