Desde a expansão dos serviços provedores de internet em meados dos anos 1990, a web foi responsável por mudanças significativas no comportamento das empresas e seus respectivos consumidores. Quase três décadas depois do boom, não restam dúvidas de que as transformações geradas pelo progresso do e-commerce trouxeram mudanças radicais na esfera do comércio global.
Um bom exemplo disso são as fronteiras, cada vez mais postas em cheque graças à expansão do cross-border. Uma loja virtual regional pode muito bem se tornar um player global, interagindo com uma rede de potenciais clientes de maneira muito mais rápida e dinâmica, relativizando assim o conceito de “localização” para esse setor.
A América Latina representa hoje, aproximadamente, 5% do consumo cross-border, segundo dados da pesquisa global sobre consumo online realizada pela Paypal e Ipsos. Um número não muito significante quando comparado aos 21% da América do Norte e aos 35% da Ásia. Para 2019, a estimativa era de que fossem gastos aproximadamente R$ 233,4 bilhões (um crescimento de 18% em relação ao ano anterior), e até 2020 a perspectiva é de aumento de gastos com o comércio eletrônico cross-border.
Mas como “grandes poderes vêm com grandes responsabilidades”, e no mercado do varejo eletrônico isso fica bem evidente com o crescimento assustador das demandas por entregas – que precisam ser cada vez mais eficientes e adequadas à experiência de compra prometida aos usuários -, de certa forma pode-se dizer que o comércio eletrônico acaba sofrendo consequências por conta do seu próprio sucesso. Ao que tudo indica, é quase certo que esses desafios tendam a crescer exponencialmente, à medida que o acesso à internet aumenta e as áreas urbanas se tornam cada vez mais densas.
As compras online já são parte integrante da vida cotidiana, e isso afeta diretamente a forma como as pessoas compram e o funcionamento da lógica do consumo. Conscientes disso ou não, os serviços de logística estão sempre nos pensamentos do cliente final quando ele precisa escolher em qual e-commerce irá realizar a sua compra. E o que se tem constatado é que rapidez, eficiência e qualidade nas entregas são fatores com maior relevância para esses clientes.
Por isso, nesse cenário, é válida uma atenção especial para os fatores de entregas, que também geram grandes transtornos, tanto para os gestores de e-commerce quanto aos consumidores finais, bem como novas possibilidades para agregar conveniência a todos os envolvidos. Nesse aspecto, a utilização de lockers em pontos estratégicos de retirada tem se afirmado cada vez mais como uma das soluções mais viáveis.
O uso de lockers remodelou o sistema de entregas de mercadorias na Europa e nos EUA
Como já citado, o comércio eletrônico transformou a forma de pensar das entregas, aumentando a complexidade da última milha da cadeia de suprimentos. Nesse aspecto, a utilização de armários para armazenagem de encomendas pôde ajudar na resolução desses desafios, seja pela redução do tempo de permanência dos veículos e trânsito nos centros urbanos, seja na redução dos índices de insucesso na primeira tentativa de entrega.
O cenário das entregas via lockers nos Estados Unidos
O autoatendimento por meio de lockers colaborou significativamente para a remodelagem do sistema de entregas de mercadorias tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. As primeira iniciativas foram lançadas na Europa em 2002 e, nos EUA, em 2011.
A conhecida Amazon foi quem inaugurou o sistema em solo americano, na cidade de Seattle, em lojas de conveniência da franquia 7-eleven. A opção era uma alternativa à entrega em domicílio aos clientes da empresa, garantindo locais seguros e convenientes, com tempo de coleta flexível e a possibilidade de retirada durante três dias. Após esse período, eles retornavam ao depósito da varejista (nos casos de retorno, o cliente é reembolsado integralmente).
No momento em que este artigo foi escrito, apenas em Seattle, a Amazon contava com uma rede com 17 lockers de autoatendimento, sendo 14 em áreas de acesso público e o restante em prédios privados, exigindo uma chave de acesso.
Esse é o caso do Amazon Hub, criado em julho de 2017; um sistema de lockers especificamente para ocupantes de edifícios residenciais ou comerciais. Atualmente, já são mais de dois mil lockers da Amazon distribuídos por pelo menos 50 áreas metropolitanas dos Estados Unidos, em lojas de conveniência, bancos e outros pontos estratégicos, cada um operando com uma faixa-horária específica ou no modelo 24/7.
Além da Amazon, outras grandes empresas estão investindo nisso. A FedEx já possui lockers acessíveis ao público no Texas e no Tennessee, operando também no modelo 24/7, porém somente com pacotes FedEx, que podem ser mantidos nos lockers por até cinco dias antes de serem devolvidos ao remetente. A UPS também está se movimentando nesse sentido, com a instalação de 300 lockers espalhados pelo território norte-americano.
Já o maior serviço de entregas postais dos EUA, a USPS (United States Postal Service), implantou em 2012 os primeiros lockers para testes. Para utilizar o gopost, é necessário efetuar um registro para receber um cartão especial. O usuário tem uma janela de 15 dias corridos para retirar a sua encomenda antes de ela ser retornada para o embarcador.
Estima-se que o projeto piloto, formado por 13 pontos de coleta, teria poupado entre US$147 mil e US$ 634 mil em custos anuais de mão de obra. Hoje, são 27 pontos de lockers de autoatendimento operando pelo País, em lojas de conveniência, bancos e outros comércios.
O cenário das entregas na Europa
A Europa é o lugar onde você pode encontrar o maior número de lockers dentro e ao redor das estações de trem. De acordo com dados de relatório publicado pela MetroFreight, mais de 20% dos pedidos online na França têm como destino pontos de coleta localizados em postos de gasolina ou estações do metrô, disponibilizados 24 horas por dia.
Funciona assim: os consumidores recebem uma mensagem de texto informando que sua encomenda encontra-se disponível. Em consequência disso, as empresas de transporte, que antes levavam horas para entregar 50 pacotes em um complexo de apartamentos, agora podem levar algo em torno de 20 minutos depositando as encomendas diretamente nos lockers.
A gigante DHL trouxe o conceito de Packstations em 2002, sendo a pioneira a se arriscar nesse sentido. Na Alemanha, a empresa conta atualmente com aproximadamente 3,4 mil Packstations. Isso significa que na Alemanha 90% da população têm acesso a uma Packstation a uma distância de 10 minutos de caminhada. Além da DHL, a Europa abriga lockers de várias empresas de serviços logísticos, como BPost, Bring Express, Itella, Post Danmark e InPost.
Desde março de 2017, uma empresa ferroviária controlada pelo governo europeu, em uma parceria público-privada com uma rede de supermercados, implementou lockers refrigerados em algumas das principais estações de trem em Berlim, a Stuttgart e a Ostbahnhof. Outra parceria parecida foi desenvolvida para criar conveniências dentro e ao redor do trânsito dos centros urbanos.
Nesse caso, os clientes podem efetuar o pagamento da encomenda no momento em que eles solicitam o pedido online ou no momento da retirada do produto no locker.
Alguns estudos de caso envolvendo lockers
Naturalmente, nenhum sistema de lockers será uma estratégia economicamente sustentável, a menos que usuários e transportadora vejam isso como um benefício valioso. Um estudo realizado em 2017, na Suécia, buscou entender quanto os consumidores valorizavam a adoção do uso de lockers em quatro critérios: experiência emocional, interação social, impactos financeiros e funcionalidade.
O resultado comprovou que os participantes da pesquisa, que tinham entre 20 e 59 anos e já teriam utilizado esse método de entrega pelo menos uma vez, acreditam que esses critérios são essenciais para que os clientes optem por utilizar ou não lockers para receber suas encomendas.
Outro estudo realizado em 2015 na Polônia constatou que a instalação de lockers em lugares estratégicos aumenta o índice de eficiência de entregas. O estudo apontou que, comparada às entregas realizadas para cada destinatário, em um único dia, a quilometragem rodada caiu mais do que a metade, de 150 km para 70 km.
Inversamente proporcional a isso, o número de encomendas entregues em um único dia por um caminhão aumentou dez vezes, mais especificamente de 60 para 600 entregas, reduzindo significativamente as emissões de CO2 e consumo de combustível. A pesquisa mostrou que é possível, com o uso de lockers, reduzir tempo de viagem, aumentar a qualidade do serviço do transportador e o número de entregas realizadas.
Em meados de 2012, um estudo da Politecnico di Milano analisou e comparou o impacto ambiental e os custos operacionais de entregas realizadas em lockers em vez de residências em áreas urbanas e não-urbanas. O resultado: em ambos os cenários, a entrega via lockers mostrou-se o método com menores custos de operação e também o de menor impacto ambiental.
Estes são alguns exemplos que elucidam o interesse europeu em métodos de entrega alternativos. O grande sucesso dos lockers na Alemanha pode ser facilmente atribuído às altas taxas de comércio eletrônico, como também à conveniência gerada para o consumidor final com as devoluções de itens comprados online. O crescimento gradual dos lockers e pontos de coleta é esperado principalmente na Alemanha e na França, onde a estratégia está mais sólida e desenvolvida.
E no Brasil, o que temos até agora?
No Brasil, estratégias de métodos alternativos de entregas já estão surgindo. Porém, o cenário é bem diferente do Europeu (por questões relacionadas à expansão territorial, legislação e colaboração entre as próprias empresas).
Em São Paulo e Rio de Janeiro, já é possível realizar a retirada de encomendas nos lockers da Inpost desde 2017. A empresa disponibiliza armários em três tamanhos (P, M e G) de acordo com as dimensões do pedido. Outro exemplo é o da gigante varejista Via Varejo, que atua em parceria com postos de gasolina Ipiranga e também está atuando com clique e retire em São Paulo e Rio de Janeiro. A Easypost, empresa carioca e parceira de varejistas como a Decathlon, opera 20 terminais no Rio e em São Paulo, e a ideia é expandir para centenas nos próximos anos.
No varejo de moda, esse movimento tem se tornado mais significativo: empresas como Renner, Riachuelo e C&A já utilizam o sistema de clique e retire em suas lojas, usando lockers para realizar entregas dentro das lojas, nos casos de compras realizadas online.
Concluindo, podemos dizer que o papel dos lockers será definitivo para empresas que desejam implantar uma estratégia omnichannel, aliada à modalidade de clique e retire, ajudando os e-commerces a baratear os gastos nas entregas pulverizadas (sendo a última milha a parte mais cara do trajeto da encomenda até o consumidor).
Para isso, é importante investir em sistemas de integrações e automatizações, que façam com que cada pedido esteja com as informações corretas, garantindo autonomia ao consumidor no momento da retirada de cada produto.
A longo prazo, é bem provável que os maiores varejistas serão aqueles capazes de realizar entregas de qualidade em até 24 horas (ou menos!) para se manterem competitivos dentro de seus mercados visados.
Artigo publicado, originalmente, na Revista E-Commerce Brasil
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