Muitas pessoas acreditam que o crescimento do e-commerce no ano passado mostrou a força desse mercado no Brasil. Segundo os dados da pesquisa NielsenIQEbit, tivemos um crescimento de 1,6% quando comparamos 2022 e 2021, atingindo o faturamento de R$ 262,7 bilhões. Contudo, um dado que normalmente nós comemoraríamos, mas que dessa vez nos traz preocupações, é o crescimento de 24% do número de compradores virtuais.
Esses números combinados nos deixam afirmar que cada usuário da internet gastou 18% a menos em 22 do que havia gastado em 21. Em conjunto com a diminuição do público abaixo dos 35 anos, que fecharam o ano registrando menos de um terço das vendas em valor, isso também nos leva a afirmar que as compras digitais hoje são muito mais planeadas do que anteriormente.
Mas por que estou trazendo esses dados quase na metade do ano? Porque o cenário não vem mostrando evolução. Operações digitais puras, como as DNVBs, vêm encontrando bastante dificuldade em aumentar suas vendas e enfrentando uma explosão do custo de click e de aquisição de novos clientes, gastando em média 33% a mais para conquistar um novo cliente, de acordo com a Retention Science. Em paralelo, estamos acompanhando, como se fosse um reality show, varejistas decretarem falência (Livraria Cultura), recuperação judicial (Amaro, Americanas, Tokstok), redução das operações (Renner, Camicado, Marisa), tirando players de bastante relevância no mercado. Mesmo o AirBnB pisou no freio e anunciou que voltará a se dedicar apenas ao core business da empresa, aluguel de hospedagem.
Evolução e omnicalidade lentas
Outro ponto de observação é evolução em ritmo muito lento da integração dos diversos canais de atendimento, ou seja, o movimento de omnicanalidade caminha a passos bastante lentos. E aqui entrando em uma ciranda perigosa, pois, com menos conhecimento do seu cliente, as empresas pagam cada vez mais caro para vender. Sem dados consistentes, perdem uma oportunidade de faturamento adicional mais barato, pois, segundo a Smile.io, com um trabalho bem-feito de CRM, existem 54% de chance de o cliente voltar a comprar na mesma loja. Por fim, gastando mais para atrair o cliente, sobra menos dinheiro para inovação e integração de canais e, assim, os problemas ficam girando em círculo.
O outro grande indicador negativo é a onda de layoffs que aconteceram no Brasil no primeiro quadrimestre de 2023. Segundo a Layoff Brasil, ocorreram mais de 30 demissões em massa no setor no começo deste ano. Esse movimento, além de trazer bastante insegurança para o mercado, gera uma carência de profissionais capacitados. Diz a Innovation Survey que 80% das empresas têm a pretensão de investir em inovação no primeiro semestre de 2023, contudo, apenas 36% dessas empresas consideram que tenham a estrutura adequada para conseguir implementar essas inovações. Ou seja, as empresas podem querer, mas nesses momentos tendem a focar em rentabilidade e “eficiência operacional” (é assim que andam justificando as demissões).
E, por fim, para amarrar esse cenário desfavorável, estamos passando por um inverno nas start-ups muito devido aos índices de inflação e às taxas de juros crescentes no mundo todo devido ao cenário pós-covid. Isso faz com que os potenciais investimentos fiquem presos em posições mais conservadoras, ao invés de migrarem para o desenvolvimento de mercado.
Até quando perdurará esse cenário ninguém sabe dizer. Alguns afirmam que é uma nova realidade, e o mercado deverá passar por um longo período de adaptação. Outros acreditam em um movimento cíclico, que em algum momento as empresas precisarão de recursos para voltar a crescer em um ritmo mais acelerado.
Contudo, a verdade é uma só: o e-commerce brasileiro está em crise, mais profunda e mais duradoura do que a própria economia nacional. Isso porque os outros setores ainda surfam a onda pós-pandemia e a volta gradual do consumo. Enquanto isso, o e-commerce já chegou à praia e, agora, tem que remar sobre um mar turbulento para ter a oportunidade de pegar a próxima onda.