Nos últimos anos, o e-commerce brasileiro amadureceu, expandiu acesso ao crédito e integrou tecnologias que facilitam o consumo. Mas enquanto o setor avança em inovação e personalização, um novo e silencioso fator começa a comprometer o poder de compra dos consumidores: as apostas online.

O crescimento das bets no país foi exponencial, 734% entre 2021 e 2024, segundo o Datahub. Hoje, R$ 30 bilhões por mês são movimentados por esse setor. A princípio, esse número pode parecer alheio ao comércio digital, mas os efeitos estão se acumulando como uma maré que avança sem aviso.
De acordo com levantamento do Serasa em parceria com o instituto Opinion Box, 44% dos inadimplentes no Brasil já apostaram tentando quitar dívidas. Mais grave ainda: 57% dessas pessoas não tinham dívidas antes de começar a apostar. Isso significa que, para uma parcela relevante da população, a aposta deixou de ser entretenimento e passou a ser um gatilho de descontrole financeiro, afetando diretamente o consumo planejado.
Impacto no consumo e na inadimplência
O estudo ainda aponta que 46% dos inadimplentes já apostaram pelo menos uma vez. Os efeitos colaterais são claros: instabilidade financeira, redução do consumo, desaceleração econômica e aumento da inadimplência, fatores que minam as margens e a previsibilidade de vendas no comércio eletrônico.
O varejo online passou a depender fortemente de soluções de crédito embutido (embedded finance) e compras parceladas. Mas, quando parte da renda disponível migra para plataformas de aposta, a capacidade de pagamento – e de comprometimento com parcelas – entra em risco. Isso exige atenção redobrada na análise de crédito e revisão das estratégias de financiamento ao consumidor.
Além disso, a ascensão das bets muda o perfil de risco dos consumidores. Muitos deles, até então com histórico limpo, passaram a comprometer sua saúde financeira por conta de apostas recorrentes. Isso demanda modelos de crédito mais sofisticados, capazes de captar não só dados transacionais, mas também comportamentais e psicográficos.
Um chamado à responsabilidade digital
O depoimento da influenciadora Virgínia na CPI das Bets chama atenção para outra dimensão desse problema: a influência. Quando figuras públicas promovem apostas como oportunidade de renda fácil, contribuem para a banalização do risco. O varejo, que já vinha flertando com influenciadores como alavanca de conversão, agora precisa ser ainda mais criterioso na seleção de parceiros, pois os impactos da reputação digital podem se tornar riscos financeiros.
Dessa forma, a ascensão das bets revela um paradoxo: ao mesmo tempo em que os dados permitem experiências personalizadas e maior acesso ao crédito, eles também podem escancarar uma nova vulnerabilidade.
Não se trata de frear a inovação, mas de usá-la com responsabilidade. É hora de o varejo se aproximar mais dos dados comportamentais, apoiar iniciativas de educação financeira e buscar soluções que não apenas convertam, mas sustentem relações de longo prazo com o consumidor.
O que está em jogo não é apenas a próxima venda. É a sustentabilidade do consumo digital no Brasil.
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