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Decisão do Distrito Federal para o e-commerce: Difal é indevido em 2022

Por: Viviana Elizabeth Cenci

Sócia no Iizuka Cenci Advogados Advogada e consultora jurídica com 13 anos de carreira jurídica, especializada em Tributação dos Negócios de Tecnologia e Propriedade Intelectual – pela GVLaw – FGV/SP e em Direito Tributário – Universidade Anhanguera. Diretora Jurídica da Associação Brasileira de E-Commerce (ABComm) e Mentora de Startups pelo Sebrae - SP e Cietec - USP. Palestrante e escritora de artigos jurídicos em mídias especializadas.

“A “lambança” tributária construída na sentença do TJDF demonstra a total falta de conhecimento sobre o tema Difal”.

No dia 28 de junho deste ano, o Magistrado da 3ª Vara Pública do Distrito Federal no Mandado de Segurança Coletivo nº 0703314-18.2022.8.07.0018 proposto pela ABcomm e que tramita perante o TJDF, antes de suspender os efeitos da sua decisão para atender à determinação da presidência do TJDF (ID 33372852) “que susta os efeitos de todas as liminares e sentenças já proferidas, bem como semelhantes provimentos supervenientes” (PA SEI 6219/2022 – ÓRGÃO: PRESIDÊNCIA – SUSPENSÃO DE SEGURANÇA CÍVEL – PROCESSO: 0706978-14.2022.8.07.000024.02.2021 – 11/04/2022), estabeleceu em sentença:

“CONCEDO PARCIALMENTE A SEGURANÇA para suspender a exigibilidade dos valores relativos ao ICMS Difal decorrentes de operações de vendas de mercadorias realizadas pelos associados da impetrante não optantes do Simples Nacional a consumidores finais não contribuintes do ICMS-Difal, situados no Distrito Federal, devendo incidir a partir da impetração do presente mandado de segurança até o final do exercício de 2022, também que se abstenha de aplicar às sociedades empresárias quaisquer espécies de sanção em decorrência do não recolhimento do ICMS Difal. DECLARO o direito à compensação ou restituição dos valores recolhidos a partir da impetração deste Mandamus, em atenção ao disposto nas Súmulas 269 e 271 do colendo STF”.

A “lambança” tributária construída na sentença do TJDF demonstra a total falta de conhecimento sobre o tema Difal.

Análise da decisão

Passemos a examinar o texto da decisão do Magistrado.

Primeiramente, é essencial sobrelevarmos para o fato de que parte da decisão supratranscrita “denega a segurança” para os associados à ABcomm, que sejam optantes do Simples Nacional. Tal decisão foi fundamentada no Tema 517 resolvido recentemente pelo STF, que prenuncia: “É constitucional a imposição tributária de diferencial de alíquota do ICMS pelo Estado de destino na entrada de mercadoria em seu território devido por sociedade empresária aderente ao Simples Nacional, independentemente da posição desta na cadeia produtiva ou da possibilidade de compensação dos créditos”.

O contexto em que o tema 517 foi fixado teve a divergência apontada pelo voto do ministro Alexandre de Moraes que afirmou: “o entendimento do TJ-RS obriga as micro e pequenas empresas a pagar, além do Simples, a diferença entre as alíquotas, violando o tratamento diferenciado previsto na Constituição Federal e na LC 123/2006”. A cobrança, ao ver do ministro, “prejudica a pequena e microempresa, ferindo os artigos 170, inciso I, e 179 da Constituição Federal, que preveem tratamento desigual aos desiguais”.

O tema 517 foi fixado em maio de 2022, mas o mesmo tema foi também resolvido anteriormente nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5469 proposta pela ABcomm em fevereiro do ano de 2021, quando o Supremo reiterou o entendimento da liminar, que havia proferido nos autos da ADI nº 5464, no sentido de que as empresas do Simples Nacional teriam sim tratamento diferenciado e favorecido. Dessa forma, não poderiam também, como as demais empresas não optantes pelo Simples, ser afetadas pela cobrança do Difal ICMS nas vendas com entregas para outro Estado em cobrança baseada no Convênio CONFAZ ICMS 93/2015.

O Convênio 93 foi declarado inconstitucional, e todas as empresas que houvessem ingressado com ação própria teriam direito ao ressarcimento do Difal de 2015 a 2021 e ficariam isentas do pagamento deste imposto até o final de 2021, quando em “tese” o problema da ilegalidade “já teria sido resolvido” pelo Congresso Nacional, caso o prazo determinado pelo STF (concedeu prazo até 31/12/2021) houvesse sido cumprido.

MS Coletivo e empresas do Simples Nacional

No MS Coletivo proposto pela ABcomm em voga, e nos demais 26 em trâmite por todo o Brasil, novamente a cobrança do Difal está sendo combatida, porém a alegação é nova, visto que a proteção constitucional em evidência agora não é mais a falta de lei complementar (matéria da ADI 5469), e sim o fato de a lei complementar nº 190/2022, que veio suprir a ilegalidade antes apontada, não poder ser exigível em todo o ano de 2022, visto que a Carta Magna ampara o contribuinte garantindo o princípio da “não surpresa” ou da anterioridade.

E onde entram as empresas do Simples na análise da anterioridade anual? As empresas do Simples, como as demais, precisam de lei válida e exigível prevendo a cobrança do Difal para que possam ser consideradas contribuintes, ou substitutas tributárias deste imposto. E isso as empresas do Simples, como as demais do Lucro Real e Presumido, não têm!

Princípios da tipicidade e da legalidade

Quando o Magistrado do TJDF traz no texto da sua decisão a menção ao artigo 13, § 1º, inciso XVIII, “g”, 2 e “h”, que trata exclusivamente de antecipação de ICMS na “aquisição de mercadorias”, apontando o texto como lei, que supostamente supriria a lacuna da previsibilidade de lei complementar regulamentando o Difal da venda, temos nesse momento uma nova “infração tributária básica”, ou, pelo menos, não observância aos princípios da tipicidade e da legalidade.

Neste contexto, pela tipicidade só se cobra tributo quando houver lei; e, pelo princípio da legalidade, é impossível em nosso regime legal tributário a criação de obrigação tributária por interpretação jurisprudencial.

Tudo isso para aclarar:

  • Empresas optantes do Simples Nacional – não há em vigor lei apta a tornar exigível o Difal das suas operações de vendas com entregas para outro Estado em todo o ano 2022. A sentença do Magistrado do Distrito Federal está equivocada.
  • Demais empresas do Lucro Real e Presumido: também nas suas operações de vendas com destinatário localizado em outro Estado, não é legal a cobrança do Difal em 2022! Quanto a este ponto, o Magistrado do TJDF acertou.

Resenha

Para finalizar, uma resenha do que aconteceu na sentença do TJDF: o juiz decidiu que as empresas do lucro real e presumido não têm que pagar Difal durante o ano de 2022, mas que só têm direito ao ressarcimento após 23/03/2022. Dessa forma, entende que se deve aplicar anterioridade anual, mas que não é aplicável a regra da noventena (ambos os princípios devem ser interpretados cumulativamente!) -, e citou um artigo da lei do Simples que trata Difal na aquisição de mercadorias, aplicando, erroneamente, o mesmo artigo para venda com entrega em outro Estado.

No final de toda a bagunça jurídica, o juiz deixa sem efeito tudo o que decidiu, aplicando o entendimento do Tribunal.

A ABcomm vai recorrer dessa decisão, buscando, como sempre, exigir a melhor aplicação e interpretação do Direito para as empresas do Simples, Lucro Real e Lucro Presumido, batalhando pela aplicação da lei, fundamentada precipuamente, em bases constitucionais sólidas e bem definidas. #difalinconstitucionalem2022

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