Um fato real a servir de preâmbulo: uma grande loja estava tentando comprar outra, embora a loja cobiçada não estivesse em boa situação financeira. A razão do interesse? Há categorias em que a loja cobiçada era mais competente do que a interessada. Onde reside a competência, em que áreas funcionais se manifesta?
Este artigo tem a intenção de mostrar o que deve ser considerado ao se expandir as categorias a serem ofertadas por uma loja bem sucedida de comércio eletrônico. Vamos dividir os fatores a serem considerados por área funcional: comercial, logística interna, logística externa, transportes e administração.
1. Comercial
A equipe de compras e marketing tem que conhecer profundamente o comportamento da oferta e da demanda. Do lado da oferta, a relação de força entre fornecedores e compradores, as práticas comerciais usuais, a capacidade produtiva, a segmentação por qualidade-preço, a pontualidade de entrega etc. Do lado da demanda, a sensibilidade dos clientes em relação às características da mercadoria, principalmente preço, os meios de divulgação mais eficientes etc.
1.1. Comercial – Conhecimento do mercado
Um dos aspectos mais interessantes do comércio eletrônico é fato do comprador (quem faz as compras) ser também o vendedor. O comprador deixou de ser apenas responsável por reabastecer o Centro de Distribuição baseado em algoritmos sofisticados, para ser inteiramente responsável pela margem, não esquecendo que a margem líquida leva em conta o capital de giro empatado na categoria.
1.2. Comercial – A “produção do item”
As categorias divergem muito em relação à “produção do item”, trata-se do esforço de exibir o item ao cliente: fotos, ficha técnica etc. Em geral, os fornecedores de bens duráveis cedem estas informações aos varejistas, porém a grande maioria dos itens vendidos no comércio eletrônico exige que o varejista “produza” (ficha, foto etc.) o item para sua loja. Algumas categorias são particularmente perversas em relação a esta necessidade devido ao curto ciclo de vida do item e à variedade compulsória de lançamentos (ex. vestuário, calçados, vinhos).
1.3. O peso da marca
Faz pouco sentido uma marca muito associada a eletrodomésticos incluir a venda de livros. Um marca tradicional no varejo físico tem muitas vantagens ao ser usada no comércio eletrônico, porém, ela carrega consigo uma imagem determina as categorias ofertadas, constituindo-se numa restrição à ampliação de categorias.
2. Logística interna
O recebimento tem por responsabilidade dar segurança ao movimento de entrada de mercadorias no depósito, alterando o nível de estoque. Quanto mais ágil for o recebimento, mais rapidamente o acréscimo de estoque será conhecimento pelo site. As categorias divergem muito quanto ao tempo de recebimento.
2.1. Recebimento – Identificação
Há mercadorias cujos SKU não são individualizados por código de barras (vestuário, brinquedos etc.), exigindo que este reconhecimento seja feito pelo varejista – atividade demorada que exige precisão.
2.2. Recebimento – Diferenciação na referência
Há mercadorias onde a referência usada na nota fiscal do fornecedor não é a referência usada para controle de estoque. Exemplo: para calçados, os pedidos de compra mencionam a quantidade por grade (conjunto preestabelecido de tamanho-quantidade) de um determinado modelo-cor, enquanto a nota fiscal do fornecedor menciona apenas a quantidade de pares por modelo já que o preço é indiferente à cor e ao tamanho. Esta diferenciação de referência entre o pedido de compra e a nota fiscal dificulta muito a validação do recebimento atrasando a entrada em estoque.
2.3. Recebimento – Tipo de controle
Cada categoria impõe um refinamento no controle de seu estoque: alimentos e remédios exigem controle por lote, celular exigem controle por número de série etc. As excepcionalidades de controle implicam atividades adicionais ao processo logístico.
2.4. Recebimento – Variedade
O tempo de recebimento é muito sensível à variedade. Receber de uma só vez muitos SKUs associados a pequenas quantidades (livros, CD, DVD) é muito diferente de receber poucos SKUs associados a grandes quantidades (geladeira, televisores). Para efeito de desempenho e segurança, processos específicos de recebimento devem ser estabelecidos de acordo com a variedade do recebimento.
2.5. Armazenagem – Estruturas
Quando, 2002 o comércio eletrônico começou a vender eletrodomésticos, depósito estava preparado para armazenar apenas livros e VHS. A estrutura de armazenagem era constituída por prateleiras. Com geladeiras, lava-roupa e fogões foram necessárias áreas “blocadas”, e, com eletrodomésticos de menor porte, foram necessários porta-paletes. A expansão de categorias, além de afetar a área de armazenagem, pode exigir específicas estruturas de armazenagem.
2.6. Armazenagem – Área de armazenagem
Quase todas as grandes lojas virtuais do mercado brasileiro têm mais de um depósito. Sabe-se que isso é fonte de complicações logísticas, porém, foi a única maneira de fazer frente à expansão das vendas e categorias. Como exemplo, quase todas têm depósito específicos para linha branca, categoria que ocupa muito espaço.
2.7. Armazenagem – Tipo de endereçamento
Sem automação, pode-se afirmar que há dois tipos de endereçamento: automático e manual. No primeiro caso, o endereço é determinado pelo sistema de gestão do armazém por meio de seus algoritmos automáticos; no segundo caso, quem armazena a mercadoria aponta o endereço onde armazenou. Embora vantajoso em termos de impersonalização, desempenho e segurança, dependendo da categoria, o segundo caso pode ser escolhido em função da diversidade e irregularidade dimensional.
2.8. Armazenagem – Equipamento de movimentação
Algumas categorias exigem equipamentos específicos de movimentação. No e-commerce é comum ter empilhadeiras comuns para movimentar paletes e empilhadeiras clamp para movimentação de mercadorias “blocadas”. As paleteiras são usadas para armazenagem em prateleiras (itens pequenos) e picking.
2.9. Expedição – Linha de checkout
A expedição é o último ponto de controle a qualificar o atendimento físico do pedido no âmbito do armazém, portanto uma atividade de alta criticidade, responsável pelo movimento de saída de estoque. A expedição exige deslocamento, logo itens pesados devem ser movimentados através de esteira rolante, o conferente deve movimentar-se até a mercadoria e, em geral, não há exigência de embalagem, enquanto que itens leves podem ser movimentados através de esteira normal, são dirigidos ao conferente e devem ser embalados. O processo de expedição é sensível às características físicas dos itens das categorias.
3. Logística externa – Transportes
3.1. Transportes – Tipo de carga
Normalmente as transportadoras se especializam por tipo de carga: carga leve (até 40 quilos) ou pesada (mais de quarenta quilos). Isto se deve à estrutura de movimentação de carga de seus terminais e tipo de frota. Esta divisão tende a ser mantida no comércio eletrônico devido à ampla predominância de cargas leves. A introdução de categorias com itens pesados exige novas negociações com transportadoras. Como se sabe, o preço do frete é sensível á negociação com transportadoras, assim, com pouca carga, o frete obedecerá à tabela cheia punindo a margem.
3.2. Transporte – frete peso ou frete volume
Seja X o produto do volume (em m3) do item por 300 (ex. padrão de peso cubado), o peso do item para efeito de frete será o maior entre o peso real e X. Caso o maior seja X, pratica-se o frete-volume, e, inversamente, o frete-peso. Como se nota, pela característica física do item, há cálculos diferentes no custo do frete.
4. Administração
Propositadamente este assunto foi deixado para o final do artigo, pois, argumentar que as despesas indiretas sobem com a expansão de categorias, seria inútil, sem que se dissesse onde e por que elas crescem. Além das despesas, devem ser consideradas a gradual perda de flexibilidade, característica organizacional fundamental no comércio eletrônico, em função do reduzido ciclo compra-venda e a dificuldade na apuração da lucratividade.
Sem entrar muito no mérito da questão, há um problema aberto no e-commerce: há limites para o crescimento? A experiência brasileira, pelo menos, tem mostrado que o rápido crescimento não tem levado a bons resultados. Algumas possíveis razões são mais visíveis: falta de harmonia entre as áreas operacionais (comercial, Ti e logística), orientando-se tão somente ao “fechamento do pedido na loja” e o despreparo administrativo.
Conclusões:
1. Tendência natural à expansão
Quando o processo integral de venda – da captura do pedido à entrega da mercadoria ao cliente – está funcionando razoavelmente bem, o comércio eletrônico passa, tendencialmente, a ser considerado uma “máquina de vendas”, ou seja, uma organização capaz de vender qualquer mercadoria, inclusive serviços. Esquece-me que o processo pode estar funcionando bem para as categorias existentes, porém, não se pode ter certeza de seu bom funcionamento para qualquer categoria.
2. O risco da expansão de categorias desconhecendo integralmente seus efeitos
Infelizmente, o comércio eletrônico tem sido vendido apenas como uma forma virtual de comercialização, sua fase real (sistêmica e logística) tem sido pouco mencionada e ainda não é bem percebida pelas empresas médias e pequenas. Pode-se ter algum sucesso inicial em nichos afeitos às competências naturais do lojista, porém a expansão pode revelar carências não percebidas gerando sérios prejuízos.
3. PME e categorias
Não é recomendável a expansão de mercadorias para lojas PME em razão do aumento da complexidade operacional e administrativa, exatamente como se opera no varejo tradicional. A especialização (alto desempenho) seguida do aumento da diversidade de itens dentro das categorias existentes constitui uma barreira de entrada no segmento.