Disputa entre bancos de grande porte e fintechs em torno de consulta pública do Banco Central (BC) com o objetivo de criar um teto para tarifas de intercâmbio dos cartões pré-pagos tem se acirrado, com as duas partes pressionando a autoridade monetária em direções opostas enquanto a autarquia enfrenta entraves que alongaram o processo de decisão.
Com uso maciço desse modelo de cartão nas contas digitais gratuitas, fintechs alegam que a medida provocaria uma perda de receitas que inviabilizaria o modelo de negócios do setor e levaria a uma elevação das cobranças sobre consumidores, com consequente golpe no processo de inclusão financeira no país.
Já as instituições tradicionais, com maior participação nos cartões de débito, que já têm um teto para a tarifa, apoiam a proposta do BC e cobram isonomia de tratamento.
A tarifa de intercâmbio (TIC) é um percentual do valor da compra, definido pelas companhias das bandeiras, que é repassado pela empresa da “maquininha” do cartão (credenciadora) à instituição financeira emissora do cartão.
Para os cartões de débito, necessariamente vinculados a uma conta corrente em um banco, o BC determina que a tarifa máxima seja de 0,8%, desde que a média das cobranças não ultrapasse 0,5%.
Na regra atual, não há teto para a tarifa dos cartões pré-pagos, que tiveram crescimento expressivo da participação de mercado nos últimos anos com uso em contas digitais. A tarifa média por operação nessa modalidade supera 1%.
O BC fez a consulta pública no fim do ano passado e ainda não tomou uma decisão final sobre a medida. A minuta proposta define um teto de 0,5% da TIC, válido tanto para os cartões de débito quanto para os pré-pagos.
Estudo produzido pela Zetta, associação que representa fintechs como Nubank e Mercado Pago, afirma que se o teto para tarifas estivesse valendo em 2021, os clientes dessas instituições teriam pagado R$ 24 bilhões a mais em serviços cobrados.
O argumento, que toma por hipótese um teto de 0,6%, próximo ao proposto pelo BC, é que as perdas de receita com a tarifa de intercâmbio precisariam ser repassadas aos consumidores.
O presidente da Zetta, Bruno Magrani, afirmou que as fintechs dificilmente conseguiriam compensar essas perdas de outras formas porque a regulação do BC para contas digitais e instituições de pagamento limita os serviços que podem ser oferecidos e as formas de aplicação do dinheiro depositado pelos clientes nas contas pré-pagas.
Magrani disse ainda que o perfil de uso dos cartões pré-pagos tem uma média de valor mais baixo nas operações, em comparação com o débito. Por isso, segundo ele, esse tipo de cliente pode deixar de ser rentável para o setor financeiro caso a regra entre em vigor.
“O modelo de negócios das fintechs, que aumentou a competitividade do setor financeiro, está calcado na receita da tarifa de intercâmbio do cartão pré-pago”, afirmou. “Os produtos, na prática, são diferentes e atendem a públicos diferentes”.
O diretor executivo de Inovação, Produtos e Serviços Bancários da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Leandro Vilain, disse que a entidade apresentou posicionamento favorável à proposta do BC, embora seja contra tabelamentos de preços.
“Na ótica do cliente, o produto é o mesmo, você coloca seu dinheiro em uma instituição financeira, tem uma senha e vai usar na maquininha para fazer transação”, afirmou.
“Tabelamento de preços, por princípio, é ruim. Agora, já que foi feito, que pelo menos valha para todos, defendemos isonomia da regra para a mesma natureza de serviço.”
Segundo ele, o teto também atingirá de certa forma os bancos de grande porte porque alguns conglomerados têm instituições de pagamento que usam as contas digitais com cartões pré-pagos.
Fatores atípicos acabaram alongando o processo de implementação da medida no BC. Além da greve de servidores do órgão, que atrasou procedimentos, o diretor que era responsável pelo projeto, João Manoel Pinho de Mello, deixou o posto em fevereiro. Em seu lugar, Renato Gomes tomou posse na diretoria de Organização do Sistema Financeiro e Resolução em abril deste ano.
Modalidade em expansão
A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) disse, por meio de nota, ser contra tabelamentos, defendendo que o mercado se autoajuste.
“A imposição de um teto de preço geralmente restringe a inovação e pode gerar custos ao consumidor”, disse.
Segundo a Abecs, os cartões pré-pagos movimentaram R$ 44,6 bilhões no primeiro trimestre deste ano, valor 148% maior do que no mesmo período de 2021.
Por outro lado, o valor médio por operação nos cartões pré-pagos é mais baixo. No primeiro trimestre, essas operações representaram 5,9% do montante transacionado por cartões no país – este número também considera os cartões de crédito.
O Banco Central informou à Reuters que a área técnica continua analisando contribuições apresentadas à consulta pública e está trabalhando na proposta normativa, que será submetida em breve à diretoria colegiada do órgão.
Das 58 sugestões apresentadas ao BC, 23 são de associações do setor. Mesmo após o encerramento dessas participações, a autarquia informou que tem mantido interlocução intensa com o mercado.
A autoridade monetária não especificou o prazo para formalização da medida ou se fará ajustes à proposta original.
Este não é o primeiro episódio em que medida do BC coloca em lados opostos as instituições tradicionais e os bancos digitais. Em março, o anúncio de regras de capital mais exigentes para instituições de pagamentos desagradou fintechs, mas foram elogiadas pela Febraban.
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Fonte: Reuters, via Money Times