Não é de hoje que o e-commerce brasileiro investe em pagamentos invisíveis – aqueles que não requerem nenhuma interferência do consumidor para serem realizados – para transformar e otimizar a experiência de compra. Ainda que já bastante utilizada, essa forma de pagamento segue como uma tendência, com novas opções tecnológicas em constante aparição e renovação no mercado. Por isso, manter seu negócio atualizado quanto às oportunidades de meios de cobrança disponíveis é imprescindível e está diretamente ligado à taxa de conversão.
Dados globais apontam que o nível médio de abandono de carrinho é de 69%, sendo que entre os motivos para esse comportamento estão longos formulários de preenchimento / processos de checkout (28%), site não confiável para informações de cartão de crédito (19%), métodos de pagamento limitados (8%), entre outros.
Dessa forma, pode-se afirmar que o setor de pagamentos é intrínseco ao e-commerce, conforme defende Joaquim Vilela, Conselheiro do E-Commerce Brasil e membro do Comitê de Meios de Pagamento ao lado de representantes das empresas Adiq, Adyen, Appmax, BoletoFlex, ClearSale, Elo, Fiserv, iugu, Koin, Loja Integrada, Magazine Luiza, Mercado Pago, Nuvemshop, Oto, PagBrasil, PagaLeve, Pagar.me, Spin Pay, Vindi e Worldpay.
“Quando a gente fala de tendência, independente de modelo, de uma nova estrutura de pagamento, como foi o Pix recentemente no Brasil, o objetivo é sempre o mesmo: remover o atrito. É diminuir ao máximo possível as ações e movimentos que desestimulam as compras. A saída para isso é sempre a mesma: automatizar cada vez mais os métodos de pagamentos”, afirmou ele durante o encontro online do Comitê de Meios de Pagamento, que ocorreu em março de 2022 e resultou neste relatório.
Vilela cita exemplos como pagamentos por um clique, modelos de alto comércio, como o da Amazon Go, pagamentos transparentes através de assinatura, além do embedded finance, que já se inicia no Brasil e “deve vir com força no próximo semestre, adentrando 2023 com o varejo não apenas fornecendo carteiras digitais, mas servindo também a estrutura crédito para seus clientes finais”, aponta ele.
Para Pedro Balsemão, Diretor de Produtos do Oto, o contexto de pagamentos invisíveis e redução de atritos está cada vez mais em evidência, principalmente porque a forma de compra mudou. “Hoje, o produto chega mais rápido, em horas ou minutos. Por isso, é preciso fazer com que essa transação ocorra [de forma] mais próxima do cliente”. Para Balsemão, existe a possibilidade de utilizar parcerias, inclusive com lojas físicas, para contribuir com o relacionamento com os clientes. “O digital é uma grande loja dentro das lojas de varejo. Por isso é preciso ter essa parceria para evoluir como um todo”.
Renato Lahud, Diretor de Pagamentos da Loja Integrada, destaca a importância do setor em educar o mercado para proporcionar um pagamento cada vez mais fluido no digital. “Nossa função é dar suporte
aos lojistas, principalmente aos mais novos. É preciso democratizar o sistema financeiro para que ele seja mais simples e transparente. E, consequentemente, que ele converse com o comprador da forma menos impactante possível”. Para o sistema de checkout, a Loja Integrada possui diversos players plugados, assim como desenvolveu um meio de pagamento próprio aos lojistas (que pretende desplugar e disponibilizar para todo o mercado). Segundo Lahud, a empresa acredita nas novas soluções disponíveis, assim como percebe o Pix como um meio muito importante no pagamento do e-commerce. “Algumas pessoas já querem o buy now, pay later, linha de crédito, carteira digital… são pontos que nós vemos com grande potencial”.
Seguindo a mesma linha de raciocínio da Loja Integrada, Leandro Hespanhol, Diretor Comercial & Novos Negócios no Magalu, diz que é preciso tratar o seller como um cliente — em especial os pequenos, que digitalizaram seus negócios recentemente. “Investimos pesado para a redução das fricções nos pagamentos. Afinal, além da visão seller e cliente, temos uma obsessão em reduzir a fricção no checkout”. Para tanto, Hespanhol acredita nas inovações no setor de pagamento, elogiando inclusive o Banco Central como tendo um papel de protagonista na modernização e regulamentação do setor nos últimos anos. “O Open Banking tem a chance de transformar os pagamentos mais do que o Pix fez até hoje. O brasileiro é dependente de crédito, e o Pix Garantido não deixa de ser isso. Agora resta saber qual será a estratégia a partir dessa novidade”.
A revolução do Pix
Com pouco mais de um ano de operações, o Pix conta com mais de 110 milhões de usuários cadastrados. Dessa forma, a previsão é que a ferramenta suba de 10,9% de pagamentos no e-commerce para 18% até 2025.
A forma de pagamento é vista como revolucionária pelo setor, que admira sua aceitação cada vez mais massiva. Eric Felice, Sales Supervisor no Mercado Pago, destaca o Pix como um participante ativo da plataforma. “São mais de 70% dos sellers já aceitando o Pix. Além disso, mais de 20% do volume total de vendas online é transacionado por essa forma de pagamento”.
Hoje, Felice participa de forma ativa junto ao Banco Central em relação ao Pix Crédito. “Essa opção terá liquidez de financiamento aos consumidores, principalmente aos de tíquetes mais altos. Acredito ainda que os vendedores também venderão mais, com maior tíquete médio”. A partir da expertise que o Mercado Pago atingiu com o QR Code, a empresa apresentará uma solução de parcelamento com o Pix (com instituição própria). Há também um avanço em relação à aceitação de QR Code via Pix, a fim de oferecer uma experiência mais fluida nos pontos de venda. “Olhando as soluções do Pix e cruzando com os pagamentos invisíveis e tendências, não acredito que ele promoveu uma canibalização, mas sim um incremento”.
Apesar de concordarem que o Pix não chegou como “concorrente” e sim como “aliado” às inovações financeiras, o comitê discutiu a relação do Pix com o tradicional e já consolidado boleto.
A persistência do boleto
Um dos pontos levantados foi sobre um possível fim do boleto e o CEO e Cofundador da PagBrasil, Ralf Germer, informou que a empresa se dedicou a fazer várias pesquisas para entender o motivo pelo qual as
pessoas continuam usando essa opção mesmo com a facilidade do Pix. Entre as conclusões, Germer destaca o hábito. “Muitas pessoas, as mais simples, não confiam e não entendem o Pix, o acham complicado e preferem usar o que eles querem e conhecem [boleto].”
Um fato interessante sobre o boleto é que ele permite à pessoa gerar um documento que pode ser pago mais tarde. “Há famílias que a avó gera um boleto e depois pede à neta para pagar porque ela não sabe. Então, há vários cenários que fazem com que o boleto continue vivo”, explica Germer. Ele ainda dá outro exemplo, voltado para o segmento de empresas, B2B. “O boleto se adapta ao processo da empresa. Uma pessoa, por exemplo, do departamento de TI, gera um boleto para comprar um software, leva esse documento para o gerente assinar e depois leva para a contabilidade para fazer o pagamento. O boleto se adapta muito bem a esse processo”, pontua.
Complementando as informações da PagBrasil, Pedro Noll, CMO e Fundador da BoletoFlex, confirma que o Pix só acrescentou ao setor, já que “acaba sendo uma forma de liquidação das parcelas que a pessoa tem a vencer”, não o vê como uma ameaça ao boleto. “Não pensamos em retirar o boleto como opção de pagamento. Acho que existe uma certa miopia do mercado em achar que o Pix vai tomar conta de tudo, de forma muito rápida”.
Noll chama a atenção para a questão da bancarização do brasileiro, que aumentou muito, principalmente em 2020 devido à adesão ao auxílio emergencial – com 40 milhões de brasileiros abrindo contas digitais para poder receber o benefício -, mas destaca a desbancarização funcional no País, que ainda é representada por uma parcela considerável da população. “O desbancarizado funcional é aquela pessoa que é bancarizada, muitas vezes tem sua conta no banco só para receber o auxílio emergencial, mas tira o dinheiro de lá porque não está familiarizado com as operações e com o Pix”. Noll admite que o boleto tende a perder, com o tempo, espaço para o Pix, mas essa ainda é uma forma com grande adesão por parte dos brasileiros que, em muitos casos, optam pelo tradicional por questões culturais.
Buy Now Pay Later é o “novo” crediário digital
Outra tendência que vem chamando a atenção do mercado é o conceito de Buy Now Pay Later (BNPL). Apesar de ser um termo relativamente novo no mercado, o Brasil não é exatamente um iniciante nesse processo. Marcelo Queiroz, Head de Estratégia de Mercado da ClearSale, aponta o crediário, o pagamento com cartão de crédito em várias vezes sem juros, como os princípios básicos do BNPL, que proporciona essa facilidade, sem a necessidade de um cartão. “Tanto é que só tem pagamento parcelado sem juros no Brasil”, acrescenta ele.
“Houve um movimento global da digitalização de crédito que traz isso para o contexto internacional e depois desse desdobramento se fala hoje de BNPL, que nada mais é do que uma rapidez, uma análise super rápida, para proporcionar crédito no momento de instantaneidade do pagamento da transação”.
A BoletoFlex percebe uma adesão muito grande de jovens nesse modelo de pagamento, com a maioria de consumidores entre 18 e 35 anos, o que significa que essa é uma tendência no País. “Diferente do consumidor de crediário de loja física, podemos ver o comportamento dessa nova geração em relação aos novos meios de pagamento, essa facilidade que eles têm de estar conseguindo operacionalizar suas compras sem cartão de crédito”, afirma Noll, que considera a ideia de “democratizar” a opção do crediário, BNPL, que era limitada a grandes players também para o varejo como um todo. Um dos desafios para seguir por esse caminho são os juros. “A gente sabe que os juros vêm subindo bastante, e no fim do dia o que a gente faz é crédito para o consumidor comprar naquela loja. Quando a gente começou a gente tinha uma taxa de juros Selic significativamente menor, e agora a gente não consegue passar esse valor integralmente para o consumidor. Então, equilibrar o que a gente oferece para o consumidor e nossa inadimplência é o core do nosso negócio”, completa.
Outras tendências
Em um resumo feito por Queiroz, ele pontua a necessidade de um tripé para ter como norte quando o assunto é pagamentos invisíveis e checkout. Primeiro ele cita agilidade na jornada do cliente, para que ela seja experimentada de forma fluida. Outro ponto é a fricção. “Quero ter agilidade e entregar o processo com a menor fricção possível para facilitar essa jornada do cliente”, exemplifica. E, por último, está a segurança, análise de risco. Ele explica que há um conflito entre esses conceitos, e que cabe às empresas fazerem um trade-off. “Você tem que fazer um tradeoff e pensar: como eu entrego uma experiência de pagamento invisível de forma segura, fluida, que consiga incorporar de forma suave, um serviço que pode ser um crédito naquele processo de compra, mas que seja transparente e fácil de o cliente entender. É por isso que têm tantas inovações acontecendo agora.”
Ainda pensando no futuro, Renato Burin, Head do Nuvem Pago (Nuvemshop), traz como uma tendência a desintermediação de pagamentos. “À medida que as vendas online ganham maior participação no varejo, isso será cada vez mais comum”. Além disso, Burin também acredita no modelo de plataforma aberta, com diversos processadores de pagamento que podem processar as transações dos vendedores — como já ocorre na Nuvemshop. Outro apontamento do especialista durante o comitê foi em relação aos departamentos de Logística e Pagamentos. “Esses setores são as duas fricções importantes do e- commerce. Por isso, não vejo por que não ter soluções proprietárias para esses pontos”.
Germer também falou sobre suas expectativas para o setor e afirma que espera uma solução para micro-pagamentos, que ainda não existe. “Eu não consigo adquirir somente um artigo para ler online por R$
0,20, R$ 0,40, por exemplo, pois não há uma solução de pagamentos para isso”. Além disso, ele lembra que já existem muitas formas simples de otimizar a jornada do consumidor, como a de by now pay later
ou simplesmente ao melhorar a experiência em partes básicas da transação.
Seguindo um outro viés, Thiago Guerra, Diretor Comercial do Pagar. me, destaca como uma tendência a ser considerada pelos players de pagamento o social commerce. “As redes sociais já fazem parte da jornada de compra do cliente, antes, na busca por reviews de produtos e, agora, para facilitar o processo de compra. Em linha com a tendência de pagamentos invisíveis e redução de atrito no processo de compra, é papel dos meios de pagamento desenvolver soluções cada vez mais completas para o social commerce. Podemos dizer que esse futuro já está começando: a solução de link de pagamento, por exemplo, pode ser facilmente integrada às redes sociais, trazendo um checkout seguro e diversificados métodos de pagamento para esse espaço, facilitando estratégias com influenciadores.”
Por fim, Guerra levanta uma provocação: “Como podemos gerar e prover produtos para atender os lojistas nas redes sociais, levando segurança e fluidez que o cliente final tanto busca para esses ambientes?”, questiona.
Daniel Silvestre, Diretor de Marketing e Analytics da Vindi, relata que ao mesmo passo que grandes players já nascem com meios de pagamento, as lojas começam a criar os meios delas. Entretanto, faz o alerta de que, se o MDR (Merchant Discount Rate) acabar, o varejo terá que evitar se tornar uma Kodak. Assim como os demais, ele vem estudando muito o impacto do Pix nos pagamentos e ressalta que o boleto e cartões estão sofrendo por isso, mas processos de inovação dificilmente matam algo por completo. “Iremos conviver por muitos anos com esse processo de inovação. Precisamos ficar olhando no dia a dia, pois do contrário seremos pegos desprevenidos. Prever as tendências e se preparar o quanto antes é urgente, inclusive no setor de pagamentos”.
*As informações foram retiradas do Relatório do Comitê de Meios de Pagamentos – E-Commerce Brasil, realizado no primeiro semestre de 2022.