Durante a crise, as micro e pequenas empresas devem ficar mais atentas às armadilhas dos “exterminadores do futuro” infiltrados nas áreas fiscais da União, de Estados e de municípios. O alerta é do presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos.
Em busca de aumentar a arrecadação, eles criam regras impossíveis de serem cumpridas por empresas de menor porte, afirma Afif.
Ele se refere a medidas como o convênio 93 do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), que criou novas regras para o recolhimento de ICMS na venda ao consumidor final de produtos destinados a Estados diferentes dos de origem das empresas. A regra atinge principalmente o comércio eletrônico.
A regulamentação exige, logo após cada venda, o cálculo do valor do imposto devido aos Estados de origem e de destino, a emissão de uma guia de pagamento para cada um deles e sua efetivação antes de enviar o produto.
Até o ano passado, o ICMS era pago apenas uma vez ao mês e todo ele era destinado ao Estado de origem.
Empresários reclamam que a resolução aumentou a burocracia e seus custos. “Essa norma precisa ser suspensa imediatamente”, diz Afif.
Folha – Como as micro e pequenas empresas estão se comportando nesta crise?
Guilherme Afif Domingos – Elas encerraram o ano com um saldo negativo de 224 mil empregos. Até novembro, elas ainda mantinham um saldo positivo de 60 mil vagas, mas dezembro foi um mês de forte desemprego.
Por quê?
O setor enfrentou problemas de capital de giro. Os bancos reduziram a oferta de crédito nos três últimos meses do ano para fugir do risco. Mas esse é um problema que esperamos reduzir com o pacote de crédito, anunciado em janeiro pelo governo.
A Câmara aprovou, em2015, a ampliação do teto de faturamento para empresas se enquadrarem no Simples, mas ela precisa passar pelo Senado. Qual é a sua expectativa?
No Senado, o projeto passou pela Comissão de Assuntos Econômicos e foi para o plenário, que aprovou urgência para votação. Ele está na pauta prioritária do Senado.
A Receita diz que a medida resultará numa renúncia fiscal de R$ 11,4 bilhões. O sr. discorda desse número. Porquê?
Pelos nossos cálculos, a renúncia fiscal seria da ordem de R$ 5 bilhões por ano. Mas, se o segmento crescer 5%, essas perdas se anulam. À medida que você cria um sistema mais amigável, você aumenta a formalização e atinge um índice de crescimento superior a 5%. Quando todos pagam menos, o governo arrecada mais.
Como o governo vem se posicionando em relação à medida, considerando as dificuldades para fechar suas contas?
Por causa desse contexto, vamos resolver primeiro a questão do crédito. Temos de garantir o oxigênio para atravessar o primeiro semestre.
Então o sr. considera que a mudança no Simples será discutida mais para frente?
Sim, à medida que a economia melhore. Ou ela pode ser vista como um remédio para uma crise aguda, embora só vigore no ano seguinte. Neste momento, temos de estar muito atentos à ação dos exterminadores do futuro.
Quem são eles?
São as áreas fiscais da União, de Estados e de municípios. Em sua sanha arre-cadatória, elas criam regras tributárias que atropelam a Constituição e a lei.
O sr. se refere às mudanças nas regras do ICMS?
Isso é de uma irracionalidade imensa. Essas mudanças são um caso típico disso e levaram a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], em parceria conosco e outras entidades, a ajuizar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para afastar os efeitos nefastos dessa convenção sobre as empresas doSimples. Para você ter uma ideia, uma empresa é fechada por minuto no comércio eletrônico como efeito dessa convenção do Confaz que entrou em vigor no dia 1º de janeiro.
Por que não se considerou esse ponto no momento da edição do convênio?
O Confaz mirou a Americanas.com e esqueceu que 70% das empresas do comércio eletrônico são do Simples, mesmo que representem só 20% do faturamento do setor. Colocou exigências que são fulminadoras da existência dessas empresas. A firma, quando vai vender para outro Estado, agora tem de emitir a nota fiscal no Estado de origem e emitir duas guias de recolhimento —uma para o Estado de origem e outra para o de destino. Como o empresário vai fazer o recolhimento de todas essas guias, seguindo as regras de cada Estado, pagando no banco em que cada Estado determina?
Esse trâmite é inviável para micro e pequenas empresas?
Elas deveriam estar fora disso, pois a Constituição exige um tratamento diferenciado. Para as demais, era só criar um sistema de compensação com anota fiscal eletrônica. Você recolheria em um ponto só e faria o rateio entre os outros Estados. Pronto, é racional. Mas não há racionalidade na cabeça deles, eles querem arrecadar por todos os lados. Mas sabe qual será o resultado? Eles não vão arrecadar nada da micro e da pequena empresa. Das grandes, não vão arrecadar 40% do que previam, pois o volume de vendas vai cair com toda essa burocracia.
Fonte: Folha de S.Paulo