Ao mesmo tempo que a experiência de compra do varejo físico assume mais aspectos racionais (e que tradicionalmente eram “a praia” do e-commerce), o comércio eletrônico vem trilhando o caminho inverso e agregando conteúdo e entretenimento para criar uma experiência mais cativante para os clientes. O resultado é a eliminação das fronteiras entre digital e físico, com uma mudança radical: as varejistas deixam de focar em canais e passam a ser gestoras de relacionamentos.
Se eu pudesse resumir em um parágrafo o que fica de mais estratégico da NRF Big Show 2024 para o e-commerce, seria este início de artigo. Mas uma semana mergulhado no varejo de Nova York e absorvendo conhecimento que vem de todo o mundo merece muito mais do que algumas linhas. Por isso, vamos aprofundar essas ideias e entender o que vem por aí para o e-commerce brasileiro em 2024 (e além).
As fronteiras desapareceram
A primeira conclusão importante da NRF Big Show 2024 para o e-commerce brasileiro é o fim das fronteiras, tanto geográficas quanto culturais ou de modelos de negócios. Parece óbvio, mas o óbvio nunca é simples.
Destrinchando um pouco mais: o e-commerce brasileiro precisa considerar o mundo inteiro como concorrência e como mercado potencial. No momento, a grande preocupação é com a concorrência dos sites chineses e com as discussões sobre as taxações de compras abaixo de US$ 50. Mas, no fim das contas, quem decide é o consumidor.
O que precisamos é criar as condições para que o cliente tenha uma experiência tão boa (ou até melhor) no mercado interno. Para isso, todo gestor de e-commerce precisa abraçar as inovações que vêm do mundo todo – e retrabalhar essas novidades de acordo com as características do nosso consumidor.
Um bom exemplo disso é a ascensão do live commerce. No mercado chinês, essa é a grande mola propulsora das vendas online: cerca de metade dos consumidores locais assistem a pelo menos uma live por dia. O live commerce agrega entretenimento e conteúdo a uma relação que era, até pouco tempo atrás, puramente transacional.
O e-commerce nasceu e se desenvolveu até agora com base em propostas de valor racionais: preço mais baixo, praticidade, economia de tempo, redução de atrito. O varejo físico, percebendo a ameaça, passou a investir nesses aspectos, acelerando a integração omnichannel.
Agora, existe a oportunidade de o e-commerce avançar no campo que era típico da loja física. Em uma das palestras mais interessantes da NRF Big Show, Lee Peterson, VP Executivo da WD Partners, contou que uma ampla pesquisa feita pela sua empresa com consumidores americanos mostra que os clientes visitam lojas físicas para cumprir a obrigação de abastecer o lar, mas permanecem na loja por causa da experiência. Com o live commerce, o e-commerce pode inverter essa lógica.
Quando o conteúdo e o entretenimento passam a ser as alavancas que atraem, conquistam e retêm os consumidores, o e-commerce coloca na tela do smartphone a experiência das lojas físicas, ao mesmo tempo que pode usar a capacidade de coleta e análise de dados para personalizar a experiência de consumo.
Dessa forma, o e-commerce deixa de ser um canal de vendas e passa a ser um centro de relacionamento com os consumidores. Os varejistas de sucesso serão os que entenderem esse novo momento e passarem a engajar os consumidores a partir de aspectos emocionais – que, unidos a uma experiência de pagamento fluída e aderente às necessidades do público, entrega ágil e preço competitivo, podem fortalecer a fidelização do consumidor à marca.
A oportunidade do retail media
Um assunto que surgiu com força na NRF Big Show deste ano e que impacta fortemente o e-commerce é o crescimento do retail media. As grandes empresas de varejo perceberam que têm enormes ativos não monetizados, como a publicidade em seus sites e a comunicação omnichannel personalizada. Com isso, nos Estados Unidos, já existem aproximadamente 180 empresas criando suas próprias estruturas de venda de mídia instore, digital e 100% personalizável.
Para a indústria e para as agências, essa pulverização é inaceitável. Em sã consciência, ninguém negociará mídia com 180 empresas diferentes (sem contar o que já é feito em todas as outras mídias existentes). Por mais que a Insider Intelligence tenha dito no evento que espera que o retail media movimente US$ 100 bilhões nos EUA já em 2025, nem todo varejista tem massa crítica para ter sua própria rede. Assim, veremos esse mercado se concentrar nas mãos de poucos.
No Brasil, esse é um mercado ainda mais embrionário, e os marketplaces digitais e alguns poucos grandes varejistas de setores essenciais (como supermercados e farmácias) são os favoritos a terem estruturas de retail media de sucesso. É um mercado para poucos, mas que muda o mix de marketing dos anunciantes e pode impactar as vendas online.
Acredito que o movimento de retail media concentrará verba publicitária na mão de alguns grandes varejistas que, aproveitando sua grande escala, poderão entregar publicidade personalizada e de alta relevância. Para todos os demais e-commerces, a briga por um lugar ao sol será ainda mais intensa.
Cuide de todo o ciclo de relacionamento
Um dos caminhos que o e-commerce tem para se manter relevante é cuidar muito bem de toda a jornada de relacionamento com seus clientes. Isso envolve não apenas as etapas tradicionais do funil de vendas, mas também o pós-venda, especialmente a gestão das devoluções.
Um estudo da Blue Yonder, divulgado durante a NRF Big Show, mostra que 59% dos varejistas americanos viram um aumento nos níveis de devoluções das compras nos últimos 12 meses, o que faz com que essa seja uma questão de alta prioridade para 80% dos negócios. Segundo a NRF, US$ 743 bilhões em mercadorias foram devolvidos no varejo americano no ano passado – o equivalente a 14,3% das vendas. É muita coisa!
Para minimizar o problema, as empresas têm tomado decisões que prejudicam a experiência do consumidor, como diminuir a janela de tempo de devolução ou exigir a nota fiscal de compra. Mas essa é uma questão que só será realmente resolvida por meio de tecnologias como a inteligência artificial.
IA foi o grande tema da NRF Big Show 2024 – e com razão, pois seu potencial para aumentar a eficiência dos negócios é incrível. Um detalhe importante: em um ano com o tema “Make it Matter”, a inteligência artificial pode deixar a previsão de estoques e as ações promocionais mais assertivas. Se o consumidor recebe uma promoção de um produto do seu tamanho somente quando o item está disponível no e-commerce (em vez de receber uma promoção e ter que escolher o tamanho do item), diminui a possibilidade de devoluções.
Um exemplo simples, mas que traz um insight importante: pensar na jornada do cliente como um todo (e não em etapas específicas) e apoiar as decisões em tecnologia levam a mais eficiência e a uma melhor experiência para os clientes.
Fechando meus pensamentos sobre o que a NRF Big Show ensina para o e-commerce brasileiro, volto de Nova York impressionado com o foco na execução e no pragmatismo. Seja obsessivo com a otimização do seu negócio, apoiando as decisões em dados. Esse é o caminho para o sucesso em 2024.