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Afinal, tenho que pagar ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do meu e-commerce?

Por: Rogério David

Advogado

Advogado, Mestre em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-RIO). Articulista e Palestrante do E-Commerce Brasil. Consultor Jurídico Empresarial. Especialista em Direito Tributário pela PUC-RJ e em Direito Privado pela UFF-RJ. Sócio do escritório David & Athayde Advogados.

Imagine, caro leitor, a seguinte situação: determinado e-commerce precisa realizar um deslocamento de mercadorias entre suas filiais ou entre matriz e filiais. Vamos combinar que essa é uma situação corriqueira, seja pela modalidade omnichannel, seja porque o estoque está em outro estado e, por isso (ou por outras razões), é necessário transferir a mercadoria para outro estabelecimento.

Hoje, os os estados devem regulamentar suas leis estaduais, respeitando as diretrizes do Supremo Tribunal Federal e da Constituição Federal, segundo as quais o ICMS deve ser não cumulativo em sua plenitude.

É um desgosto profundo pagar o ICMS nessa situação, não é mesmo? Mas é exatamente isso que os estados exigem – ou exigiam até pouquíssimo tempo atrás.

A interpretação da “circulação”

O motivo é devido em parte pelo nome completo desse imposto: Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação. O termo “circulação” permite uma linha de interpretação em que a obrigação de pagar o ICMS surge a partir do “movimento” da mercadoria.

Não por menos, a Lei Complementar 87/96, que rege esse imposto, é clara no artigo 12, quando determina que se considera ocorrido o fato gerador do imposto no momento da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular.

Ocorre que não é possível interpretar literalmente o termo “circulação”, senão chegaríamos a cenários esdrúxulos, tais como em caso de furto, nos quais a mercadoria circula para fora do estabelecimento. Ou mesmo durante uma enchente, em que o estoque flutua e “circula” para fora do estabelecimento. Em tais casos, teria o empresário que pagar ICMS nessa situação, se o termo “circular” fosse levado ao pé da letra.

A interpretação da Constituição Federal

De outro lado, ao interpretarmos a Constituição Federal – o que não se faz em tiras -, vemos que a circulação a que se referiu o legislador constituinte é a circulação jurídica, isto é, tem que haver a tradição da mercadoria, a troca da titularidade. Só assim nasce a obrigação de pagar o ICMS em uma operação de circulação de mercadorias.

Foi por isso que o STF firmou entendimento na ADI 49 (em verdade, reafirmou, pois o STJ sumulou dessa forma décadas atrás – Súmula 166) que o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS, ficando também reconhecido o direito dos contribuintes de transferirem créditos nessas operações.

Além disso, o STF modulou os efeitos da decisão para o início de 2024, permitindo que os estados disciplinassem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular. E esse vácuo normativo deve ser preenchido com a edição de Lei Complementar pelo Congresso Nacional, pois cabe à lei complementar veicular “normas gerais em matéria de legislação tributária” (já há projeto de lei complementar nesse sentido, o PLP 116/2023).

Então, essa passou a ser a grande preocupação dos contribuintes. Por um lado, não ocorre o fato gerador do ICMS onde não há troca de titularidade da mercadoria. Mas, por outro, os estados não poderiam impedir a transferência dos créditos entre estabelecimentos da mesma empresa, ainda que não seja devido qualquer ICMS na operação.

Atuação do Confaz

Enquanto a Lei Complementar não vem, o Conselho Nacional Fazendário (Confaz) chegou a editar o Convênio ICMS n.º 174/2023 para regulamentar a transferência de créditos na remessa interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade.

Menos de um mês após a sua edição, o mesmo Confaz, por meio do Ato Declaratório 44 de 17 de novembro de 2023 do Diretor da Secretaria-Executiva, indo de encontro ao que tinha decidido anteriormente, publicou a rejeição do referido ato normativo, em razão da não ratificação pelo Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro.

Portanto, devem os estados regulamentarem em suas leis estaduais esse cenário, respeitando as diretrizes do Supremo Tribunal Federal e da Constituição Federal, segundo as quais o ICMS deve ser não cumulativo em sua plenitude.