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Bastidores do e-commerce: 10 lições de casa que a quarentena nos trouxe

Por: Pedro Padis

Atuando desde 2010 com mercado digital, e-commerce e omnichannel, Pedro Padis é atualmente CEO e Sócio da Gourmetzinho Alimentos, empresa especializada em alimentação infantil congelada. Com histórico de head de E-commerce do Grupo Aste, coordenou grandes operações de marcas globais como New Balance, Kipling, Diesel entre outras. Ainda traz denso background em varejo, tendo passagens por Dia% e Walmart

Há um provérbio português que diz: “Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe”. Em um cenário em que a pandemia foi tão boa para alguns negócios, foi também devastadora para outros. A realidade é que não existe bola de cristal para entender como serão os próximos anos do e-commerce no Brasil. Ou no mundo.

Com um crescimento vigoroso em 2020, chegando a quase 50% de crescimento em relação ao ano anterior durante a pandemia, algumas incertezas ficarão presentes. Será que foi realmente uma mudança de comportamento do consumidor ou só uma reação a uma realidade adversa? Ou um misto de ambos? Quanto de cada? Conseguiremos manter esse patamar de compras e crescimento para os próximos anos ou as operações digitais terão que se acomodar com crescimento mais baixo devido a uma antecipação de demanda?

Ainda levaremos algum tempo para entender todos esses pontos, mas é fato que a pandemia deixou algumas lições de casa para as empresas com operações digitais. Claro que isso não é uma receita de bolo, mas são pontos de reflexão importantes para entender a aderência a cada negócio.

Entrega expressa

A resposta à uma demanda mudou. Os aplicativos de delivery transformaram a relação de compra e entrega de forma muito profunda. Trouxeram de forma intensa o conceito mais avançado de “last mile”. Ou seja, você compra um produto em uma loja e alguém, seja lá quem for (a qualidade desse serviço precisa melhorar bastante ainda), vai buscar o produto e entregá-lo a você em menos de uma hora.

Chega de transportadoras, Correios ou outros serviços mais convencionais. A ordem é do QUERO AGORA, PRECISO JÁ. Empresas como o Pão de Açúcar fugiram dos serviços convencionais e criaram sua própria rede de atendimento — no caso do Pão de Açúcar, o James Delivery.

Logística reversa simplificada

Acompanhando um serviço de entrega expressa, surge uma nova demanda — a logística reversa simplificada. Nesse ponto, existem diversos caminhos que podem ser adotados. Empresas como a Rappi normalmente assumem o erro e deixam a mercadoria errada com você. Além disso, estornam você o valor em “RappiCréditos”. É verdade que muitas vezes existem falhas nessa comunicação, mas acredito que nesse caso sejam mais erros de processo do que um desenho equivocado de atendimento ao consumidor.

Outras empresas, como Zara ou Animale, que trabalham com artigos de maior valor, conseguem, dentro de uma área de atuação relevante, atender o cliente de forma a gerar um sentimento de valorização — buscam a mercadoria na casa do consumidor e estornam o valor da compra quase que imediatamente. Isso faz com que a confiança na marca se multiplique.

Formas de pagamento

O consumidor está mais exigente e precisando de mais crédito. Para isso, a diversificação das formas de pagamento cresceu rapidamente. Se o cliente busca um site de alimentação, vai conseguir ver que são aceitos quase todos os tipos de cartões possíveis, sejam eles de crédito, débito ou benefícios. Já a Munddipagg, uma das principais empresas de gateway de pagamentos, trouxe algumas inovações importantes para esse momento.

Um conceito já não tão novo de multiadquirência vem acompanhado dos vouchers (cartões de benefício), pagamentos recorrentes (o que facilita serviços com assinatura, tão consolidados em outros países) e também de muitos meios de pagamentos. Você pode pensar agora que nenhum desses serviços é revolucionário, mas um gateway conseguir operacionalizar isso em uma única operação democratiza bastante esse tipo de serviço.

Omnicanalidade

Mais uma vez, podemos enfrentar sua resistência e ouvir que essa já é uma tendência bastante consolidada. Entretanto, com a inconstância dos canais tradicionais de venda, identificar o consumidor como uma só pessoa virou questão de sobrevivência. Não é mais aceitável que não se consiga processar que o cliente que veio pela loja física, e-commerce, marketplace, WhatsApp ou qualquer outro meio não seja reconhecido com um consumidor único da marca e tenha as facilidades de poder trafegar em um ecossistema único.

Por exemplo, quando uma Raia Drogasil conseguir entender que o consumidor que pede via Rappi é o mesmo que vai à loja buscar algum item de necessidade imediata, a rede conseguirá valorizar e entregar um serviço de maior qualidade ao cliente. Eventualmente, ela vai assumir a mesma postura do GPA e criar uma rede de atendimento própria e facilitar a compra com medicamentos com prescrições.

Inteligência artificial

Como desmembramento do item quatro, vão aparecer algumas questões importantes. Identificado o cliente como único como agir, as ferramentas de inteligência artificial podem surgir para unir elos — inicialmente, para criar Golden Records e identificar consumidores de diferentes canais como o mesmo cliente. Porém, esse tipo de tecnologia também é fundamental para entender o comportamento desse consumidor (quais suas preferências, qual seu perfil de consumo por canal, quais suas necessidades imediatas ou de recorrência).

Identificar essas necessidades pode fazer com que empresas que trabalham com produtos comoditizados entreguem de fato um diferencial para seus clientes. Um bom exemplo é o antigo case da The North Face. Através de algumas perguntas ao consumidor sobre sua futura necessidade, a empresa conseguia direcioná-lo para uma vitrine com soluções sob medida, passando o cliente do topo do funil para a fase de conversão.

Vendas consultivas

Com o atendimento de lojas físicas praticamente desaparecendo, ficou clara uma demanda sobre a qual escrevo há bastante tempo como futuro divisor de águas entre as lojas digitais e offline. Desde dos meus primeiros artigos, falo que, quando os e-commerces conseguissem entregar de forma clara um fator mais humano, as lojas físicas correriam perigo.

E foi nessa pandemia que surgiu no Brasil a primeira loja ao vivo — a Dengo Chocolates. Esse tipo de iniciativa torna claro que os consumidores ainda precisam de contato pessoal e orientação na hora da compra. Por mais detalhada que seja a descrição dos produtos em seu site, muitos consumidores continuam com dúvidas, sendo capazes de desistir da compra ou não fazer um up-sell/cross-sell para aumentar o valor de seu carrinho.

WhatsApp ou chat humanizado

Alinhadas com o conceito de vendas consultivas, diversas empresas estão abandonando ferramentas de atendimento eletrônico e voltando para o atendimento humanizado. Seja via chat ou com mais pessoalidade por meio do WhatsApp, empresas vêm conseguindo um incremento de vendas importante nesse canal.

Não existe caso mais emblemático do que a Via Varejo, que em um semestre aumentou em 50% sua participação das vendas via WhatsApp no total das vendas não presenciais, alcançando quase um quarto dessas vendas. Se em uma empresa desse tamanho esse tipo de venda conseguiu ganhar tamanha relevância, imagina no segmento de moda (um dos que mais sofreram com a pandemia) como esse tipo de venda consultiva seria um divisor de águas, se trabalhado de forma consistente, e não dispersa.

CRM

Mas é claro que para colocar toda essa dinâmica, desde a omnicanalidade até as vendas consultivas, é mandatório ter uma plataforma robusta para que se consiga organizar os dados de seus consumidores. É preciso organizar e separar por tipo de comportamento e manter esses dados vivos e atualizados. Mas só isso não basta, o mais importante é saber o que fazer com esses dados. Embrionariamente, essas plataformas nasceram como disparadores de e-mails, mas foram ganhando tamanha relevância e complexidade que, atualmente, são mais importantes pela inteligência empregada nelas do que qualquer outra coisa.

Desenhar a estratégia de comunicação com cada um de seus consumidores, detalhar preferências e realmente conseguir chegar em uma comunicação 1:1 são passos gigantescos. Entender como seu produto ou serviço faz parte da vida do seu cliente é transformador e se torna encantador à medida que você consegue passar essa relação para ele, criando de fato uma ligação entre sua marca e seu cliente.

Recorrência & fidelização

Se você conseguiu chegar até aqui, muito do seu esforço já está valendo a pena. Com seu CRM funcionando e o cliente dentro do seu ecossistema, é possível fazer uma comunicação muito assertiva. Mantendo esse cliente abastecido de informações que lhe fazem sentido, mais uma rede de assistência onde ele possa se conectar a marca da maneira que lhe for mais conveniente, dificilmente ele vá tirar sua marca do radar.

Se você conseguiu entrar no mapa de decisão do seu cliente, aprofunde-se ainda mais, busque entender quais os gatilhos que o fazem comprar mais, com mais frequência e mantendo-se fiel a sua marca. Não é uma tarefa fácil, muito pelo contrário; nesse momento, sua visão é estender ao máximo sua relação com esse cliente e entregar o máximo de valor. Muitas empresas estão oferecendo cashback, programas de recompensa ou outros sistemas de pontuação para atrair o cliente. Mas será que isso é o suficiente? Acredito que ainda existem muitos caminhos a percorrer. Um claro exemplo disso é: quantas pessoas escolhem a companhia aérea por causa de seus pontos acumulados?

Propósito

Não, não vou finalizar o artigo dizendo que o propósito da empresa é uma das lições de casa da pandemia. Pelo contrário, cada empresa já nasceu com um propósito e deve respeitar suas crenças. Acredito que neste momento a lição de casa é amarrar todos os conceitos acima e tentar levar ao seu cliente um sentimento de pertencimento. As pessoas estão pedindo para serem incluídas, o distanciamento esfriou as relações e criou rupturas.

Nesse ponto, devemos valorizar a Magalu pela iniciativa de colocar em seu app um código para denunciar violências domésticas. Seu cliente deve confiar em você, deve confiar na sua marca, confiar no seu propósito e se sentir parte disso tudo. Trazendo um case pessoal, trabalho com alimentação infantil. A comida em si é um elo entre a mãe e a nossa marca, mas o mais valioso é saber da confiança criada entre as duas partes. Entender que fazemos parte para vida de cada uma das crianças, mas ao mesmo tempo aceitar que estamos servindo aos pais, que confiam e se sentem parte dessa relação.