O mercado de groceries foi um dos últimos a se aprofundar fortemente com a tecnologia ao final de sua cadeia: na sua ponta de interação com o consumidor. A indústria e a cadeia logística que o suporta obtiveram um enorme avanço tecnológico recente, porém a realização da jornada de compra em si permanecia praticamente a mesma do início do século XX – até que alguns últimos acontecimentos fizeram a mudança de rumo deste mercado.
O desenvolvimento de tecnologias, sua democratização e o fato de elas se tornarem cada vez mais amigáveis para todos os tipos de usuários fizeram com que cada vez mais as pessoas abandonassem antigos tabus e medos de se comprar virtualmente e ano a ano transferissem uma parte de seu consumo do offline para o online – e o segmento de groceries somente conseguiu abarcar a grande maioria da população com a pandemia e seu lockdown.
Por oferecer produtos fundamentais e com sua alta recorrência, a partir de 2020, o negócio foi amplamente consumido através dos canais digitais e teve avanços que foram muito mais expressivos ao acumulado das últimas décadas. Com a aceleração das vendas e a validação de que o mercado está mais do que pronto para se interrelacionar com a tecnologia para realizar suas compras regulares, os projetos do mercado também entenderam que devem ser ambiciosos.
Um mercado dinâmico, com margens apertadas e ainda muito vinculado ao apelo físico tem desafios complexos e que demandam de um projeto de tecnologia arrojado para suportá-lo de ponta a ponta. Um projeto que usa os pontos de contato físicos como meios, mas que devem ser orientados pelo tecnologia e terem como cerne a transmissão de dados – irá transformar-se de um varejista com canais de vendas digitais em um Varejo Digital-First.
Reinventar o negócio atual
A necessidade de se alterar o status quo do proceder varejista de Groceries se baseia em tabus ainda muito presentes neste mercado (perdas, extravios, sazonalidade, dificuldade, operações complexas etc.) e que com o devido controle dos processos podem ser mitigados. Uma otimização rigorosa de custos aliviará o P&L da empresa abrindo margem para que se invista em novos projetos, inovação, novos pontos, marketing e que se obtenham melhores resultados para seus controladores e colaboradores.
A reinvenção se dará pelos dados; sem o dimensionamento correto da demanda e da operação, é impossível que haja o enxugamento de desperdícios executados por empresas que buscam não perder seus postos para novos players. Este fluxo deverá ser digitalmente centralizado desde os fornecedores até o tratamento da fidelização dos clientes através de um CRM num mesmo canal; a continuidade desde dados end-to-end é o que garante sua coerência.
Atualmente os grandes players atuam com uma estratégia multichannel e os mais desenvolvidos conseguem inclusive adotar a omnicanalidade; entretanto, o fluxo de dados não é contínuo entre todas as partes e faz com que haja ilhas de informação que abrem gaps na convergência de dados – e sua confiabilidade – ao longo da cadeia.
A unificação dos sistemas (internos e para com clientes e stakeholders), sua conexão através da nuvem e uma rede com as empresas que estão na fronteira da tecnologia (Meta, Alphabet, Uber, Criteo) deixam de ser diferenciais e tornam-se pilares para implantação de um projeto de alto calibre.
A jornada de compra do shopper se assemelha com o fluxo vigente – entretanto, terá uma riqueza de dados e informações que trará uma assertividade maior para o varejista e uma percepção mais elevada ao usuário: essa jornada orientada a um fluxo híbrido entre o online e o offline prioritariamente guiada por um gadget móvel dentro do estabelecimento também terá diversos touchpoints de seu cotidiano, em que o consumidor nem terá um envolvimento direto com a marca e/ou o ato de comprar, e sim serão momentos de suporte e enriquecimento da base de dados que farão sua compra mais fluida, objetiva e agradável.
Com todo o insumo obtido, será realizada uma estratégia de sortimento cada vez mais específica em cada região atendida, tendo uma previsão da demanda mais coerente, entendendo-se um preço ótimo que o consumidor estará disposto a pagar e, por fim, fazendo com que se migre de uma estratégia clusterizada para uma estratégia personalizada. Por mais que tenhamos saído da massificação dos consumidores, o varejo tem ofertado jornadas cada vez mais individualizadas e essa demanda de um consumidor altamente exigente já está se recaindo para empresas do segmento estudado.
As novas antigas BUs
O mercado de Groceries entende que a diversificação de suas frentes faz com que se viabilize melhor o negócio e todas essas suas frentes complementares também precisam estar no fluxo digital como insumo de todo ecossistema. Além da operação como um todo precisar de se digitalizar, nos serviços financeiros, nos espaços de mídia e merchandising e na oferta B2B também são necessárias revisões e atualizações para um contexto orientado a dados e metrificado.
Somente com todo o fluxo coeso, o consumidor poderá obter benefícios como logística expressa (com entregas em menos de uma hora), suporte de personal shoppers e frota integrada – a um custo interessante para o varejista.
A digitalização de serviços financeiros – juntamente com a mineração dos dados dos clientes – fará uma otimização destes serviços, reduzindo os riscos, ao passo que se qualifica melhor o score de crédito e que orientará as demais frentes como campanhas de marketing conforme o poder e o padrão de consumo dos shoppers
As plataformas de merchandising precisam se conectar end-to-end desde a equipe dos stakeholders, os dados promocionais e de precificação nas gôndolas até a informação enviada pelos canais digitais para os consumidores, de maneira a otimizar distribuição da informação para um público que realmente deseja tais itens e tem anseio em consumi-los, gerando dados mais ricos para quem financia e não gerando atrito com os clientes finais.
Outro ponto a ser melhor explorado através da tecnologia é a receita previsível; a também chamada receita recorrente é um tópico que novos canais de venda possibilitam e viabilizam para negócios: por parte da oferta ser de produtos cíclicos com padrão de consumo estabelecido em cada casa, possibilitar a venda de assinaturas e/ou entregas regulares de produtos faz com que se haja uma lealdade – que pode ser incrementada com programas de fidelização – e que mesmo para consumo de produtos sem valor agregado evite-se uma dispersão dos consumidores entre outros players.
Cada vez mais mantendo todas as ações – desde obtenção de crédito até a compra do produto mais elementar, como o pão de cada dia – associada a um negócio, ele se tornará top of mind e terá poder de fogo para também disputar em searas com maior GMV e margens envolvidas.
Fresh start
Não somente readequar o que já existe é o que as empresas de Groceries estão buscando; a autodisrupção é algo inerente a qualquer negócio atualmente e ainda é algo que tem sido lento neste mercado; a maior parte dos grandes players, ao invés de desenvolver internamente novos avanços, optou por validar o que ganhou tração no mercado e realizar aquisições para enriquecer seu portfólio.
Entretanto, se manter somente nessa estratégia não é algo viável a longo prazo. Cada vez as grandes mudanças ocorrerão mais rapidamente e dando saltos maiores, e os consumidores estarão mais adaptados e prontos para aderir a elas, fazendo com que os pequenos players obtenham um share de mercado análogo ao que então líderes construíram ao longo de décadas. O vetor se alterará e o motor de tração será o consumidor que será o real fomentador das empresas evoluírem.
Então em projetos de tecnologia, um valor substancial deverá ser dedicado para Pesquisa & Desenvolvimento a fim de se buscar inovações antecipadamente a fenômenos que possam surgir independentes e que devem ser testadas intensivamente a partir de testes A/B para sua validação.
Concomitantemente, a estratégia de M&A não deve ser negligenciada – só não pode ser a única em voga – e um fundo específico para tal deve ser mantido pelos controladores para que haja um comitê pronto para avaliar possíveis compras no mercado e que sejam feitas antes de uma supervalorização destas empresas.
Menos discurso, mais execução
A grande maioria das empresas de Groceries se dizem Omnichannel; pouquíssimas efetivamente são. Todos os grandes players do mercado utilizam-se de buzzwords para demonstrar como avançaram suas empresas nos últimos anos; a realidade é que grande maioria da população utiliza a jornada como sempre esteve acostumada. Existem múltiplos canais digitais disponíveis; a experiência real é totalmente quebrada e desestimulante para os shoppers.
Os C-Levels que realmente querem dar um passo a mais no mercado almejam escutar mais dos seus CTOs que dos CMOs; sem desmerecimento dos últimos, mas estes já fazem um estupendo trabalho. A partir de agora, CTOs, COOs e CFOs trabalharão de mãos dadas para construir o futuro dos Groceries, pois, sem um deles, as empresas continuarão sendo mais um supermercado que utilizam tecnologia.
A união dessas frentes constituirá um projeto de tecnologia arrojado e trará o avanço real que tais companhias almejam e precisam. E, como já concretizado em outros mercados, aqueles que não cumprirem esta trilha estão fadados ao ostracismo.
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