Uma pesquisa realizada pela Yotpo em 2023, destacou que 83% dos consumidores dizem pertencer a um programa de fidelidade. Embora seja um número expressivo, em 2017, um levantamento da Accenture trouxe que, apesar do nome, 71% dos consumidores afirmam que esses programas na realidade não geram fidelidade. Por mais contraditório que seja, avaliando um panorama desse período até os dias atuais, é possível perceber que pouco foi modificado de lá para cá para que esse sentimento mudasse.
Surgimento dos programas de fidelidade
Para iniciar essa conversa, vale começarmos compreendendo o surgimento dos programas de fidelidade e por que, atualmente, eles não cumprem com o principal objetivo: a retenção de clientes.
Existem registros de que esses programas surgiram no século XVIII. Os varejistas da época queriam recompensar seus clientes fiéis e começaram a dar moedas de cobre que os consumidores poderiam trocar por produtos posteriormente. Desse período para cá, muita coisa aconteceu. Enquanto novos tipos de programas surgiram, a conexão entre marca e cliente continua a mesma do século XVIII, uma relação transacional.
A era da Economia da Expectativa
No entanto, o que vemos é uma necessidade urgente de que a dinâmica dessa relação consumidores-empresas mude. Com o surgimento de Amazon, Spotify, Uber, Netflix e outros negócios similares, nasceu também uma nova forma de oferecer um serviço. Os consumidores se acostumaram a um cenário de ultraconveniência com entregas rápidas, uma experiência digital quase sem nenhuma fricção e uma hiperpersonalização.
Estamos na chamada era da Economia da Expectativa, conceito cunhado pela Trendwatching em 2015 para traduzir os sentimentos dos consumidores do século XXI em relação às empresas de qualquer setor. O mindset é: me dê o que eu quero, na hora que eu quero e rápido. Mohanbir Sawhney, especialista em estratégias para e-commerce, afirma que a única maneira de manter os consumidores engajados é entender, com profundidade, a jornada desse cliente, atender às suas necessidades e expectativas, e fazer isso em qualquer ponto de contato dessa jornada.
Empresas precisam continuar surpreendendo seus consumidores
No entanto, ainda existem poucas iniciativas por parte das empresas para realizar de fato esse desejo e realmente criar uma conexão com seus consumidores. A boa notícia é que há oportunidades para serem exploradas.
Em uma pesquisa da Wunderman Thompson (2023), 70% dos entrevistados não se lembram da última vez que uma marca fez algo que os deixassem empolgados. Isso mostra que há uma grande necessidade por parte dos consumidores de se sentirem surpreendidos. A mesma pesquisa ainda diz que 61% dos entrevistados querem que as marcas os ajudem a sentir emoções intensas. Se por um lado existem clientes sedentos por novidades, por outro existem empresas que desejam se destacar no mercado.
Contudo, essas empresas só vão conseguir se destacar ao assumirem o risco de desenhar estratégias mais ousadas e condizentes com os desejos dos consumidores, para além do lucro. Os executivos à frente de e-commerces e negócios que desejam implementar ou redesenhar um programa de fidelidade devem começar compreendendo de uma vez por todas que esse tipo de programa, em pleno século XXI, vai muito além de pontos.
O objetivo de ter uma iniciativa como essa evoluiu junto às mudanças de comportamento das pessoas. Hoje, as empresas podem desenhar programas com o foco em reter clientes, mas também podem atrair novos consumidores e aumentar a fidelidade do seu público, tudo vai depender dos objetivos estratégicos do negócio e do momento da companhia.
Autenticidade e conexão são fundamentais
No mundo complexo de policrise, não existe receita pronta. E é por isso que empresas que desenvolvem programas de fidelidade autênticos saem na frente. Autenticidade é uma tendência forte no mundo dos negócios, e no varejo não seria diferente. Ser autêntico em tempos de IA e deep fakes oferece segurança em tempos de incerteza. E, para negócios, pode ser uma estratégia forte de estabelecer uma conexão com os consumidores. É o caso da Recustom, uma marca de moda que tem como objetivo reviver a comunidade de alfaiataria de Singapura. Diferentemente do varejo convencional, os produtos não estão prontos e disponíveis para uso. Nesse caso, os clientes devem visitar os alfaiates locais para recriar os looks com moldes de design existentes e usar suas próprias roupas como matéria-prima.
Outro desejo latente do consumidor é por mais conexão. Em 2018, o Reino Unido criou o Ministério da Solidão com o objetivo de tentar amenizar a crise crescente que a população inglesa vinha enfrentando de se sentir só. Tendo em vista esse sentimento de desconexão e a necessidade das pessoas de terem mais encontros, surgem as comunidades. A pesquisa em economia comportamental e psicologia mostra que queremos nos sentir conectados, pertencentes e com um propósito, especialmente quando construímos algo. Trabalhar em direção a um objetivo comum é uma motivação relevante para as pessoas. As comunidades proporcionam isso, gerando um senso de responsabilidade compartilhada e valores em comum, ao mesmo tempo que mantêm a autonomia individual.
Do ponto de vista de negócios, a comunidade é um meio de fidelizar o cliente, criar uma conexão emocional e uma fonte de dados de qualidade. Um exemplo disso é a marca de beleza da jogadora de tênis Serena Williams, uma vez que 95% das vendas da Ulta Beauty vêm do programa de fidelidade. No próprio mercado da beleza, a comunidade da Sephora, Beauty Insider, já contabiliza seis milhões de usuários. O futuro dos negócios é mais aberto, conectado e envolvente, e as comunidades mudarão a natureza de como interagimos com marcas, produtos e outras pessoas.
O que venho percebendo é que, se quisermos falar de programas de fidelidade para além de pontos, devemos investir em autenticidade, criar uma conexão emocional com os clientes e construir relacionamentos baseados em comunidades. No final do dia, tudo se trata de ler o comportamento humano vigente e transformá-lo em oportunidades de negócio.