A tecnologia 5G teve início oficial na cidade de São Paulo neste último mês de agosto e promete proporcionar maior velocidade de conexão, permitindo downloads mais rápidos, maior velocidade na transmissão de dados, de pagamentos e checkouts necessários para compras, e uma baixa latência, o que significa uma redução no tempo entre um comando e a sua execução.
Mas esses benefícios oriundos do 5G, consequentemente, também trazem consigo grandes expectativas para revolucionar as relações sociais e, sobretudo, para catalisar o crescimento e o desenvolvimento do comércio eletrônico, que no Brasil já avança a passos largos.
5G com tecnologia e nas empresas
Com maior velocidade de conexão, tecnologias, como a inteligência artificial e internet das coisas, encontrarão terreno fértil para o seu desenvolvimento, além de permitirem a propagação de recursos como realidade virtual, metaverso, lives commerce e lives marketing.
Com isso tudo, as empresas que atuam no setor poderão adotar novas estratégias para otimizar os seus produtos, serviços e atendimento aos clientes. A omnicalidade – integração dos canais físicos e digitais para uma melhor experiência dos consumidores -, conversation commerce – estratégia para interação em tempo real entre empresas e clientes, através de chatbots e aplicativos de mensagens -, community commerce – que significa o comércio eletrônico orientado pelo criador de conteúdo, que objetiva impulsionar os produtos e serviços -, práticas de preços e publicidades personalizadas, entre tantas outras, tornar-se-ão cada vez mais comum.
Tranformação digital e possíveis consequências judiciais do 5G
Inegavelmente, a tecnologia 5G permitirá a utilização de novas estratégias comerciais no comércio eletrônico e o aperfeiçoamento de produtos e serviços, o que acarretará ainda mais em uma hiperconveniência dos consumidores, que se tornarão ainda mais digitais, contribuindo para o aumento do setor.
Mas também é fato que com toda essa transformação digital proporcionada pelo 5G, o ambiente online acabará se tornando ainda mais complexo, o que poderá ensejar em mais riscos aos consumidores digitais – não se deve desconsiderar, a propósito, que a própria lei consumerista brasileira reconhece a vulnerabilidade informativa dos consumidores como característica inerente e princípio básico das relações de consumo (art. 4º, I, do CDC) – e às empresas, que poderão sofrer com custos de transação, em especial os decorrentes da judicialização brasileira, através de condenações judiciais, bem como das multas administrativas, como ocorrem em processos conduzidos pela SENACON.
Com o crescimento do setor, as reclamações relacionadas ao comércio eletrônico também passaram a apresentar crescimento e, no último relatório “Consumidor em números 2021” produzido pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), foi apontado que o comércio eletrônico já é responsável por 10,6% das reclamações apresentadas aos Procons, atrás apenas dos serviços financeiros (21,6%) e telecomunicações (17,4%).
Não é por acaso que a proteção dos consumidores digitais está no radar da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) =, que em 2016 foi revisada para incluir novas recomendações aos países, tais como: práticas comerciais e publicitárias justas, informações apropriadas, processos eficazes de pagamento e confirmação das transações, segurança do produto em toda a cadeia de fornecimento do e-commerce, acesso significativo a mecanismos eficientes de resolução de conflitos, educação e conscientização do consumidor, poder das autoridades de investigar e adotar medidas no âmbito doméstico e capacidade das autoridades de se envolverem em políticas internacionais e cooperação, em matéria de aplicação das leis.
Código de Defesa do Consumidor
No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor é do ano de 1990, quando a grande parte das relações de consumo eram desenvolvidas em um ambiente offline.
Mas em que pese o Código de Defesa do Consumidor ter sido promulgado antes de toda essa transformação digital, deve-se recordar que ele traz consigo uma base principiológica (art. 4º, do CDC) e de direitos básicos (art. 6º, do CDC) que servem de norte para que essas novas práticas oriundas do ambiente digital possam ser conduzidas de forma benéfica aos consumidores e à ordem econômica, revertendo, também, em benefícios reputacionais e, consequentemente, financeiros às empresas que estiverem em conformidade.
Mas além dos princípios e direitos básicos previstos no CDC, não se deve deixar de mencionar que o Brasil vem buscando fortalecer a defesa e a proteção dos consumidores digitais com o desenvolvimento de novos instrumentos legislativos que se aplicam ao comércio eletrônico.
Em 2013, o Decreto no. 7.762, popularmente conhecido como “Lei do E-Commerce”, foi publicado para abranger, principalmente, três aspectos centrais: informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor, atendimento facilitado ao consumidor, e respeito ao direito de arrependimento de sete dias previstos no Código de Defesa do Consumidor.
Marco Civil da Internet e LGPD
No ano seguinte, sobreveio o Marco Civil da Internet, que trouxe princípios, direitos e deveres aos usuários de internet, o que acabou por abarcar os consumidores digitais.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais também veio à tona e se tornou importante diploma para reforçar a proteção e a defesa dos consumidores. Convém recordar que o Comitê de Política do Consumidor da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem o tema como prioritário para desenho de políticas públicas, principalmente em razão da grande parte dos bancos de dados pessoais serem constituídos a partir das relações de consumo.
Através da Lei 13.543/2017, regulamentou-se a publicidade de produtos e serviços comercializados no âmbito do comércio eletrônico e, mais recentemente, o Decreto 10.271/2020, que dispôs sobre a execução da Resolução GMC nº 37/19, tratando a proteção dos consumidores nas operações de comércio eletrônico no âmbito do bloco Mercosul e o Decreto 6523/2022, reconhecido como Novo Decreto do SAC. Há, ainda, os projetos de lei, como o de nº 21/2020, que se propõe a criar o Marco Regulatório da Inteligência Artificial.
Portanto, o que se observa é que o Brasil caminha para fortalecer a proteção e defesa do consumidor do comércio eletrônico através da sua regulação.
Mas como Ronald Coase já defendia em sua obra “The Nature Of The Firm”, de 1937, as empresas são agentes de mercado e buscam agir para reduzir os custos de transação. Por essa razão, é possível concluir que a empresa tem protagonismo para definir os rumos do setor.
Explica-se: como observado, com o advento do 5G, o comércio eletrônico promete um crescimento ainda maior e, com isso, os riscos também poderão aumentar, principalmente para aquelas empresas que não estiverem em conformidade com as normas de relação de consumo, o que consequentemente fará com que os custos de transação relacionados às condenações judiciais e multas administrativas aumentem.
Conclui-se, portanto, que empresas que tiverem uma gestão empresarial eficaz e contarem com bons instrumentos de governança e conformidade com as leis e regras relacionadas às relações de consumo, certamente terão esses custos de transação reduzidos, além de uma melhor reputação, que certamente contribuirá para a continuidade de seus negócios, revertendo em mais confiança de seus consumidores e permitindo o uso sustentável das novas tecnologias possibilitadas pelo 5G.
- ¹LAZARI. Rafael José Nadim e, OLIVEIRA. Edson Freitas. Análise Econômica do Direito Aplicada ao Poder Judiciário Brasileiro: A Função Judicante Como “Falha de Mercado”. Disponibilizado em: https://indexlaw.org/index.php/rdb/article/view/5707>. Acesso em: 12/08/2022.
- ²OCDE (2016a), Recommendation of the Council on Consumer Protection in E-commerce, OCDE, Paris, https://legalinstruments.oecd.org/en/ instruments/OECD-LEGAL-0422 (Acesso em: 10 de agosto de 2022)
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