Desde 2010, o Banco Central e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) têm investido esforços para promover um mercado de meios de pagamento de maior competitividade e diversidade e de menor custo.
O principal objetivo é melhor atender à sociedade com um ecossistema que contribua para a promoção da inclusão financeira da população desbancarizada, com um leque maior de oferta de serviços financeiros, além de criar um ambiente de inovação tecnológica mais competitivo, com serviços de melhor qualidade e menor custo para os empreendimentos.
Todos esses esforços têm surtido efeitos: em 2018, aproximadamente 86,5% dos brasileiros já mantinham algum relacionamento bancário, contra 56% em 2011, segundo dados do Bacen e do Banco Mundial.
Parte essencial desse processo de bancarização da população e da criação de um sistema financeiro menos concentrado passa pela aplicação da interoperabilidade.
Mas, afinal, o que é interoperabilidade? Como ela afeta as estruturas financeiras?
É o que vamos discutir neste artigo, leia até o final!
O que é interoperabilidade?
A interoperabilidade pode ser definida como a capacidade de diversos sistemas e organizações trabalharem em conjunto, ou seja, interoperar de modo a garantir que pessoas, organizações e sistemas computacionais interajam para trocar informações.
No mercado de meios de pagamento, a interoperabilidade foi prevista pela Lei 12.865/2013 como princípio orientador do setor, sendo assegurada sob duas perspectivas: entre arranjos e entre participantes de um mesmo arranjo. Isto é, nos termos da Resolução BC nº 150/21 , a interoperabilidade consiste nos mecanismos que viabilizem, por meio de regras, procedimentos e tecnologias compatíveis, respectivamente: o fluxo de recursos entre usuários finais de diferentes arranjos de pagamento e que os participantes daquele se relacionem de forma não discriminatória.
Outra normativa importante para a interoperabilidade foi a Resolução Conjunta nº 5/2022, instituída pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) e pelo Banco Central do Brasil, sendo aprovada e publicada pelo BC, pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Conselho Nacional de Seguros Privado. Ela dispõe sobre a interoperabilidade no bojo do Open Finance, visando permitir o compartilhamento de dados entre as instituições participantes do Open Banking e do Open Insurance, com objetivo, especialmente, de otimizar processos no mercado financeiro, simplificar custos de integração e reduzir a assimetria de informações compartilhadas entre os agentes regulados.
Vale destacar que, para que a interoperabilidade seja exercida de forma efetiva e para que seja assegurado o acesso não discriminatório dos participantes ao mercado, o Banco Central promoveu outros aprimoramentos regulatórios, como a centralização da compensação e a agenda de recebíveis com arquivos padronizados, medidas essas que resultaram na criação das registradoras de recebíveis.
Modelos de interoperabilidade
Quando se trata de interoperabilidade, podemos dividir esse sistema em dois âmbitos: horizontal e vertical.
A interoperabilidade horizontal diz respeito ao que desse sistema tange o consumidor. Ou seja, a partir da possibilidade de o usuário interagir com diferentes plataformas e sistemas de forma ampla e democrática, cria-se autonomia e empoderamento para os consumidores.
Essa abordagem visa reduzir custos, aumentar a concorrência e oferecer maior flexibilidade aos consumidores. Isso leva a uma maior bancarização da população e melhores opções de serviços financeiros no mercado, à medida que os usuários passam a interagir melhor com serviços e produtos e a demandar melhorias que façam sentido para a sua realidade.
Enquanto isso, a interoperabilidade vertical está intimamente ligada ao conceito de “modularidade”, no qual produtos e serviços podem funcionar uns com os outros por meio de interfaces organizadas, estratificadas e não discriminatórias. Um ponto de destaque aqui é que a interoperabilidade entre sistemas redefiniu os “direitos de propriedade”, já que os efeitos de rede são agregados em todo o mercado e se tornam um bem público.
Assim, os diferentes players do mercado deixam de competir por “posses de tecnologia desenvolvidas” e passam a competir em dimensões como qualidade e privacidade, beneficiando o mercado, os negócios que fazem uso desses sistemas e os usuários finais.
Como a interoperabilidade vem sendo colocada em prática no país?
Como conectar diferentes tecnologias e sistemas no contexto nacional para garantir um fluxo efetivo de informações e dados e eliminar a assimetria?
A resposta para esse impasse foi a padronização, com a criação de padrões abertos e agnósticos para não privilegiar nenhuma empresa ou produto específico.
Dessa forma, os padrões comuns passam a ser aplicados por diversas empresas, seja na prestação de serviços ou na comunicação horizontal com outros players.
O grande impasse no que tange à padronização, em relação à tecnologia, é que há um grande risco operacional de limitação tecnológica e defasagem de sistemas a longo prazo, desafio esse que será apresentado mais à frente no artigo junto com outros pontos a serem observados.
Apesar da criação de padrões, o Banco Central não definiu uma infraestrutura única para implementação da interoperabilidade, possibilitando a livre concorrência e a liberdade para os agentes do setor desenvolverem seus próprios acordos.
Benefícios da interoperabilidade
A interoperabilidade apresenta benefícios para os consumidores, como já descrito ao longo do artigo, e também benefícios para o mercado de pagamentos, os diferentes agentes que atuam nesse ecossistema e os empreendimentos. Eles são:
– Redução de custos: a interoperabilidade permite a integração entre diferentes sistemas e participantes, mediante padronização e adoção de requisitos isonômicos, eliminando a necessidade de investimentos pesados em adaptações e modificações. Isso resulta em uma redução significativa nos custos operacionais;
– Maior eficiência: ao facilitar a comunicação entre diferentes plataformas e sistemas, a interoperabilidade promove a eficiência operacional. Isso se traduz em processos mais rápidos, menor fricção nas transações e uma experiência mais eficiente para os usuários finais;
– Inovação: a interoperabilidade cria um ambiente propício para a inovação, pois permite que novos participantes e novas tecnologias entrem no mercado mais facilmente. Isso incentiva a competição e estimula o desenvolvimento de soluções inovadoras;
– Promoção da concorrência e democratização do mercado: a interoperabilidade cria um ambiente competitivo saudável, permitindo que diferentes provedores de serviços entrem no mercado, beneficiando tanto as empresas quanto os consumidores;
– Novos produtos e serviços: a interoperabilidade simplifica a introdução de novos produtos e serviços no mercado, encorajando a inovação contínua e permitindo que as empresas respondam rapidamente às mudanças nas necessidades e preferências dos consumidores;
– Segurança: promove a adoção de padrões de segurança comuns, que ajudam na prevenção de fraudes e no fortalecimento da confiança dos usuários nos sistemas de pagamento;
– Inclusão financeira: ao facilitar o acesso a diferentes instrumentos de pagamento e serviços financeiros, a interoperabilidade contribui para a inclusão financeira. Dessa forma, populações desbancarizadas ou com acesso limitado aos serviços financeiros tradicionais podem se beneficiar significativamente;
– Empoderamento do consumidor: a possibilidade de os usuários interagirem livremente com diferentes plataformas e escolherem entre diversos serviços resulta em maior autonomia para o consumidor. Isso leva a uma maior satisfação do cliente e a uma oferta mais diversificada de opções.
– Mais opções de serviços para empreendimentos: empreendimentos que fazem uso de meios de pagamento e serviços financeiros também se beneficiam da interoperabilidade, ao passo que o leque de serviços torna-se mais variado e os preços são reduzidos graças à competição do mercado.
Desafios associados à interoperabilidade
Ainda que a interoperabilidade apresente todos os benefícios listados acima, existem desafios associados à sua implementação, que giram em torno de dois pilares: segurança de dados e tecnologia.
1. Segurança de dados
Sistemas interoperáveis envolvem a troca de informações, o que aumenta o risco de vazamento de dados e torna os sistemas alvos mais desejados para ataques cibernéticos, já que o roubo de informações pode ter ramificações por muitos sistemas e redes.
Vale destacar que todos os agentes envolvidos em fluxos de pagamento digitais seguem uma série de protocolos rígidos de segurança para salvaguardar dados sensíveis desses tipos de incidentes. Além disso, a troca de informações entre participantes deve observar a legislação aplicável, em especial, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
2. Tecnologia e defasagem operacional
A interoperabilidade no Brasil é pautada pela uniformização de padrões e técnicas para que os sistemas se comuniquem. Apesar de necessária, essa característica de padronização pode resultar em um risco de estagnação tecnológica ao limitar a diversidade e a inovação.
Além disso, a complexidade técnica para criar sistemas interoperáveis pode levar a falhas e aumentar os custos de implementação.
Outro ponto a se considerar é que a rápida evolução tecnológica pode tornar os sistemas interoperáveis obsoletos, resultando em riscos de dependência excessiva de tecnologias específicas.
Quebra do duopólio da adquirência
Até agora, o artigo tratou da interoperabilidade de maneira conceitual. Mas vale lembrar que os efeitos positivos desse sistema já são amplamente sentidos no país.
No mercado de pagamentos, a implementação da interoperabilidade foi uma das principais responsáveis pela quebra do duopólio da adquirência.
Até 2010, o setor era marcado por relações de exclusividade entre duas bandeiras e duas adquirentes, que limitavam a aceitação em estabelecimentos e criavam barreiras à entrada de novos players no mercado.
Em busca de um mercado mais competitivo e eficiente, o Banco Central e o Cade puseram fim ao duopólio da adquirência a partir de, entre outras medidas, a determinação da obrigatoriedade de implementação da interoperabilidade pelos arranjos de pagamento, observados os critérios e procedimentos definidos em regulação específica. Assim, novos players começaram a entrar no mercado.
Como resultado, no setor de adquirência, em 2016, mais de dez opções já estavam disponíveis no mercado – em contraste com o ano de 2010, quando eram apenas duas.
Vale lembrar que a maior concorrência e competitividade levou à redução de custos para empreendimentos e consumidores finais e à oferta de melhores serviços e tecnologias.
Interoperabilidade e Open Finance: como se relacionam?
A temática de compartilhamento de dados e informações tem muita relação com outro conceito que vem sendo muito discutido no mercado: o de Open Banking e Open Finance. E isso não é mera coincidência.
A interoperabilidade está intimamente ligada ao sistema financeiro aberto. Afinal, o Open Finance visa permitir o compartilhamento seguro e controlado de dados financeiros entre diferentes instituições financeiras e terceiros com a autorização dos usuários, criando um ecossistema financeiro mais aberto e competitivo.
Para isso, o Open Finance “bebe na fonte” da interoperabilidade, que é o sistema regulamentado que possibilita esse compartilhamento e essa conexão entre diferentes tecnologias.
A finalidade do Open Finance/Open Banking, nesse contexto, é melhorar a oferta de serviços financeiros para os consumidores, aumentar a eficiência de bancos e instituições de pagamento, trazer mais segurança para o mercado de crédito e reduzir o contexto de informações assimétricas dos usuários entre as instituições financeiras bancárias ou não.
Conclusão
Em síntese, a trajetória da interoperabilidade no cenário brasileiro de meios de pagamento representa não apenas uma evolução normativa, mas também uma transformação significativa no ecossistema financeiro, atuando como medida promotora da competição no setor.
A padronização, embora apresente desafios tecnológicos, emerge como uma solução para garantir a aplicação efetiva da interoperabilidade. No entanto, é crucial atentar-se aos riscos, como segurança de dados e potenciais defasagens operacionais. A superação desses desafios demanda colaboração contínua entre reguladores, instituições financeiras e demais players do mercado.
Ao observarmos o panorama atual, no qual a interoperabilidade converge com os princípios do Open Finance, percebemos que a busca por um sistema financeiro mais aberto, transparente e eficiente continua.
A interoperabilidade não é apenas uma ferramenta técnica, mas elemento central na democratização do acesso aos serviços financeiros e promoção da concorrência, com benefícios para agentes do sistemas de pagamento, empreendimentos e, sobretudo, consumidores finais.