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O que ninguém irá te contar sobre criar e gerenciar um marketplace no Brasil

Por: Marcelo Linhares

É CEO e fundador da Onfly, travel tech focada em otimizar a gestão e a redução de custos com viagens corporativas. É também membro do conselho da Selia, entusiasta de tecnologia, startups, digital e varejo e já foi executivo responsável por omnichannel de uma grande rede de varejo de moda.

Se você quiser se destacar em uma rodinha de empreendedores de e-commerce, fale que está criando um marketplace – sério, é a buzzword do momento. Dos 15 maiores e-commerces em volume de acessos do Brasil, segundo o Top E-commerce Ranking Reports, todos já operam no modelo de marketplace (B2W – Submarino, Americanas, Via Varejo, Extra, Casas Bahia e Ponto Frio, Netshoes, Magazine Luiza, Dafiti, Walmart e Saraiva) .

Fonte: Netquest.

A esperança, claro, é que nesse modelo as companhias consigam finalmente atingir lucro operando na internet. Recordemos: a B2W, desde 2010, não apresenta resultado positivo em seus balanços; Dafiti e Netshoes, como sabemos, também nunca operaram no azul.

Alegam, como recentemente divulgado em um webcast da B2W aos seus acionistas, que marketplace é uma operação de “margem pura”. Resumindo, reconheceram que “vender e comprar na internet” é algo difícil para dar lucro, mas que intermediar vendas online, usando estoque de terceiros, é um negócio da China (e, acredite, não é um trocadilho com o AliExpress).

Outro dia, vendo o programa Shark Tank Brasil, um empreendedor apresentou o seu modelo de e-commerce focado na linha GLS. Logo um dos sharks indagou o empreendedor, questionando se ele operasse no modelo de marketplace, ou seja, intermediando as vendas em vez de vender para o cliente final, ele pensaria em investir, mas que no modelo de venda direta (modelo 1P), ele não achava o negócio viável.

Definitivamente, operar no modelo de marketplace virou a “tábua de salvação”. Inúmeras matérias na mídia estão sendo veiculadas falando que determinado player vai melhorar a rentabilidade trabalhando no modelo de marketplace, Walmart, por exemplo, decidiu operar exclusivamente no modelo de marketplace no Brasil, com a promessa de ter “mais agilidade e eficiência no negócio”, e a Saraiva colocou para os acionistas que a iniciativa de marketplace é fundamental para “fortalecimento e aumento da eficiência do caixa operacional” da companhia.

Apresentação RI – Saraiva – Fonte: 2T2018.

Um verdadeiro “dejavu”: o mercado cometendo o mesmo erro de sete anos atrás, quando era muito comum ouvir que “e-commerce é barato”, “tem margens maiores” do que lojas físicas e que ia melhorar a rentabilidade das operações de varejo e, tal qual um efeito manada, todos os outros players começam a rascunhar para também criarem seu modelo de marketplace (3P) em uma nova corrida pelo ouro.

Este artigo pretende, de forma muito transparente, contar um pouco das dificuldades em se criar e operar um modelo de marketplace no Brasil, e os desafios operacionais e financeiros inerentes do negócio, desconstruindo o discurso de que marketplace é uma operação de “margem pura” e de alta rentabilidade.

Em primeiro lugar, a receita cai absurdamente

Pra começar, o modelo marketplace é um negócio de margem muito baixa. Pense que a única receita de uma operação de marketplace é a sua comissão (irei falar mais abaixo de outras hipóteses de receita, mas, por ora, ficamos apenas com a comissão), então se o marketplace cobra uma comissão de 15%, em uma venda de R$ 100,00, a receita reconhecida do marketplace é de apenas R$ 15,00.

Isso explica, por exemplo, como que, no primeiro semestre de 2018, a B2W, embora tenha aumentado o GMV (Gross Merchandise Volume) em 24% em relação ao ano passado, tenha mantido praticamente estável sua receita (cresceu apenas 0,8%).

A única redução de despesa é do CMV

No modelo de marketplace, a única linha de despesa que é eliminada em uma transação é do CMV (Custo de mercadoria vendida) Os custos de atração de tráfego, adquirente, fraude, entre outros, continuam acontecendo, e o pior, exceto o imposto, a base de cálculo das outras despesas não é a receita, e sim o valor total da transação (GMV).

Vamos fazer o seguinte exercício de análise de margem de contribuição, usando o primeiro exemplo de uma venda de R$ 100,00 com comissão de 15%.

(+) VENDA : R$ 100,00
(+) COMISSÃO: R$ 15,00
(-) IMPOSTO: R$ 2,20 (alíquota média de 15%)
(-) PLATAFORMA: R$ 1,50 (1,5%)
(-) GATEWAY + ADQUIRÊNCIA: R$ 2,00 (2,0%)
(-) ANTI-FRAUDE: R$ 1,00 (1%)
(-) CONCILIADORA: R$ 0,30
(-) AQUISIÇÃO DE TRÁFEGO: R$ 8,00 (marketing)

(+) RECEITA: R$ 15,00
(-) DESPESAS: R$ 15,00
Margem de contribuição: 0%

Observe que mesmo no cenário, eliminando o custo da mercadoria vendida, os outros custos envolvidos na transação acabam pressionando muito a margem, principalmente o custo de mídia, que continua existindo no cenário de marketplace. No exemplo acima, a margem de contribuição foi zero.

Marketing é um dos maiores desafios de qualquer player que vende online, e isso não muda no modelo 3P. A B2W recentemente anunciou que o resultado do segundo trimestre de 2018 foi ruim, devido à pressão dos investimentos em marketing e vendas.

Vamos fazer uma conta de padaria com o caso real da Netshoes. Ela gasta em média 25,6% da sua receita com marketing e vendas (resultado do primeiro semestre de 2018). Se ela for para o modelo 100% de marketplace, e mesmo cobrando 25% em média de comissão (que é considerado alto para grande parte dos sellers), a conta em nenhuma hipótese fecharia – lembrando que ainda existem todos os outros custos inerentes à operação da empresa.

Netshoes – 25,6% da sua receita é com gasto relacionado a marketing e vendas – fonte: 2T2018.

No modelo de marketplace, “novas despesas” são adicionadas

No modelo de marketplace, a empresa adiciona novos e relevantes custos à operação. Olhemos novamente os dados da B2W do primeiro semestre de 2018: a linha de CMV reduziu 7,3%, efeito do aumento do share do modelo de marketplace, que atingiu 47,2% do volume, mas as despesas gerais e administrativas cresceram 70,5%, e as despesas com vendas cresceram 29%.

Em resumo, é caro adquirir e gerir aproximadamente 15,4 mil sellers.

B2W – DRE – 2T2018.

Abaixo, cito as principais linhas de aumento de custos em uma operação de marketplace

Custo de aquisição de seller

Existe um custo de aquisição e retenção de novos sellers, e ele é razoavelmente alto, com despesas de executivos comerciais, que normalmente vêm acompanhadas de custos de marketing para divulgação das vantagens da plataforma para novos lojistas (um evento como o SellerDay definitivamente não é barato).

Custo de backoffice

Um marketplace fundamentalmente possui dois clientes: o seller, responsável por disponibilizar os produtos para venda, que precisam de suporte, orientação e treinamento contínuo, e o cliente final, que está comprando o produto e espera ser atendido.

Portanto, no modelo de marketplace, inevitavelmente o custo de backoffice, no suporte ao cliente e ao seller, praticamente dobra.

Uma coisa é fazer gestão e acompanhar a entrega de um, dois ou até dez centros de distribuição para o cliente final. Outra é acompanhar e gerir entrega de mais de dez mil lojistas. Existe um esforço hercúleo e extremamente caro para fazer com que essas entregas sejam realizadas.

Custo jurídico

Embora a atividade fundamental de um marketplace seja “intermediar” uma transação, unindo o comprador e vendedor, o entendimento dos tribunais é de que o marketplace seja responsabilizado como fornecedor, amparado pelo Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, se um determinado seller não entregar a mercadoria, entregar atrasado, entregar um produto que eventualmente deu defeito, ou qualquer problema que por ventura o consumidor julgue que precise ser indenizado, o consumidor irá acionar juridicamente o marketplace.

Mesmo o marketplace estando resguardado com o contrato com o seller para reter os valores incorridos no processo, existe um “overhead” jurídico, com profissionais e processos, que inevitavelmente oneram os custos da companhia.

Ademais, existe a possibilidade de o seller não estar mais na carteira do marketplace, e aqueles custos entrarem na rubrica da provisão de débitos duvidosos (a companhia provisiona que dificilmente irá recuperar aquela receita).

Impossibilidade da garantia da qualidade da entrega

Para mim, esse é o maior desafio dos marketplaces para o cliente final – em geral, o modelo 3P entrega uma experiência pior do que a do modelo 1P.

É fácil explicar isso. Enquanto no modelo 1P, o player tem domínio de toda a cadeia, do recebimento do pedido, da separação, emissão de nota, entrega na transportadora e acompanhamento da entrega no domicílio do cliente, no modelo 3P, o marketplace não tem domínio dos processos de separação, emissão da nota e entrega na transportadora – e por mais que crie mecanismos de controle, é impossível exigir que os sellers tenham a mesma qualidade e padrão de separação e expedição que os grandes players.

Agora, pegue essa dificuldade e multiplique por 15,4 mil sellers, que é a base atual da B2W.

Um exemplo claro, que mostra a impossibilidade de o modelo marketplace entregar a mesma experiência de compra ao cliente final do modelo de venda 1P, é o fato de a B2W ter criado dois perfis no RA para a marca da Americanas.com.

Um perfil para o “Americanas Marketplace”, que está com a reputação “bom”, e outro para o “Americanas.com – Loja Online”, que está com o perfil RA1000.

ReclameAqui Americanas.com e Americanas Marketplace – 14/10/2018.

Promoção e frete não escalam no modelo marketplace

Outro grande desafio do modelo marketplace é que não há escala do frete na transação, ou seja, no modelo 1P, a medida que novos itens são adicionados à transação, o custo do frete tende a se reduzir, pela capacidade de escala, em entregar vários itens em uma mesma caixa com o mesmo custo de frete.

No modelo 3P, como cada item pode ser despachado de um seller diferente, e cada seller cobra um frete separado, os custos do “carrinho” aumentam de forma linear.

Exemplo

No modelo 1P, um cliente da cidade de São Paulo, ao comprar cinco itens, saindo de um mesmo CD, por exemplo, localizado no sul de Minas, teria um custo de frete de em média R$ 10,00.

No modelo 3P, o mesmo cliente comprando cinco itens, e cada item de um lojista diferente, considerando que o custo médio de entrega de cada loja para São Paulo seja de R$ 10,00, o custo final do frete é de R$ 50,00.

E vamos lembrar: custo de frete influencia bastante na taxa de conversão do cliente, e não faz nenhum sentido tentar jogar o subsídio desse frete para o seller, como recém-implementado por um grande player de mercado. Afinal, eles não possuem margem para isto.

Outro ponto sensível é que, no modelo 3P, como as entregas partem de vários sellers, em lugares pulverizados, há pouca oportunidade de negociação de volume com transportadoras, ficando a empresa refém dos Correios, que possuem maior capilaridade e, como sabemos, em sua grande maioria, o SLA de entrega dos Correios está bem abaixo das demais transportadoras, influenciando negativamente na experiência de compra, e aumentando os custos de backoffice, pois esse cliente inevitavelmente irá abrir uma reclamação no SAC.

Logo, o frete não escala no modelo marketplace.

O mesmo vale para promoção. Se o marketplace não é detentor do estoque, ele não tem autonomia nem interferência em remarcação de preços. Portanto, há uma maior dificuldade dos marketplaces em oferecer produtos com descontos na plataforma, pois inevitavelmente exige ter que convencer terceiros das “vantagens” em se colocar preços promocionais.

Muitas vezes, esse “acordo” com o seller para disponibilizar um produto promocional passa por uma redução na própria taxa de comissão, reduzindo drasticamente a margem (lembremos: gateways, adquirência e antifraude não reduzem seus valores).

Dificuldade de escalar

Para um marketplace, “escalar” vendas é um desafio muito maior do que no modelo 1P. Como a companhia não é “dona” do estoque, trabalha com informação de estoque de terceiros no sistema, e esse estoque, em sua grande maioria, está sendo “compartilhado” com outros canais, então campanhas de atração de tráfego, como e-mail marketing ou Google Shopping, para determinados SKUs podem simplesmente virar pó pela baixa profundidade do estoque do seller.

Exemplo

Um marketplace envia um e-mail marketing para sua base de dez milhões de e-mails com uma oferta matadora de um celular: 30% de desconto de um lojista X.

No entanto, esse lojista só tem 50 itens no estoque e, desses 50 itens, 40 foram vendidos na sua própria loja, sobrando apenas dez itens para o marketplace. Em dez minutos, esses dez itens se esgotam e todos os outros clientes que acessarem a página da oferta nos próximos sete dias (tempo médio em que um e-mail marketing performa) irão ver que o produto se esgotou.

Para o lojista, a ação foi um sucesso. Para o marketplace, um fracasso – um baita de um esforço de dez milhões de e-mails disparados para vender apenas dez itens.

Para diminuir os problemas de profundidade de estoque, e ruptura, o marketplace precisa constantemente trazer novos sellers para a base.

Relação conflituosa: o seller normalmente quer fazer a primeira venda pelo marketplace; a segunda, direta

Pergunte para todo o lojista que vende em um marketplace qual é o seu principal objetivo. De dez lojistas que responderem, oito dirão que o principal objetivo, ao vender em um marketplace, é fazer a primeira venda ao cliente através do marketplace, e que depois pretendem fazer as demais vendas para o cliente via canal direto, usando o próprio e-commerce, eliminando o papel do marketplace na cadeia de valor.

A relação entre marketplace x seller é essencialmente conflituosa. O seller sabe que precisa da audiência e da força do marketplace para captação do cliente, mas em todas as outras oportunidades ele deseja eliminá-las, vendendo direto para o cliente e aumentar suas margens.

Onde estão as oportunidades: pagamentos e crédito

No marketplace, a maior oportunidade de ganho não é na receita sobre intermediação de vendas, e sim na parte financeira. Em 2017, apenas 60% da receita do Mercado Livre foram do marketplace, os outros 40% foram do MercadoPago, MercadoEnvios e o MercadoShops. Só o MercadoPago, em 2017, teve um TPV (Total Payment Volume) de US$ 13,7 bilhões, aproximadamente o mesmo TPV do Pagseguro, que hoje vale em bolsa aproximadamente US$ 8,24 bilhões, ou seja, se o Mercado Livre abrir o capital do MercadoPago (spin-off) como uma empresa independente, ela sozinha tem a oportunidade de atingir o valor de mercado do Pagseguro.

O mesmo princípio se aplica à B2W, que ano passado transacionou R$ 12 bilhões. Existe um potencial enorme em criar uma unidade de negócio financeiro para processar os pagamentos e financiar a cadeia de lojistas.

A propósito, os esforços já começaram. Neste ano, a B2W criou a Ame Digital, e já anunciou que vai oferecer crédito aos vendedores do seu marketplace. A ViaVarejo, em uma parceria com a GetNet, anunciou que também vai oferecer serviços financeiros aos lojistas, e a Magazine Luiza também já avisou que em breve lançara a Magalu Pagamentos.

A barreira de entrada

A má notícia para quem está entrando no marketplace pensando na receita financeira é que o BACEN regulamentou esse mercado, e existe uma barreira de entrada enorme para o player que deseja custodiar recebíveis dos sellers, tornando esse negócio bem difícil de executar.

A saída encontrada pela maioria dos marketplaces é utilizar intermediários, como Moip, Pagar.me ou PagSeguro, mas, nesse caso, no momento da captura da transação, já deve ser feito o “split de pagamento”, impossibilitando qualquer tipo de ganho financeiro na transação.

Segmentos de Negócio do Mercado Libre – 2017.

Conclusão

Talvez o argumento que melhor endossaria os pontos levantados no artigo é a apresentação das demonstrações financeiras da B2W do primeiro semestre de 2018. Ela já opera com quase 50% do faturamento no modelo 3P e, ao contrário do que era anunciado, o lucro não veio.

Definitivamente, não será o modelo 3P que irá melhorar a rentabilidade dos players do varejo de forma híbrida, com a oferta de um sortimento adicional. O modelo sem dúvida ajuda a maximizar a receita por usuário, mas, sozinha, a estratégia não é suficiente para gerar lucro na operação.

De longe, as operações que estão tendo lucro neste momento de transformação do varejo são aquelas que conseguem oferecer maiores sinergias entre os canais físicos e online.

Magazine Luiza, Renner e Via Varejo que o digam.

Contudo, existe uma tendência de os grandes players avançarem na cadeia e criarem suas próprias plataformas de pagamento. Lá, sem dúvida, o oceano é mais azul, mas o jogo é bem mais difícil.

Cielo e Rede que se cuidem.

* Artigo publicado originalmente em 2019.