Quase sete anos depois que o CEO da Amazon, Jeff Bezos, apareceu em um programa de TV e contou sua ambição de revolucionar o mercado de entregas em domicílio com uma frota de drones que deixariam os pacotes dos clientes em suas portas, a promessa ainda parece distante da realidade. De acordo com reportagem do Business Insider, tudo indica que agora o Amazon Prime Air deve ser lançado em 31 de agosto.
Entretanto, pessoas próximas ao programa dizem que qualquer serviço de drone que a Amazon possa lançar no curto prazo equivalerá a pouco mais que um ensaio em um ambiente controlado e área extremamente limitada.
Além da pressão das concorrentes como Google e UPS que ameaçavam deixar a Amazon Air Prime para trás, um abalo na administração trouxe um novo chefe para o grupo, encarregado de colocar os drones no ar o mais rápido possível.
Especialistas da Amazon dizem que a empresa desenvolveu uma forte tecnologia de drones. Entretanto, eles reconhecem que a equipe da Prime Air se esforçou para encontrar uma direção clara, dificultada por anos de conflito interno, falta de foco e obstáculos regulatórios em andamento, diz a reportagem.
A Business Insider conversou com mais de uma dúzia de funcionários atuais e antigos da Amazon próximos ao programa de drones da empresa para fornecer uma visão dos bastidores do projeto. Em um comunicado por e-mail à publicação, Brad Porter, vice-presidente de Robótica da Amazon, disse que a Prime Air “continua fazendo grandes avanços” em direção ao lançamento oficial.
“Reconhecemos que a única solução que vale a pena lançar é incrivelmente segura e continuamos a trabalhar em parceria com a FAA nessa missão”, disse ele. “Estamos empolgados com o fato de David Carbon se juntar a nós nesse empreendimento; sua experiência será inestimável para a equipe à medida que avançamos para a próxima fase”, disse Porter, referindo-se ao novo chefe da Prime Air, David Carbon.
Nova liderança
Ex-executivo da Boeing, Carbon ingressou na Amazon há três meses para transformar a Prime Air de um laboratório de pesquisa isolado em um grupo mais voltado para negócios, estreitamente alinhado com a organização de varejo em geral.
A Prime Air foi projetada para entregar pacotes com menos de cinco libras — que representam 85% dos produtos vendidos na Amazon — em 30 minutos ou menos, usando drones totalmente elétricos que podem voar até 24 km. A Amazon investe bastante no programa desde 2013, formando uma equipe de quase 1.000 funcionários espalhados por cinco países, incluindo EUA, Reino Unido, França, Áustria e Israel.
Em um e-mail interno obtido pelo Business Insider, Carbon descreveu os esforços para evoluir de “uma postura de P&D [sigla para departamento de Pesquisa e Desenvolvimento] para um Programa Aeroespacial estruturado”, com um cronograma detalhado das metas do grupo e análises trimestrais de negócios, abrangendo a equipe de operações em todo o mundo.
“Esses esforços foram extremamente benéficos para nos ajudar a entender nossas realizações, para onde precisamos ir e quais lacunas permanecem”, escreveu Carbon em um e-mail obtido pelo portal americano.
Antes de Carbon, o antigo líder da Prime Air, Gur Kimchi, anunciou em março que estava mudando para um papel diferente dentro da companhia. Kimchi era o rosto da equipe desde o início em 2013. Pessoas próximas à equipe dizem que Kimchi foi expulso depois de não se mover mais rápido com o lançamento da Prime Air. Atualmente, Kimchi não tem subordinados diretos e, recentemente, tirou uma licença, conta a publicação.
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Troca de executivos
A reportagem explica que Kimchi tinha sido fundamental para o desenvolvimento da Prime Air, era considerado um gênio, porém, tinha dificuldades de priorizar, o que estaria deixando seus superiores angustiadas com a lentidão do lançamento.
A experiência na fabricação e montagem de aeronaves do seu sucessor, Carbon, veterano da Boeing reforça isso, embora, segundo a publicação, ele tenha tido seus próprios problemas com alegações de má administração na fábrica 787 Dreamliner que ele dirigia, conforme reportagem do New York Times.
A mudança de liderança foi motivada por Dave Clark, chefe de Operações da Amazon, que assumiu a supervisão da Prime Air no final do ano passado. Clark, conhecido por ser um líder exigente, pressionou mais a equipe da Prime Air para mostrar resultados imediatos, dizem as fontes.
A equipe agora se afastou de projetos de longo prazo, como a construção de material especial que poderia diminuir o peso do drone, e está focada em colocar o serviço em funcionamento o mais rápido possível, diz a publicação.
Paul Viola, vice-presidente de Ciência da Prime Air, foi outra saída estratégica de executivos ligados ao projeto. Ele partiu em fevereiro, depois de quase seis anos lá. Paul Ryder, outro vice-presidente que se juntou à equipe em 2017, saiu depois de apenas 18 meses para se aposentar.
Outras mudanças apontam para um comportamento mais focado, segundo o Business Insider. Nos últimos meses, os engenheiros da Prime Air foram convidados a participar de uma sessão de treinamento especial de dois dias para certificação de software, administrada pela Patmos Engineering Services, uma empresa de consultoria que ajuda empresas no processo de certificação da FAA.
A equipe também atualizou seus conselhos internos de supervisão, diz a reportagem, incluindo grupos que revisam formalmente os relatórios de falhas de dispositivos e as alterações na configuração do drone. Enquanto isso, a Amazon começou a fabricar alguns drones em um de seus próprios armazéns em Sumner, uma cidade a 48 km ao Sul de Seattle.
Conflitos internos
De acordo com a apuração do Business Insider, alguns funcionários temem que a rapidez de implantação do projeto e a retração da pesquisa e desenvolvimento podem ser prejudicial às perspectivas de longo prazo da equipe.
“Enquanto hoje ainda estamos trabalhando com muitos dos detalhes associados ao lançamento de nossos serviços e como vamos estruturar para alcançá-lo, não vamos parar ou reduzir nosso foco em pesquisa, ciência, desenvolvimento e design de produtos”, escreveu Carbon em um e-mail.
Alguns funcionários dizem que a Amazon poderia ter se movido mais rapidamente se não fosse por outros problemas profundamente enraizados na Prime Air.
Um conflito entre os talentos locais da Amazon e os recém-contratos funcionários da aviação, devido ao modo de trabalho, levou o atraso no processo de aprovação da FAA. Além disso, a mentalidade tradicional da Amazon de resolver problemas difíceis muitas vezes colidia com a abordagem simples, porém estável, do lado da aviação, explica a reportagem.
O design de drones da Amazon era um ponto de discórdia frequente. De acordo com a publicação, o pessoal da aviação preferiu um design mais tradicional adotado por outras empresas, pois havia mais referências que poderiam ser usadas durante o processo de certificação da FAA.
Mas os líderes da empresa queriam o design não convencional por causa dos recursos avançados, como eficiência energética e melhores controles, independentemente do tempo que tomasse para ser desenvolvido. Essa atitude resultou no mais recente modelo de drone da Amazon — um veículo exclusivo de formato hexagonal cercado por uma cobertura de seis lados, diz o site.
Na surdina
A equipe da Prime Air tem uma distância da cultura do restante da empresa e um escritório escondido dos colegas, no centro de Seattle. A equipe usa um sistema de back-end separado e senhas para documentos internos e os funcionários recebem um escudo preto para cobrir os cartões de identificação da empresa.
Devido a essa cultura secreta, os testes eram geralmente realizados no quintal dos funcionários da Amazon, geralmente interrompidos pelas autoridades. Como os funcionários não tinham permissão de dizer para quem trabalhavam, muitas vezes precisavam usar nomes falsos de equipes, como “Projeto Veneza”, quando perguntados sobre sua afiliação, conta a reportagem que sugere que esse comportamento pode ter contribuído para uma cultura de trabalho menos rígida.
Mas o maior obstáculo ao lançamento da Prime Air continua sendo questões regulatórias, de acordo com o Business Insider. Todo serviço comercial de entrega de drones nos EUA precisa da permissão da FAA.
Essa aprovação vem com um monte de restrições diferentes, mas os dois requisitos mais importantes são ter “linha de visão” ou olhos no chão o tempo todo quando o drone está voando e não sobrevoar multidões. Para uma empresa como a Amazon, que entrega bilhões de pacotes por ano, é quase impossível lançar um serviço de drone que atenda a esses requisitos.
Algumas empresas, como a UPS e a subsidiária da Alphabet, Wing, receberam recentemente uma isenção de algumas dessas restrições para lançar serviços limitados de entrega de drones. Segundo Reese Mozer, CEO da American Robotics, uma empresa de software de drones que ajuda a coletar dados industriais, as empresas precisam enviar todos os tipos de dados e documentação para provar sua tecnologia. Como essa indústria também é nova para a FAA, esse processo pode levar meses ou até anos.
“Esta é a nova fronteira”, disse Mozer à publicação. “Nenhuma empresa no mundo foi aprovada para entregar as coisas rotineiramente além da linha de visão e voar autonomamente em todo o país”.
Em julho, a Amazon solicitou formalmente uma aprovação da FAA para executar entregas comerciais de drones nos EUA e solicitou várias isenções, incluindo a capacidade de voar além da linha de visão.
“A Prime Air realizará suas operações de maneira mensurada e iterativa, começando inicialmente com voos sobre áreas pouco populosas e expandindo à medida que nossa proficiência se desenvolve”, escreveu a Amazon na carta de 29 páginas enviada à FAA. Em resposta, o órgão levantou uma série de perguntas sobre as medidas de segurança e políticas de dados da Amazon.
Não está claro onde está o processo de aprovação da Amazon agora. Mas a empresa continua trabalhando em estreita colaboração com a FAA, e seu mais recente modelo de drone vem voando todos os dias em um intervalo público designado pela FAA para gerar os dados necessários, dizem as fontes do Business Insider.
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