Conversamos com os especialistas em marketplace Alexandre Nogueira, CEO e fundador da Universidade Marketplaces, e Raul Prado, palestrante, professor e fundador da Lojas Mineiras. Nossa ideia central foi a de entender o cenário dos marketplaces hoje e trazer insights e dicas para lojistas sobre esse universo — que conta com mais de 84% sellers digitais brasileiros e prevê um crescimento de 54% neste ano.
Interessante saber que, para Nogueira, o Brasil nunca esteve num momento tão bom com relação à venda nessas plataformas, com os canais crescendo cada vez mais. E muito disso, segundo ele, é fruto dos esforços dos marketplaces em estimular a profissionalização dos lojistas. “Há um esforço para que, em todos os canais, os vendedores se profissionalizem e busquem melhores soluções fiscais”, disse.
Como consequência disso, ele diz que é perceptível um movimento muito forte de lucro real dentro das plataformas para acabar com as múltiplas empresas, com múltiplos CNPJ. Ainda assim, esse tem sido um dos pontos mais desafiadores para os sellers, já que houve um ajuste muito grande de custo em todos os tipos de produtos. “Tem matéria prima que até agora não voltou ao preço normal de antes da pandemia. E, claro, nos marketplaces há políticas defasadas em relação a isso. Por exemplo, a gente ainda tem regras do frete grátis, cada canal com a sua. Num geral, percebo algumas plataformas com valores mais travados, como nos casos de Mercado Livre e Magalu, por exemplo. São políticas que existem desde antes da pandemia, e os preços dos produtos hoje já não são mais os mesmos”.
Para Nogueira, isso faz com que os sellers apertem cada vez mais a margem de lucro para não passar para o frete grátis em alguns itens. “Dependendo do produto, o valor embutido no frete grátis fica muito alto. Pra mim, o valor de frete grátis poderia ser ajustado para a partir de R$ 99, pois estaríamos acompanhando a inflação”.
Dentro do marketplace da Amazon, segundo Nogueira, o selo Prime por enquanto ainda subsidia os custos, mas enquanto o produto for leve. “Quem trabalha bem nas categorias de pesados hoje é a Magalu, com frete próprio. Ainda assim, a Amazon tem o melhor preço de frete grátis para o seller. De uma forma classificativa geral, eu diria que, para produtos de até 3, 4 quilos, os melhores preços de frete grátis seriam da Magalu, Amazon e Mercado Livre, respectivamente”.
Prado vai ainda mais longe, e levanta a questão da cobrança de frete do Mercado Livre. “Eles têm cobrado um valor diferente do que dizem que vão cobrar. Isso é algo que o seller precisa acompanhar o tempo todo e é bem chato de resolver. Por exemplo: o ML fala que vai cobrar cerca de R$ 21 por um produto até 500 gramas. Meu produto pesa 500 gramas, mas o sistema deles lê 1 kg, 2 kg. Isso tem gerado muitas reclamações e morosidade de solução, e o retorno por parte do Mercado Livre é muito lento”.
Ainda assim, Prado diz que, em sua opinião, o Mercado Livre é hoje um dos canais que dão mais audiência. Porém, há uma questão que tem tirado um pouco o sono de quem vende por lá. “Eles começaram a dar uma nota para os anúncios, e quando o anúncio recebe muita reclamação, eles penalizam sobre a experiência gerada. Por exemplo, se um cliente por algum motivo devolve o produto e você age totalmente de acordo, o Mercado Livre entende como um problema do seu produto e começa a te penalizar. E aí, à medida em que você recebe mais penalidade, o seu anúncio para de aparecer”. Para resolver isso, Prado diz que é preciso criar um anúncio novo e começar do zero, pois do contrário o anúncio vai perder muita performance.
Expansão dos marketplaces
Nos últimos tempos, a Shopee tem tido êxito no aumento de tíquete médio na plataforma, mas ainda se apresenta o menor do mercado. Além disso, há rumores de que o marketplace apresente em breve (estima-se ainda esse ano) um fullfilment próprio. Nogueira lembra que a Amazon também vem ganhando bastante espaço no mercado com a expansão do fullfilment e de sellers, assim como a abertura de filiais em São Paulo. “Tudo isso é muito positivo para a empresa, embora ela ainda traga muitos dificultadores, como o cadastro da conta”. Neste ponto, ele diz que a Amazon exige uma call ao final do cadastro para o lojista provar que ele existe — sem falar do cadastro dos produtos, também mais moroso. De toda forma, o marketplace traz um ambiente de precificação mais saudável em algumas categorias.
Sobre o rumor do fullfilment da Shopee, Prado confirma que está perto de acontecer, mas tem suas dúvidas em relação à aderência do seller ao serviço. “O full do Mercado Livre faz vender mais porque o comprador já sabe que se tem o ‘raiozinho’, vai comprar hoje e vai receber amanhã. Os outros marketplaces não conseguiram criar essa cultura. Eles sequer têm o ‘raiozinho’ porque ficam com vergonha de copiar o Mercado Livre. Ocorre que no fim das contas não conseguem indicar direito para o consumidor que aquele item é full, que vai chegar mais rápido e por aí vai. E a própria logística não é boa, pois mesmo saindo do CD do marketplace, ele não consegue entregar tão rápido”.
Além disso, caso se concretize um rumor trazido por Prado, a corrida pela experiência da entrega entre os marketplaces ficará ainda mais acirrada. Isso porque, segundo o especialista, há uma possibilidade de que o Mercado Livre comece a fazer entregas em até 3 horas. “Isso já existe nos EUA, e o Mercado Livre baseia muito seus investimentos na Amazon americana. Hoje já existe o Mercado Envios Flex, que entrega no mesmo dia. No meio do ano passado eles colocaram essa opção (de até 3 horas) em sua API. Até hoje não tive nenhuma informação sobre isso, mas acredito que ainda será lançado, e de certa forma vai impactar iFood e Rappi, por exemplo”.
Ainda sobre a Shopee, Nogueira diz que a empresa fez recentemente um ajuste comissional para haver o frete grátis, além de diminuir a quantidade de fretes grátis para o cliente na ponta. “Com isso, eles têm estimulado menos as ofertas de R$ 6, R$ 9, como era no começo, e enaltecem ações com produtos maiores, de tíquete médio melhor. Tanto que eles fizeram a inserção da categoria de móveis, que você precisa da autorização da empresa para vender, assim como usar a Intelipost para conseguir cadastrar”.
Outro marketplace mencionado por Nogueira foi o da Shein, que chegou muito forte no Brasil. Hoje, ela já tem ampliado seu campo de atuação, aceitando sellers de forma mais fácil e diminuindo os benefícios do início. “Antes, a gente tinha um período de comissão reduzido para o seller, que era de três meses. Agora ela acabou de virar para trinta dias, e a tendência é que eles tirem cada vez mais, pois isso prejudica os vendedores que estão na plataforma”.
Para ele, a Shein é uma potência de venda, mas a falta de critérios de relevância que impactam o posicionamento do anúncio tornam (ainda) o marketplace como um espaço de vendas movido a preço baixo. “Isso é insustentável ao longo do tempo para o seller, apesar de ajudar a desafogar a expedição. Os vendedores que entraram na chegada da Shein e ganharam muito dinheiro, hoje sofrem para se manter constante com essa política agressiva de preço em cima de preço”.
O Magalu por sua vez fez um movimento muito forte de fullfilment, mesmo que para Nogueira ainda não entregue toda a relevância. “Ele vem ganhando muito espaço no trabalho com pesados, pois aceita produtos multi volumes no fullfilment e, com raríssimas exceções, só ele tem feito isso. E outro ponto importante nessa virada é que o Magalu está aceitando produtos pesados e grandes com frete competitivo”.
Hoje, segundo ele, a vantagem da malha logística do Magalu também permite ao seller o poder de escolha sobre em qual região vender o produto. “Se eu quiser, consigo com a minha mesma conta de São Paulo vender meus produtos em Minas Gerais. No Mercado Livre, por exemplo, isso não ocorre assim. Lá, vai depender da IA da plataforma decidir ou não se o meu produto vai para outras regiões do país. Portanto, o Magalu vai exatamente na contramão disso, aceitando o planejamento do seller. Se eu quero ganhar força no nordeste, eu vou lá e ativo, usando a minha mesma conta de São Paulo e levando vantagem no preço do frete”.
Dentro desse cenário, Prado gosta de lembrar de uma citação de um ex-CEO das Casas Bahia durante um evento. “Ele ressaltou as discrepâncias entre o eixo Rio-São Paulo e o restante do Brasil no e-commerce. Na ocasião, argumentou que os marketplaces precisam investir em tecnologia para garantir uma experiência satisfatória para todos os usuários, independentemente de sua localização geográfica”.
Para Prado, é evidente o foco maior dos marketplaces nos vendedores das regiões Sul e Sudeste. “Muitos desses vendedores estão atendendo clientes em lugares distantes, como Fortaleza. Seria necessário um sistema tecnológico capaz de conectar esses vendedores diretamente aos compradores locais, reduzindo assim os custos logísticos e incentivando negócios em todo o Brasil”. Para ele, trata-se de um dos principais desafios dos marketplaces: levar uma experiência de qualidade por meio da tecnologia. “O Mercado Livre já está nesse caminho, com um alto nível de entrega que inclui previsões precisas de chegada do produto. Expandir essa eficiência para todas as regiões do país é fundamental para o avanço do setor”.
Mudanças no ambiente de marketplaces
Hoje, de acordo com Prado, a comissão nos marketplaces estabilizou na casa dos 16% a 18%, e o que pesa mais são os custos logísticos. “O marketplace obriga o seller a usar a logística deles, e esses custos de frete vão subindo, até porque desde o princípio eles foram muito subsidiados e a conta tem que fechar para o marketplace. Eu gosto de chamar isso de efeito Americanas, que fez todo mundo pensar em rentabilidade. Porém, o incentivo em comissão que o marketplace dava ficou menor e as contas estão tendo que fechar. Como os acionistas estão cobrando isso dos marketplaces, os reajuste são essas tarifas”.
Prado comentou sobre esse reajuste em um artigo recente, onde o Mercado Livre, por exemplo, fez um reajuste de 130%. “Essa ‘obrigação’ de utilizar os serviços full dos marketplaces gera cada vez mais dependência do serviço de logística do marketplace, que a cada dia está mais caro”.
Uma grande mudança que deverá balançar o mercado de marketplace, segundo Prado, será a chegada das vendas do TikTok no Brasil, ainda sem data prevista. “Já recebi muita informação sobre quando eles virão, mas ainda não há nada certo. Mas, quando isso de fato se der, creio que haverá uma grande revolução”. Isso porque, segundo ele, o conteúdo a ser trabalhado na plataforma será audiovisual, com o universo das lives e vídeos que exigirão uma estrutura do seller. “Hoje, quando surge um novo marketplace, o seller copia e cola o anúncio dele. No TikTok isso não é possível, e ele terá que investir na produção de conteúdo e fazer algo que já é normal na China”.
Prado lembra também que o live commerce na China já é maior que o nosso commerce inteiro no Brasil, e isso forçará uma mudança de estrutura muito grande. “Um ano atrás eu cheguei a assinar contrato com eles, e eles estavam falando que iam usar a mesma estratégia da Shopee para entrada de mercado. Ou seja, zerar a comissão e dar uma tarifa de frete para o comprador — seller sem comissão e o comprador sem tarifa de frete. Se seguirem essa estratégia, acredito que haverá um boom muito grande, e o seller terá de estar bem preparado para isso. Entenda, por exemplo, ter um estúdio, uma preparação… Quem se profissionalizar antes nesse sentido vai transmitir mais confiança e conseguir surfar melhor essa onda”.
Falta de engajamento nos marketplaces
Com exceção do Mercado Livre, Prado afirma que um problema muito presente nos marketplaces é o engajamento. E isso fatalmente gera muita dor de cabeça aos lojistas, porque além de não engajar, não vende o suficiente. “Os lojistas aguentam passar pelos problemas dentro do Mercado Livre porque, ‘apesar de’, há vendas. Nas demais plataformas, há os mesmos problemas, mas a venda não acontece — e isso é um problema”. Portanto, na relação custo-benefício, problema e venda, a balança está mais equalizada, e nos outros às vezes é mais problema do que venda. “Aí eu volto à questão do fullfilment: como o serviço dos outros marketplaces podem se mostrar relevantes, mais importantes para os sellers?”.
ADS dentros dos marketplaces
Dentro da estratégia de vendas nos marketplaces, o investimento em ADS e promoções tem ganhado cada vez mais força. “Hoje, se a gente pegar a publicidade tradicional, que é a de patrocinar produtos e praticamente todos os marketplaces têm, isso é cada vez mais comum. Na Amazon, os 2, 4 primeiros produtos que aparecem são patrocinados. Você pode ser o melhor vendedor de determinado produto, mas se não patrocinar, não aparecerá na frente”, diz Nogueira.
E ele completa, lembrando que no Mercado Livre ocorre a mesma coisa, e um top seller precisa investir de 3% a 4% do orçamento dele em ADS para evitar que sellers menores ganhem relevância. “E devo ressaltar que, a partir do momento em que você faz uma venda do Mercado Livre, seja pequeno ou grande lojista, já pode investir em ADS. E isso também vale para Amazon, Magalu e outros”.
Ao olhar para a publicidade dentro da Amazon, Nogueira diz que há um tipo de publicidade bastante interessante, que é voltado para branding. “Se você é dono de uma marca ou representante oficial dessa marca no país, você é habilitado para fazer esse anúncio de branding”. Para exemplificar a ferramenta, Nogueira citou a categoria de produtos como smartwatch, onde é mais perceptível. “Normalmente, há um banner da Apple ou da Samsung patrocinando aquela posição. Então, tem um banner maior onde o consumidor pode acessar vídeo ou foto, que o leva para um produto, e depois vem os quatro produtos. Os produtos sem patrocínio ficam para baixo da segunda dobra”.
Já sobre a Central de Promoções, o especialista lembra que o Magalu trabalha muito bem há bastante tempo, inclusive coparticipando delas (o que é positivo), e a CP do Mercado Livre — nela, a empresa dá a possibilidade de todos os sellers participarem, inclusive pequenos e médios. “A Shopee é ainda mais forte nisso, com diversas promoções ao longo dos meses disponíveis a todos os profissionais que vendem na plataforma. A ideia desses canais é deixar que os vendedores pomocionem seus produtos”.
Relevância nos marketplaces
Prado concorda com os pontos de Nogueira, acrescentando sua visão sobre o desafio de se manter relevante no marketplace hoje em dia. “A pandemia levou todo mundo para dentro do marketplace, então saturou muito o mercado e não tem espaço para todo mundo. Como não cabe todo mundo na página 1, é preciso encontrar formas de aparecer no meio de tanta gente Eu já considero a publicidade dentro do marketplace como um leilão, um ágio que o marketplace cobra para, digamos, quem pagar mais aparece primeiro. É uma briga grande por aparecer e ter rentabilidade”.
Para resumir o cenário do marketplace atualmente, Prado compara como um ambiente de adaptações. “Se você não se adapta, outro se adapta e leva o seu lugar. É simples assim. Já há algum tempo não há mais tanto plano de ação, mas sim uma mitigação das coisas. Não sei se em algum momento isso irá mudar, mas por enquanto é, basicamente, correr atrás do que o marketplace exige e seguir as instruções, pois gastar energia reclamando que está ruim não irá resolver”.