Dados, integração da jornada do cliente e atendimento multicanal são alguns termos que estão ganhando cada dia mais espaço na agenda dos profissionais de marketing. Não se trata apenas de buzzwords, mas de conceitos que, na prática, têm representado grandes desafios para as empresas e serão fundamentais para o futuro do relacionamento com os clientes.
O diretor executivo de marketing e clientes da RaiaDrogasil, Vitor Bertoncini, lembra que o relacionamento entre marcas e clientes, independente do canal escolhido, já é algo nativo em empresas que já nascem digitais. Elas conseguem identificar onde o cliente está e organizar seus indicadores com uma visão mais integrada.
“Em empresas mais antigas isso é um pouco mais complicado. Elas contam com canais criados em diferentes épocas e com diferentes tecnologias e bancos de dados. Integrar tudo isso é um desafio”, afirma, citando a própria RaiaDrogasil, com 126 anos e 1,5 mil pontos de venda, como exemplo.
Para realizar esta integração, a companhia tem mantido seu foco em duas frentes. A primeira é tecnologia. Um dos primeiros projetos liderados por Bertoncini saber que as informações do cliente estão, de fato, em todos os canais, foi a criação de um algoritmo de deduplicação do cliente, que permite aos diferentes canais da RaiaDrogasil ter uma visão única e saber onde ele está, independente do ponto de contato utilizado.
“Nem todo ponto de contato faz a mesma identificação, por isso eu preciso saber que o CPF conversa com o e-mail, que conversa com o celular etc. É preciso fazer uma combinação para que eu saiba que o cliente é o cliente aqui, na loja, no celular ou no site. Há um pouquinho de trabalho de jornada e é bem complexo”, revela.
A segunda frente, que o executivo considera a principal, é a cultura. Bertoncini lembra que a empresa que é incumbente não necessariamente conta com métricas voltadas para o consumidor, para o canal ou para a categoria de produto. “Tivemos que trabalhar e criar métricas para o consumidor muito fortes e conectar essas métricas com os incentivos”, explica.
Com isso, a principal transformação cultural criada dentro da RaiaDrogasil partiu do mapeamento do cliente em todas as jornadas e do entendimento do lifetime value dele, que foi transformado em meta corporativa a ser cumprida do estagiário ao presidente da empresa e é, hoje, o principal elemento de bônus. “Foi um trabalho muito forte entre tecnologia e cultura para que a gente conseguisse entender o cliente em todas as suas jornadas”, diz.
O trabalho é forte e necessário. O head de growth da C&A Brasil, Natano Mattos, afirma que toda e qualquer ação a ser tomada por uma empresa tem que partir do cliente e entender o que ele quer, onde ele está e em que momento ele quer ser abordado, entre outras coisas. “Se a gente entender o cliente e acompanhá-lo, vamos mandar a mensagem ideal para ele”, diz.
Assim como Bertoncini, Mattos acredita que a cultura é hoje o principal desafio a ser enfrentado pelas estruturas corporativas. É preciso incutir essa cultura em cada colaborador, seja o presidente, seja o atendente da loja. “Essa pessoa tem que estar pensando em como fazer mais e melhor, gastando menos recursos. Se combinarmos isso com a cultura do cliente no centro, a gente está indo pelo bom caminho”, afirma.
É um caminho que vem sendo seguido também pela SAP. O CMO (Chief Marketing Officer) da empresa no Brasil, Gustavo Segre, defende que o movimento de criação de cultura deve usar a experiência do cliente e ferramentas digitais para ações como gerenciamento de contatos, abordagem onde ele estiver e criação de visão única do que está sendo consumido. “Vimos muito disso durante a pandemia. Como as pessoas não estavam mais na rua, os canais físicos foram interrompidos e a multicanalidade estava lá para atender o cliente onde ele estivesse.
Muitas empresas melhoraram suas operações online para entregar a promessa”, diz.
O WhatsApp como ferramenta de comunicação
Apesar da digitalização da relação entre empresas e clientes, as lojas físicas permanecem fundamentais. A rede RaiaDrogasil, por exemplo, conta hoje com cerca de 2,5 mil lojas e NPS (Net Promoter Score) de 89%, o que significa que os clientes estão satisfeitos por frequentar as lojas. Para não deixar de lado esse diferencial, o processo de digitalização da rede, iniciado em 2018, começou por transformar as lojas em pontos de retirada de produtos comprados online.
Com a chegada da pandemia, novas ações foram adotadas para ajudar os clientes que ainda não estavam acostumados ao e-commerce e, segundo Bertoncini, elas transformaram bastante as lojas. A primeira delas foi adaptar o aplicativo – que já existia para uso dentro da loja – para que fosse utilizado também fora. Somente no [último ano e meio o aplicativo foi baixado teve 16 milhões de downloads, 85% deles feitos na loja, com a ajuda dos atendentes.
A segunda foi ativar o WhatsApp como canal de vendas. “Conseguimos fazer isso muito rapidamente, criando um WhatsApp para cada loja. O que já era um hub de entrega passou a ser também um hub de relacionamento”, lembra. Com isso, o WhatsApp da loja passou a ser operado pelos mesmos atendentes responsáveis pela relação com os clientes na loja, levando para o digital relações que já existiam no mundo físico.
Com o fim da pandemia, as lojas da rede continuam em transformação. “Fomos entendendo ao longo do tempo que a loja é um hub de conveniência e relacionamento. O cliente tem muito mais vínculo com as pessoas da loja do que com as marcas de farmácia. Então usamos a tecnologia para fortalecer esse vínculo, permitindo que o cliente troque informações com seus atendentes”, explica Bertoncini.
O WhatsApp também tem funcionado como canal de relacionamento na C&A Brasil. De acordo com Mattos, isso é importante porque permite que os canais de complementem, atendendo o cliente quando ele quiser. “O WhatsApp também foi usado na C&A. Nós o colocamos na mão do atendente de loja, que é quem conhece melhor o cliente e seus desejos. Não colocamos robô porque a interação humana é importante nesse momento, o atendente consegue fazer uma entrega qualificada e isso faz muita diferença na venda”, defende.
O desafio de integrar dados
O uso de diferentes canais de comunicação, como o WhatsApp e os sites de e-commerce, traz um desafio adicional para as áreas de marketing. Com diferentes fontes, cabe às empresas definir como coletar, armazenar e integrar estes dados. “A dificuldade está em como obter o dado do contato, seja um cliente atual ou um cliente em prospecção, e como colocar isso em operação, obtendo o dado respeitando a LGPD, manter e proteger esses dados e, depois, consolidar esses dados em todos esses canais para que operem como um time”, reforça Segre.
O CMO da SAP Brasil lembra que 80% das empresas não conseguem fazer a consolidação desses dados, o que é fundamental para que todos os canais possam trabalhar de forma integrada. “No momento em que consigo fazer a consolidação dos dados, é possível ter uma operação de marketing usando todas as informações nos diversos canais e fazendo campanhas de forma integrada”, afirma.
A primeira ação tomada pela RaiaDrogasil nesse sentido foi a criação de uma área de CX (Customer Experience) na empresa. Bertoncini lembra que ao invés de descobrir como vender mais fraldas – foco do marketing tradicional – uma das funções da área era entender com é a vida de pais e mães e, com isso, encontrar oportunidades na oferta de serviços que nunca foram fornecidos antes ou em gaps na experiência dos clientes.
“A área passou a olhar a jornada ampla do consumidor e não só isso. Ela se envolve também na comunicação, em como fazer o go to market, em como explicar ao consumidor coisas que não fazíamos antes, como oferecer vacinas. E faz isso com tato, de dentro para fora da empresa”, explica.
Esse processo é fundamental também para a criação de KPIs. Segre lembra que, até há alguns anos, a única métrica utilizada era o volume de vendas. “Hoje em dia, com todos esses interlocutores e essa movimentação que o digital traz, temos outros elementos para medir diferentes KPIs”, diz. Atualmente é possível medir tráfego de loja, carrinho abandonado, ticket médio e outras métricas, oferecendo para a equipe de marketing um blend de atividades que permite medir e direcionar melhor a operação.
Para o CMO, isso representa uma transformação gigantesca na relação entre a empresa e seus clientes. “O envio de notas fiscais eletrônicas, por exemplo, vem acompanhado de ofertas baseadas em histórico e perfil ou de créditos para utilizar em um período próximo. É um movimento que leva da loja física para a compra online. A tecnologia permite utilizar um indicador em favor do outro, um canal alavancando outro”, compara, lembrando que isso oferece mais opções ao cliente, traz sustentabilidade e ajuda a marca a fazer convergência de vários canais.
Nesse sentido, Mattos cita o exemplo das live shops que a C&A Brasil vem testando. “É um modelo ainda raro por aqui, mas é uma nova forma de levar informações de moda para o cliente. É um beta constante e continuamos na evolução”, diz.
A evolução e os testes continuam também no que Bertoncini chama de mundo da farmácia. Muitos deles estimulados por novos conceitos, como o de que a saúde, hoje, é algo muito mais amplo do que a simples ausência de doenças. O consumidor começa a ver a saúde maneira integral e esse olhar precisa ser capturado pelas farmácias.
É com esse olhar que a RaiaDrogasil prepara para um futuro próximo o lançamento de lojas com predominância de saúde e digital, ou o que ela chama de nova farmácia. Trata-se de uma farmácia mais voltada para saúde digital que vai se integrar ao marketplace, já lançado pela rede, e a uma plataforma de conteúdo, que tende a se transformar em um marketplace de profissionais de saúde preventiva. “Tudo isso integrando dados, gerando valor para o consumidor e fazendo com que ele se integre, gerando mais dados”, diz.
Para Segre, este movimento apresenta um diferencial em relação às empresas nativas digitais, já que agrega o legado de valor de marca, presença e relacionamento das empresas tradicionais. “Com tantos players digitais chegando, estamos vendo as empresas tradicionais acompanharem tudo o que o digital tem a oferecer e não ficarem acanhadas. Elas têm esses valores e esse legado a seu favor”, diz.
Assista todo o conteúdo na íntegra, e explore mais a iníciativa de geração de valor através de dados.
Leia também: Integração de dados on-line e off-line é tendência global