O e-commerce caiu nas graças do consumidor, sobretudo durante a pandemia de Covid-19. Porém, os bastidores deste setor já rompem barreiras há cerca de duas décadas, sendo pensado e levado nos braços por homens e mulheres que se dedicam diariamente para que o mercado cresça cada vez mais. E, por falar em mulheres, elas não ficam atrás em inovação, capacidade técnica e de negócios, mas ainda sofrem com a falta de oportunidades.
Em 11 anos do Prêmio E-Commerce Brasil, Suelen Bellinassi, fulfillment manager do Mercado Livre, foi a primeira mulher a vencer na categoria de logística. A última edição do evento premiou os melhores profissionais do comércio eletrônico de 2021, e é o mais tradicional e relevante evento no que se refere ao reconhecimento do setor no País.
Além de Bellinassi, também levaram o prêmio Julia Rueff, head de marketplace do Mercado Livre, e Ana Pio, especialista em e-commerce na SAP e embaixadora do Mulheres no E-Commerce. As três ganhadoras conversaram com o E-Commerce Brasil sobre os principais desafios de ser mulher na carreira executiva dentro do comércio eletrônico.
O e-commerce chegou na vida das três de formas diferentes: Rueff, formada em publicidade na PUC-RJ, começou um estágio na área comercial de uma empresa de venda online e, com pouco tempo de experiência, percebeu que aquele era o caminho que queria seguir na carreira, tanto que nunca atuou na sua área de formação. “Os mercados de e-commerce e de tecnologia me encantam porque são locais onde você ajuda a desenhar o futuro e pode fazer parte da transformação do comportamento do consumidor”, afirma.
Para Bellinassi, o comércio eletrônico surgiu por acaso. Formada em biologia, acumulando mais de 12 anos de experiência em operações. Trabalhou com qualidade, excelência operacional, e foi se apaixonando pelo processo de logística. Ficou à frente de um centro de distribuição, quando surgiu a oportunidade de criar o e-commerce naquela empresa. Agora, está há um ano no Mercado Livre. “Eu entrei no e-commerce pela necessidade do negócio porque a empresa precisava criar outros canais de vendas, incluindo o online”, relembra.
Já Pio, viu uma oportunidade de ingressar em uma carreira com o surgimento de uma nova rede social relevante até os dias de hoje. Há 18 anos trabalhando com e-commerce, se formou em três áreas: design gráfico, história da arte e marketing. A conclusão da graduação de designer gráfico coincidiu com a chegada do Facebook no Brasil em 2004. “Na época, tive um insight de que a rede social iria mudar as relações pessoais e de consumo, e decidi começar a estudar sobre e-commerce e marketing digital”, diz.
A executiva atuou por 10 anos implementando e-commerce B2C (business to costumer) para pequenas e médias empresas, depois migrou para o B2B (business to business) e B2C, até fazer duas transições de carreira aos 40 anos, durante a pandemia. “Trabalhei por um ano como executiva comercial de e-commerce em uma multinacional de bens de consumo até receber um convite de outra empresa para atuar na área de tecnologia e inovação”, relembra.
Moderno, mas nem tanto
Apesar de o comércio eletrônico ser um setor novo no mercado, antigas questões também o afetam, como o preconceito de gênero. Rueff conta que sua vivência mostra que o e-commerce é um ambiente mais igualitário para as mulheres do que outros mercados. “Os meus maiores contatos com machismo aconteceram principalmente no meio físico. O setor tem muito o que melhorar nessa questão, mas é mais aberto e favorável à equidade de gênero”, acredita.
Na visão de Bellinassi, não há muita diferença. “Trazendo essa perspectiva de que sempre trabalhei com logística, seja no online ou no porta a porta, muda pouco. O que impacta mais de forma negativa ou positiva é a cultura da empresa”.
Segundo Pio, ser mulher em e-commerce já foi mais complexo. “Nós tivemos mulheres muito fortes e empoderadas que abriram caminho para tantas outras que vieram depois. Eu espero que a minha geração esteja abrindo portas para mulheres de 20, 30 anos que estejam adentrando no e-commerce”, relata.
“Todas nós já sofremos preconceito. Fui ganhando meu espaço até ser líder em logística, o que é uma vitória. Quando comecei, há uns sete anos, fui a primeira gerente daquela empresa a estar na área de logística. Já ouvi muito ‘ah, é você que é a gerente?’. Mas sempre segui em busca de equidade, e nunca me privei de andar nos corredores da logística de salto alto”, afirma Bellinassi. “Acho que o prêmio é um reflexo bacana porque depois de 11 anos eu fui a primeira mulher a ser premiada na categoria de logística. É uma bandeira que temos que defender, que é a presença da liderança feminina em qualquer que seja a área de atuação”, completa.
“Anos atrás, um chefe homem, que era meu líder na época, se apropriou totalmente de uma ideia minha e recebeu os créditos por isso. O preconceito ainda existe, mas de maneira mais velada com piadinhas e comentários ou quando nos interrompem em uma reunião”, elenca Pio. Para ela, a presença de mais mulheres no ambiente de trabalho contribui para diminuir o preconceito, além de iniciativas que estão sendo feitas para promover equidade de gênero e salarial. “Isso contribui para que mais mulheres cheguem a cargos de liderança. Estamos em uma era em que conseguimos educar a respeito deste preconceito”, afirma.
Cargos de chefia para elas
Segundo Rueff, estar em uma posição de liderança inspira outras mulheres a crescerem, mas também proporciona uma perspectiva diversa, o que também torna o ambiente mais acolhedor. A executiva se tornou mãe há um ano e acredita que a maternidade também ajudou a mudar seu olhar. “Tem coisa que só a mulher vai passar, como o retorno da licença maternidade. É um processo solitário e individual, e bem diferente para o homem. Tem empresas que facilitam, mas outras não. Além de o processo de se separar do bebê, você precisa pegar o ritmo, ainda mais no e-commerce. Voltar depois de cinco meses fora é pegar o bonde andando, o que demanda muita energia. Mas é um processo natural e é assim que deve ser tratado”, diz.
“A maternidade traz complexidades que, até você ser mãe, não consegue entender como é para um pai trabalhar e como é para uma mãe trabalhar, e o que isso significa em termos de disponibilidade, do que a pessoa está passando, e como você tira o melhor das pessoas entendendo o momento que elas vivem. Ter mulheres (com ou sem filhos) na liderança deixa o ambiente mais empático”, defende a executiva.
Bellinassi concorda com sua colega de empresa. “Nós temos características que nos diferenciam de outras pessoas, mas sou mais aberta a todas as diversidades porque é assim que conseguimos costurar um time com diferentes óticas e que tenham perspectivas diferentes. Aí é que ganhamos o jogo. Em qualquer cadeira de liderança, você precisa liderar pelo exemplo”, acredita. “Hoje, sendo liderada por outras mulheres, vejo que essa pluralidade só nos leva a ganhar. Nós temos essa habilidade de ser multitarefa que, por um lado sobrecarrega, mas por outro nos possibilita fazer várias atividades”, complementa Pio.
Segundo Pio, que também é mãe há nove anos, a maior dificuldade das mulheres em assumir cargos de liderança é conciliar a vida pessoal e profissional. “A vida não é justa para as mães. Mesmo com uma boa rede de apoio, manter todos os pratinhos girando ainda é com você. E nos cobramos para sermos boas em tudo. Invariavelmente, você não vai conseguir ser boa em tudo e vai se frustrar ao longo da sua carreira e da sua vida”, observa.
E-commerce mais inclusivo
Ter mais mulheres nas empresas não necessariamente implica em mais diversidade, pois é necessário que essas profissionais tenham voz nas decisões. “Falta as empresas se mobilizarem de fato e que tenham programas mais práticos para mostrar qual o ganho de ter diversidade. Sem mostrar o ganho e o quanto converte em resultados, as empresas não vão comprar essa ideia. Incentivar e levantar uma bandeira é legal, mas se não tiver um programa direcionado ou nenhuma ação prática aquilo cai por terra, como colocar quadro de valores na parede e ninguém vivenciar aquilo. As empresas precisam criar mecanismos e proporcionar meios para que as mudanças aconteçam”, enumera Bellinassi.
De acordo com Rueff, há alguns movimentos acontecendo nas companhias para promover equidade, seja de gênero ou de outros tipos de diversidade. “Acho que esse é o caminho a ser seguido, mas também precisamos saber como desenvolver essas pessoas e tê-las no radar para quando surgirem essas oportunidades”. “Como líder, se você não estiver inserida em empresa que tenha essa cultura, você pode começar a mudar o seu time. Talvez não consiga mudar a cultura organizacional, mas pode transformar pequenas coisas que fazem com que outros times observem os resultados e se espelhem, assim outras mudanças começam a surgir”, explica Bellinassi.
Para Pio, além de iniciativas dentro e fora das empresas, as companhias precisam acompanhar os projetos como parte da rotina, não apenas em momentos pontuais. Ela conta que muitas empresas procuram o Mulheres do E-Commerce, por exemplo, apenas às véspera do Dia Internacional das Mulheres. “Só dão foco quando é data comemorativa e no resto do ano não têm outras iniciativas válidas e funcionais que realmente coloquem mulheres nos espaços que elas merecem. Muitas vezes, a mulher só precisa de uma oportunidade. Ela precisa galgar o espaço dela dentro de uma operação, mas ela primeiro precisa de alguém que acredita no seu potencial para inspirar outras que inspiraram outras, e assim construímos um ciclo que favorece todo mundo”, afirma.
Ainda segundo ela, as empresas precisam abrir vagas internas destinadas a mulheres, mulheres negras e pessoas com deficiência. “Já as mulheres, precisam avançar e protagonizarem suas próprias carreiras, fazer networking e fazer trabalho de sua marca pessoal”, finaliza.
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Por Dinalva Fernandes, da redação do E-Commerce Brasil