O comércio eletrônico não teve como pai o comércio tradicional. Esta orfandade, entre outros fatores, foi devida ao seu forte componente tecnológico, área não considerada como estratégica no varejo tradicional e à presunção das grandes redes de lojas ao considerar a loja virtual como mais uma loja da rede.
No Brasil, as primeiras grandes lojas virtuais foram dirigidas por executivos originários de TI, somente a partir de 2002 esta nova modalidade de comercialização de mercadorias começou a atrair a velha guarda do varejo tradicional.
Esta ruptura teve boas e más conseqüências. Entre as boas, estão a revolução nos processos logísticos e o aumento da sensibilidade em relação ao cliente. Entre as más, o excessivo enfoque na fase virtual da venda e a ausência de padrões de desempenho.
A fusão destas modalidades de comercialização está sendo lentamente construída, seus principais adversários têm sido a especialização dos sistemas de gestão e da alta direção.
Um pequeno exemplo mostra como estes mundos estão próximos e como os especialistas esforçam-se para separá-los. Tomemos um dos componentes de marketing, o ponto de venda, decisão com maior grau de irreversibilidade, portanto, de maior importância estratégica.
Classicamente, os mais importantes fatores a determinar o ponto de venda de uma loja física são: o acesso, a concorrência, o imóvel e a população. O que ocorre com esta ótica tratando-se de uma loja virtual?
O acesso, traduzido como tráfego, recebeu o nome de visitação, a quantidade média diária de clientes que entram site. O que pode ser natural numa loja física (quantidade de transeuntes que normalmente passam pelo local), passa a ser função de outro P, a propaganda em sites de alta afluência ou buscadores de preço.
A concorrência deixou de ser territorial, a noção de espaço deixa de ter sentido. Todas as lojas concorrentes estão “ao lado” e o que as fazem contíguas são os sites de pesquisa e buscadores de preço.
O imóvel passa a ser a qualidade da Web Store em termos estéticos, operacionais (desempenho, algoritmo de busca, sugestões etc.) e de gestão (produção dos itens, arranjo da vitrine etc.).
A população deixa de ser restrita à redondeza da loja para ter a amplitude do alcance da banda larga. Neste sentido é que a logística passa a ser fundamental.
Como se nota, com esforço intelectual, é possível traduzir o arcabouço analítico extremamente desenvolvido do comércio tradicional para o varejo eletrônico, porém, há quem insista em enfatizar a loja virtual como algo revolucionário tal como o engodo da bolha da “nova economia”. Um exemplo disso é a falsa afirmação de que o comércio eletrônico não tem barreiras de entrada.
Voltemos ao ponto de venda. Como se avalia uma padaria? Pelo faturamento mensal, admitindo-se que ela opere num mercado perfeito no qual a margem seja independente da firma. O pretenso comprador permanece um mês junto ao caixa para comprovar o faturamento e o valor do ponto é o produto deste faturamento por um fator próprio do mercado. O investimento no ponto quando da compra inclui a expectativa de retorno com alto grau de certeza. No comércio eletrônico não é assim, o ponto é praticamente gratuito por não conter certeza alguma sobre o retorno. As vendas terão que ser conquistadas à custa de forte e cara propaganda, a construção do ponto constituindo-se na verdadeira barreira.
É muito fácil entrar no comércio eletrônico, o difícil é lucrar com ele.