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Acessibilidade digital dando seus primeiros passos

Por: Helena Canhoni

Jornalista

Bacharel em Comunicação Social pela ESPM. Experiência em tráfego pago, cobertura de eventos, planejamento de marketing e mídias sociais.

Homem em cadeira de rodas navegando em sites de e-commerce
Imagem: reprodução

De acordo com pesquisa do Movimento Web, 15 dos sites de e-commerce mais acessados no Brasil não fornecem uma navegação acessível para pessoas com deficiência. Fabíola Calixto, fundadora da Alavanka Digital e especialista em acessibilidade digital, respondeu algumas perguntas e trouxe recomendações sobre como fomentar a melhora neste mercado para o mundo digital. 

Sendo a realidade de mais de 18 milhões de brasileiros, a acessibilidade digital precisa estar listada como uma das prioridades para as empresas. Considerada como uma oportunidade e uma necessidade simultaneamente, tornar o varejo online acessível precisa ser uma discussão tão profunda quanto o boom da inteligência artificial

ECBR: Atualmente, falamos de acessibilidade digital no e-commerce, mas não necessariamente a estamos aplicando da melhor forma possível. Qual é a realidade atual do mercado?

Calixto: A gente está engatinhando ainda quando o assunto é acessibilidade. É um assunto que eu gosto bastante, já estou nessa área há mais de doze anos e, na web como um todo, é possível inserir a acessibilidade digital. Existe uma pesquisa, do Movimento Web com a BigDataCorp, que diz que menos de 1% de todos os sites são acessíveis, isso mostra que estamos  engatinhando quando o assunto é o acesso.

Tem muito trabalho a ser feito e os profissionais têm essa responsabilidade. Todos que disponibilizam conteúdo na rede, desenvolvedores, designers ou até jornalistas precisam ter essa responsabilidade e muitas vezes falta a conscientização. Há uma falta de conhecimento, não sabem da importância, ou acreditam que o público que acesa aquele site não precisa de acessibilidade. 

Eu tenho plantado a semente há muito tempo, por parte das empresas tanto públicas quanto estatais, mas ainda temos muito trabalho para ser feito, a realidade é essa. Hoje já existem leis que o governo tem aplicado, a própria lei brasileira de inclusão – Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015. Existe um artigo específico que detalha que todas as empresas, sejam públicas ou privadas, têm a obrigatoriedade de tornar seus ambientes web acessíveis para o maior número de pessoas e se isso não for atendido elas podem ser notificadas pelo ministério público para se adequar. 

No caso do e-commerce, para pessoas que têm alguma dificuldade ou limitação e se sentiram prejudicadas ao tentar fazer uma compra elas podem denunciar a empresa e isso acaba saindo muito mais caro para as companhias. A adequação é mais barata do que uma multa, por exemplo.

ECBR: No Brasil existem 18,6 milhões de pessoas com deficiência, quais são os principais obstáculos que as compras, e até mesmo a busca online, apresentam? 

Calixto: De acordo com o censo atualizado do IBGE, de 2022, temos 18,6 milhões de pessoas com deficiência, o que equivale a 8,9% da população que precisa acessar esses ambientes digitais. Uma das principais barreiras, é a descrição de imagem – ainda mais no e-commerce que é feito por imagens –, então quando não se coloca descrição (textos alternativos) um leitor de telas, por exemplo, vai ler somente o código para aquele usuário. 

Outra barreira é a navegação por teclado. Se um site é acessível por teclado, ele é acessível para o maior número de deficiências; uma pessoa com deficiência visual, por exemplo, não utiliza o mouse para navegar, somente o teclado. Então se um site é acessível para a pessoa que navega por teclado ele acaba sendo acessível por grande parte dos recursos de tecnologia assistiva. E essa navegação é uma das grandes dificuldades, não só no e-commerce, mas nos sites como um todo, porque eu preciso deixar o site adaptado, com linguagem e semântica corretas, para que ele seja navegável por teclado.

Além disso, os headings ou os cabeçalhos muitas vezes não são marcados das maneiras corretas. É similar ao sumário de um livro, se o desenvolvedor ou designer não colocou a tabulação correta o usuário não vai conseguir navegar por teclado; existe toda uma marcação, no título de uma notícia ou em uma descrição de produto, é tudo sequencial. Assim como tem o título, subtítulo e assim vai descendo, na navegação por teclado também é assim, se não tiver sido organizado o usuário não consegue navegar. 

Também tem a falta dos recursos em libras, o avatar de tradução automática com inteligência artificial, é algo que dificilmente você encontra no e-commerce hoje. Acesso à área de suporte, seja um chat, um telefone, essas informações acabam sendo um grande problema e impactam todo mundo, não só a pessoa com deficiência, mas o idoso, qualquer pessoa que precisa das informações rápidas. Outra questão é a ampliação do zoom, tem pessoas com baixa visão e essa ampliação é um problema porque o e-commerce muitas vezes não disponibiliza esse conteúdo e acaba desconfigurando o site. 

Há ainda problemas como o menu, que dá acesso a outras partes do site, mas não é necessariamente acessível com as tecnologias assistivas; o campo de busca, os filtros dificultam que os usuários encontrem as informações; e até mesmo, a finalização de compra, excluindo produtos do carrinho ou trocando itens.

Os recursos muitas vezes não foram adaptados para funcionar com o leitor de telas ou navegação por teclado, alguns botões podem acabar não funcionando também e até mesmo formulários ficam inacessíveis. Tudo isso acaba impactando o fluxo de uma compra do início ao fim, que vai desde a seleção dos produtos até a finalização e consequentemente o pagamento. Muitas vezes a pessoa precisa de ajuda de um vidente e o objetivo da acessibilidade é fornecer autonomia para as pessoas, esses recursos todos foram criados para que as pessoas possam desempenhar suas atividades de uma forma justa. 

Para as empresas que têm esse olhar, acaba sendo uma oportunidade, porque as pessoas também têm poder aquisitivo. A acessibilidade é uma oportunidade de negócio, não só no marketing de causa, mas como estratégia de negócio, se um site é mais acessível ela acaba fidelizando o usuário e o estimulando a voltar. 

ECBR: De que maneira, as marcas podem assumir um papel mais protagonista para re-desenhar esse mercado? Quais ações podem ser estruturadas? Há alguma empresa ou site que você usaria como referência? 

Calixto: Eu não gosto de fazer propaganda de nenhum site, porque já aconteceu de entrar no site e estar super acessível, mas de repente muda quem preenche o conteúdo e do dia para a noite uma série de barreiras são geradas. A web é muito dinâmica, todos os dias nos sites de notícias e até e-commerces, você tem pessoas atualizando e se a equipe não for capacitada a acessibilidade pode se perder. 

Primeiro, além das ferramentas, precisamos identificar quais são os problemas. É um processo de auditoria, as empresas precisam fazer uma avaliação para identificar em que ponto elas estão e para onde podem ir. Depois de uma análise mais técnica, é importante que seja feita uma avaliação manual desse site, até mesmo por um usuário com deficiência, porque hoje as ferramentas automáticas não conseguem identificar todos os problemas. Ainda não é possível substituir a avaliação humana por uma automatizada na questão de acessibilidade. A ferramenta pode até dizer que há descrição de imagem e portanto é acessível, mas a descrição não necessariamente está adequada. 

A partir desse diagnóstico manual e automático, eu posso iniciar os ajustes e é aqui que se inicia um processo de acessibilização. Existe todo um caminho de análise, ajustes, e é claro que a capacitação da equipe faz parte do processo. Não adianta fazer os ajustes e adaptar o ambiente, se quem presta a manutenção não têm conhecimento sobre a acessibilidade. A capacitação técnica é muito importante para manter o site acessível.  

ECBR: É possível mensurar qual o custo para tornar uma plataforma acessível? O quanto do orçamento anual de uma empresa de e-commerce deveria ser direcionado à acessibilidade?

Calixto: Cada caso é um caso, eu posso dizer que é mais barato do que pagar um processo judicial. Acaba sendo muito mais barato eu cuidar da imagem da minha empresa, evitar uma denúncia no ministério público, do que economizar no caso da acessibilidade. Como cada e-commerce tem sua dimensão, eu posso trabalhar com um site mundial ou um pequeno, é difícil mensurar já que cada empresa tem a sua realidade financeira. Em números, é mais barato do que atuar no processo depois que o problema se expandiu. 

ECBR: A educação sobre acessibilidade digital ainda não alcançou os níveis necessários; há algum conselho para as pessoas, ou até mesmo para as empresas, de como fomentar o debate sobre esse cenário?

Calixto: Tudo começa na conscientização. A partir do momento que o profissional entende que aquilo é importante e se torna uma oportunidade de negócio, eles vão buscar trazer isso para a empresa. A educação transforma mentes e isso é feito por um processo de conscientização, conversa, dados, resultados e até mesmo cases de sucesso. Hoje o cenário mudou um pouco, as universidades já têm disciplinas sobre isso, capacitando os profissionais que futuramente vão para esses ambientes. Tudo começa nessa base educacional.

ECBR: Cada vez mais, as pessoas debatem o crescimento do e-commerce e a quebra do ambiente físico em favor do digital. Como podemos transformar isso em uma realidade, verdadeiramente acessível, para todas as pessoas? 

Calixto: Não é mais uma questão de responsabilidade social, já existe essa realidade; é muito mais prático acessar um site do que ir até o shopping. As empresas precisam entender sobre a importância, não só para os consumidores, mas para os negócios em si, é uma oportunidade. Com um site mais acessível, elas podem expandir o alcance, melhorar a satisfação do cliente e até se destacar no mercado competitivo. A acessibilidade deve ser vista como um investimento para o futuro do e-commerce

Além disso, é necessário enxergar os números. Quando eu falo de acessibilidade não são somente as pessoas com deficiência, são idosos e outros consumidores que se beneficiam ao navegar por um site mais simples. Quando eu pego o WCAG (Web Content Accessibility Guidelines), todos os cuidados são pensados, seja para uma pessoa com uma internet mais lenta, dificuldade de leitura ou até mesmo baixo letramento, e isso traz um público muito maior. No meu ponto de vista, a acessibilidade é uma tendência futura e ela precisa ser parte do cenário mercadológico tanto quanto a inteligência artificial, por exemplo.

ECBR: Quais são as principais tendências de acessibilidade digital para os próximos anos?

Calixto: A tendência é isso, estamos em uma fase que a inteligência artificial tem estado em alta e ela é essencial para melhorar a acessibilidade. As ferramentas de tecnologia assistivas também incluem a IA, os leitores de libras, por exemplo, possuem os recursos da inteligência artificial. A integração com as tecnologias de apoio ao usuário precisam aparecer nos investimentos das empresas e na capacitação das equipes para entender como implementar tudo isso.

A tendência é estar antenado e ver a acessibilidade como uma oportunidade de negócios.