“Minha casa não é a casa da Mãe Joana”. Nunca a expressão que define bagunça foi tão utilizada como neste ano, com a maioria das pessoas obrigadas a ficarem mais tempo em suas residências e tendo que misturar os momentos de lazer e trabalho no mesmo espaço. Outra expressão popular também foi consequência da quarentena: “olhar para o próprio umbigo”. E, no caso do consumo, isso significou notar as necessidades de mobília.
Esse lustre poderia iluminar melhor? Essa cadeira não é nada confortável? Impossível assistir à televisão em um sofá tão duro? Está faltando um quadro naquela parede? Pois é. Dúvidas como essas levaram milhões de brasileiros a fazerem alguma mudança na decoração e bem-estar de suas casas em pleno período de pandemia. A necessidade obrigou que varejistas de móveis e decoração se reinventassem para garantir a demanda, mesmo com as lojas físicas fechadas. Foi a hora e a vez do e-commerce do setor.
Pesquisa da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm) em parceria com a Konduto mostrou que o setor de móveis e decoração está entre os que mais cresceram no online durante os meses de março, abril e maio. Com 23,61% de aumento, o departamento só ficou atrás do de calçados (93,08%), bebidas (78,9%), supermercados (34,44%) e artigos esportivos (25,75%).
Para o cientista social especialista em comportamento de consumo, Roger Camargo, a explicação pode estar no desejo do brasileiro em comprar o que lhe dá mais prazer naquele momento. “Se eu estou em casa, a minha principal necessidade de momento é ficar bem, não só na questão de saúde, mas de conforto também. Já temos propensão ao consumo e daí ao sentir necessidade de dormir melhor ou de deixar a casa mais bonita, procuramos imediatamente no computador ou no celular uma maneira de sanarmos o problema. As lojas, que precisam vender pela Internet porque o comércio está fechado, aproveitam para oferecer benefícios que atraem o consumidor, seja um frete grátis, um compre um e leve outro, um parcelamento maior e daí o ciclo se completa. O consumidor quer comprar e a oferta é boa”, explica.
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E se houve esse reboliço todo no mercado, nada melhor do que falar direto com quem passou pelo “furacão coronavírus”. A empresa paulista de decoração Mod conquistou mercado. A loja nasceu no online (em 2010) e, em 2013, agregou um ponto físico para ingressar no universo omnichannel. “A ideia era essa, mas acabou que as pessoas passaram a comprar mais na loja física. Só em 2018 que o site retomou o fôlego, mas ainda assim menos do que na loja”, contou Henrique Saponi, proprietário da Mod.
A crença no e-commerce, entretanto, trouxe frutos neste ano. Com a proibição da abertura das lojas, a venda no site aumentou. “Foi uma verdadeira loucura. Eu imaginei que as nossas operações aumentariam, mas não da forma que foi. Se não tivéssemos conhecimento da plataforma digital, eu acho que seria um grande problema para a marca”, reconheceu.
Estoque próprio
Da mesma forma que o mercado de decoração foi obrigado a se digitalizar, os consumidores ficaram mais exigentes. “Ter uma experiência fluida é o que irá diferenciar um negócio do outro”. Saponi garante que, caso um de seus produtos não chegue ao cliente (e seja avisado pelos Correios), antes mesmo da devolução, ele já envia uma segunda unidade a fim de reduzir o prazo de espera. “Seria um valor que eu gastaria com marketing, mas que funciona igual ou até melhor. A pessoa entende a nossa preocupação, e as chances de fazer uma nova compra aumentam exponencialmente”.
A prática só foi possível porque a Mod optou por trabalhar com produtos em estoque, evitando modalidades de entrega como dropshipping. “Isso me dá muito mais segurança de entrega. Sem contar que, pela distância e a falta de contato com os produtos, esse tipo de negócio já tende a ser um pouco mais frio do que uma compra presencial”.
Como qualquer lojista, Saponi tem os seus desafios de logística. Segundo o proprietário da Mod, entregas no Rio de Janeiro ainda dão bastante dor-de-cabeça. “A cidade é maravilhosa e muitos dos meus melhores clientes são de lá. Mas perdi as contas da quantidade de problemas que tive ao enviar um produto. Na pandemia, tive problemas como encomendas não entregues e algumas que o cliente precisou esperar dois meses para receber”, desabafou.
Para otimizar a questão das entregas, a empresa avalia ter um centro de distribuição próprio. “Nós usamos o espaço da loja para isso, mas o aumento da demanda nos obrigou a revisar esse ponto. No caso da decoração, os produtos têm tamanhos distintos, assim como embalagens. Por isso queremos reunir tudo em um único lugar para otimizar o tempo”, finalizou.
Contato com o cliente ajudou também no online
E esse aprendizado da Mod parece não ser uma exclusividade. A Desmobília, por exemplo, é uma empresa de móveis fundada em 1999, que se lançou no mercado digital em 2000. “Começamos como um catálogo de produtos virtual, e evoluímos com o passar dos anos. Toda essa experiência nos fez entender a importância da parceria entre loja física e e-commerce”, afirma João Livoti, diretor da empresa. Com o fechamento das lojas na pandemia (a Desmobília possui duas unidades em São Paulo), o faturamento inicialmente caiu 30%. Porém, nos meses seguintes, a empresa retomou o gás, incrementando em 50% as vendas no online.
Segundo João, o sucesso no e-commerce da empresa é reflexo de um trabalho constante de contato com o cliente. A maior (e melhor) ferramenta de marketing da Desmobília é a sua newsletter, que sai duas vezes na semana para os clientes cadastrados. “Há mais de dez anos, mantemos esse formato de contato com o nosso público. Com certeza é o que melhor funciona, pois é uma maneira de mudarmos nossa vitrine, assim como expor nossas novidades”, afirma João. Ele também utiliza muito o WhatsApp como meio de comunicação – aplicativo que já substituiu o chat do e-commerce da loja.
Além da newsletter e do WhatsApp, outros dois canais são indispensáveis à Desmobília: Instagram e Pinterest. “Já passamos por todas as dificuldades que se pode imaginar ao longo desses 20 anos. A pior delas sem dúvidas é prever ou antecipar a nova tendência de mercado e ver se é possível implantá-la em nosso serviço. Nesse ponto, essas ferramentas contribuem bastante nas estratégias”, garante. Diferentemente da Mod, que reserva uma certa quantidade de produtos para a venda em marketplaces (B2W, no caso), a Desmobília preserva as vendas apenas em canais próprios. “Essa foi uma escolha pessoal. Optamos por crescer devagar, porém com as nossas próprias pernas”, disse.
João teve algumas questões de atrasos durante a pandemia, mas em pontos bastante específicos. Uma estratégia interessante que a empresa fez para alavancar as vendas em São Paulo – além de uma forma de recompensa aos clientes paulistas – foi adotar frete grátis para os compradores da capital. “Foi um ponto importante no incremento que tivemos na venda de móveis. Como isso era possível pra gente, não pensamos duas vezes em oferecer, o que acabou conquistando novos consumidores”.
Nesse boom de vendas, ele destaca que produtos produzidos com madeira de reúso foram os que tiveram maior giro. Já em relação ao pós-pandemia, João é direto: “Eu vejo o mercado digital com muito otimismo, pois os clientes passaram muito mais tempo nas redes durante a quarentena. A compra de móveis teve um aumento significativo, e um novo consumo surgiu nessa crise”.
A opinião se assemelha com a de Olívia Jock, sócia-proprietária da Casaquetem, loja de produtos de decoração que já nasceu no digital. Segundo ela, o período incrementou as vendas da empresa em cerca de 30%. Talvez pela busca de positividade, os produtos de decoração mais adquiridos foram justamente quadros, placas e azulejos com temas de inspiração para os ambientes. “Eles sempre foram os nossos queridinhos, mas nessa pandemia a busca aumentou consideravelmente”.
Assim como ocorre na Desmobília, a Casaquetem ainda opta por não vender produtos em marketplaces. Nesse caso, o motivo fica pelo atendimento mais pessoal, assim como o grande trabalho de curadoria de produtos. “Em nosso site, temos todo esse cuidado com a produção de conteúdo. Outro ponto é que muitos produtos são produzidos com exclusividade ou em baixa quantidade, o que inviabiliza esse tipo de venda também”, explica Jock.
Quando tudo passar…
Assim como as outras empresas, a Casaquetem visa a manter a alta demanda conquistada na quarentena quando a pandemia passar. Durante a crise, aliás, muitos dos conteúdos foram criados de acordo com os dados fornecidos pelos órgãos de saúde e governo do estado. “A criação de conteúdos de forma estratégica teve enorme importância para nós. É preciso estar próximo do cliente, assim como fidelizar essa pessoa que passou a comprar online agora. Se havia algum receio de adquirir por um e-commerce, ele acabou com a chegada do novo consumo”, conclui a lojista.
Por Giuliano Gonçalves e Gustavo Freitas, da Redação do E-Commerce Brasil