Somos seres racionais. Usamos o cérebro para tomar decisões lógicas. Temos senso crítico e sempre fazemos escolhas baseadas em fatos.
Quase ninguém rebateria essas afirmações. Mas trago verdades difíceis de engolir: a realidade não é bem assim.
Vários cientistas dedicaram suas carreiras a entender por que os seres humanos tomam decisões que claramente desafiam a lógica. Entre esses pesquisadores estão o ganhador do Prêmio Nobel de Economia, Daniel Kahneman, e o economista comportamental do MIT, Dan Ariely. Suas pesquisas revelam que, em muitos momentos, nossas escolhas são guiadas por impulsos e vieses psicológicos. O mais interessante é que as nossas irracionalidades normalmente seguem os mesmos padrões, sendo amplamente exploradas em estratégias de marketing e vendas.
Um desses fenômenos é a nossa reação desproporcional a tudo o que traz a palavra “grátis”. Sabendo que gostamos muito do conceito de “preço zero”, diversas empresas desenvolvem estratégias específicas. Uma delas é a Amazon.com.
Amazon e o “frete grátis”
Em seu livro Previsivelmente Irracional, Ariely conta que, quando a Amazon.com introduziu o frete grátis, não imaginava que estava operando uma verdadeira revolução, com o volume de vendas crescendo significativamente. A estratégia era simples: estabelecer um valor mínimo de compra para garantir a entrega sem custo adicional. Isso levou muitos consumidores a adicionar mais itens aos carrinhos para atingir o limite e aproveitar o benefício. A percepção de que o frete não custaria nada criou um forte senso de valor, mesmo que o total gasto fosse maior do que o previsto inicialmente.
Mas um fato chamou a atenção da matriz norte-americana: o único local onde a promoção não surtiu efeito foi na França. No país, em vez de custo zero, o frete foi reduzido a 1 franco. Embora a diferença financeira fosse praticamente insignificante, teve um impacto enorme. Isso ilustra o poder psicológico do “zero”. O custo absolutamente inexistente tem uma atração emocional e irracional que um valor simbólico não consegue reproduzir.
Por que isso acontece?
O “grátis” ativa o Sistema 1 do cérebro, que é rápido, instintivo e emocional. Esse sistema nos leva a reações imediatas e impulsivas, sem considerar racionalmente os custos ou benefícios totais. Em contraste, o Sistema 2 é mais lento, analítico e racional, e dificilmente queremos usá-lo, pois pensar dá trabalho. O “grátis” elimina a percepção de necessidade de análise detalhada, reduzindo a barreira emociona para a decisão.
Quando algo é oferecido sem custo, eliminamos automaticamente a “dor de gastar”. Esse mecanismo gera decisões que desafiam a lógica e maximizam a satisfação emocional. Além disso, os seres humanos têm uma resistência natural a perder algo. Quando uma opção é gratuita, pensamos que não temos nada a perder (e às vezes podemos ter). Ou seja, a percepção de risco desaparece. Isso reduz as barreiras emocionais para a decisão de compra, já que o consumidor sente não haver chances de sair perdendo.
Dando um exemplo prático de como essa irracionalidade acontece: imagine que alguém ofereça a você um produto que custa R$ 5 por R$ 1 e outro que custa R$ 3 gratuitamente. Se você for como a maioria das pessoas, escolherá certamente o segundo, que racionalmente é menos lucrativo.
Muito além do frete: outras formas de usar o grátis no seu e-commerce
O frete grátis não é a única opção que pode ser levada em consideração em uma estratégia de marketing para um e-commerce. Várias empresas usam a mesma lógica para vender mais.
Presentes
Uma estratégia muito usada, especialmente no segmento de beleza, é o oferecimento de brindes e presentes para quem compra acima de um determinado valor, ou opta por produtos e marcas específicas. Um exemplo é a Sephora, que frequentemente oferece miniaturas de produtos de luxo como brindes. Isso não apenas aumenta o ticket médio, mas também introduz os clientes a novos produtos, incentivando compras futuras.
Freemium
O modelo freemium é amplamente utilizado por empresas de tecnologia e serviços online. Um caso de sucesso é o Canva, que oferece uma versão gratuita com funcionalidades básicas e opções limitadas. Os usuários podem experimentar a plataforma sem custo, e muitos acabam migrando para a versão paga, atraídos por funcionalidades premium como templates exclusivos e ferramentas avançadas de design.
Testes gratuitos
Empresas de assinatura, como a Netflix, utilizam períodos de teste gratuito para atrair novos clientes. A ideia é permitir que os consumidores experimentem o serviço sem compromisso, criando uma experiência de valor que muitas vezes leva à continuidade do uso, mesmo quando a gratuidade termina.
Programas de recompensas
Muitos e-commerces implementam programas de fidelidade que oferecem produtos ou serviços gratuitos após o acúmulo de pontos. Um exemplo é o Amazon Prime Rewards, que recompensa clientes por suas compras com pontos que podem ser convertidos em descontos ou produtos gratuitos. Esse modelo incentiva a recorrência e aumenta a satisfação dos consumidores, ao mesmo tempo em que promove fidelidade à marca.