No Brasil, apesar de “empreender” ter se tornado palavra glamurosa nos últimos anos, ela sempre foi sinônimo de “necessidade”. Especialmente neste período de pandemia, empreender deixou de ser somente um sonho, tornando-se, em muitas situações, medida de sobrevivência. E, para ser bem sucedido, o empreendedor também é movido pela necessidade do cliente, independentemente do nicho de atuação, buscando resolver um problema existente para algum grupo de pessoas com um produto ou serviço oferecido.
Em 2020, segundo um mapeamento feito pelo SEBRAE, o empreendedorismo por necessidade foi responsável por 53,9% dos negócios com até três meses de vida no país, voltando ao patamar de 2002. É um retrocesso gigante. Pensa bem o quanto sua vida mudou nessas quase duas décadas: o que você estava fazendo naquele ano?
O melhor paralelo que consigo fazer para explicar a situação em que essas pessoas se encontram é com o aplicativo de trânsito que ligamos quando entramos no carro. Ele geralmente sugere o trajeto mais rápido, mas também aponta diversas outras opções – e cabe a nós escolher o caminho a seguir. Para uma parte dos brasileiros, trabalhar no último ano foi como ligar o aplicativo, mas ter uma única opção de trajeto possível: empreender com o e-commerce.
Para driblar a falta de um emprego — que no primeiro trimestre do ano atingiu o recorde de 14,8 milhões de brasileiros (PNAD, 2021) — muitas pessoas criaram o seu próprio negócio virtual. Para isso, tiveram que aprender a administrá-lo, fazendo desde a organização financeira e planejamento de vendas, até a parte de marketing digital, controle de estoque e envio do produto por frete. Porque diante das restrições de funcionamento impostas pelas medidas de isolamento, o varejo online foi uma das únicas alternativas.
A terceira edição do estudo “Me, My Life, My Wallet”, produzido pela KPMG International e divulgado em abril de 2021, indicou queda de 70% nas visitas às lojas físicas de varejo, e comprovou que ingressar no ambiente digital é condição indispensável para os comerciantes interessados em se manter ativos. Dados da pesquisa mostram, ainda, que 81% das pessoas entrevistadas no Brasil afirmaram fazer mais compras nos ambientes virtuais e 58% estão usando tecnologias diferentes daquelas com as quais já estavam acostumadas.
Diante desse cenário, houve uma ocupação massiva do ambiente digital para a comercialização de produtos e serviços, sobretudo por mulheres, jovens (de 18 até 39 anos) e com renda familiar entre 3 e 5 mil reais. Não é à toa. Esse é um perfil que, historicamente, encontra dificuldades para permanecer no mercado de trabalho e, com a pandemia, viu saltar a necessidade de abrir o próprio negócio.
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Uma delas é a paulista Marina Anjos, 26 anos, cuja trajetória empreendedora me chamou a atenção. Marina ficou sem emprego no início da pandemia e decidiu empreender, produzindo velas artesanais. No início, fabricava pequenas quantidades e usava a loja física da tia, em Santo André (SP), como canal de venda. Os produtos fizeram sucesso e, então, Marina criou a marca Cian Candle e começou a vender online. Lançou sua marca no Instagram e em poucos meses resolveu criar a própria loja. Hoje, um ano depois, fatura cerca de R$ 90 mil por mês e suas velas são revendidas em outras plataformas como a Amaro, e-commerce de moda, beleza e bem-estar. De acordo com o relatório GEM 2020, divulgado em março de 2021, mas com reflexo do ano anterior, o número de empresas com até três anos e meio de fundação saltou de 37,5% para 50,4% no Brasil, o que confirma que casos como o da Marina são cada vez mais comuns em nosso país.
Muitos destes novos negócios são liderados por jovens que, também como ela, veem no empreendedorismo a possibilidade de inovação, liberdade e autonomia. Um estudo realizado em junho deste ano pela Globo aponta que 24% dos jovens das classes A, B e C com até 30 anos já são empreendedores e 60% querem ter um negócio próprio no futuro. Quem sabe, nos próximos anos, eles reforcem o sentido de empreender não mais como medida de sobrevivência, mas como caminho para realizar sonhos. Se há algo que aprendemos nesse período foi que, apesar dos percalços, histórias como a da Marina podem ter finais felizes.