Durante o Expo HSM 2020 now!, evento focado em gestão empresarial, Nizan Guanaes, empresário e publicitário brasileiro, entrevistou Bozoma Saint John, chefe de marketing da Netflix nos EUA. A executiva se tornou uma inspiração para os profissionais da área por seu jeito único de encarar a publicidade e por ter feito apresentações relevantes enquanto trabalhava na Apple.
Nizam: qual a sua visão sobre o marketing global atualmente? Como ele se destaca nesse novo período.
Bozoma: o ponto é ser relevante e comprometido com a sua audiência. Hoje em dia é necessário ser mais rápido e usar a si mesmo para fazer o que as pessoas querem ver, respondendo as perguntas: o que você quer consumir hoje, o que você quer ver hoje?
Nizan: as pessoas gastam milhões para se fazer ouvir e criar estratégias de comunicação, mas isso não é o suficiente. O que faz o bom profissional de marketing?
Todos nós devemos ser estudantes, nós nunca vamos ser especialistas, estamos sempre no começo, no sentido de sempre criar uma visão do que está acontecendo e ser curioso o tempo todo.
Como estar conectado às tendências? A chave é a palavra é “hard” (difícil), ou seja, sempre ser inquisitiva e continuar se perguntando o tempo todo, trabalhando duro.
Não há apenas um jeito ou uma forma de saber o que está acontecendo. Há uma combinação de fatores, como redes sociais, música, ler notícias, conversar com amigos e familiares.
Se você faz isso naturalmente, não terá problema em achar coisas que chamam a sua atenção para as tendências. Criei alarmes e sempre consulto fontes confiáveis de pesquisa para me manter atualizada, além disso, uso meu tempo de maneira mais eficiente para me manter informada sempre.
Nizan: estar vivo é uma forma de estar conectado, então como garantir que os profissionais de marketing tenham tempo além do trabalho para criar essas conexões.
Bozoma: tem muito acontecendo atualmente, mas a chave é achar alegria nas coisas e isso é uma escolha de vida. Achar alegria nas atividades do trabalho e do cotidiano.
Se perguntar: o que há nos momentos que me faz sentir inspirado? E então usar essa sensação para se conectar com o que está acontecendo.
Nizan: qual é o futuro dos ads?
Bozoma: quais são as coisas que estão funcionando para as companhias? Para mim o importante é usar o que já está funcionando e adaptar às expectativas do atual mercado.
Se a pessoa espera para se adaptar ou começa a pesquisar alternativas para mudar completamente, as chances são de não dar certo, pois o segredo é se ajustar continuamente e não necessariamente mudar completamente do nada.
Então o marketing e o ads tradicional não morreram, eles só estão se transformando.
Nizan: como você coloca a sua energia no trabalho? Como você transmite o pessoal para o profissional?
Bozoma: independente de saber ou não sobre o assunto, a pessoa precisa entender o sentimento de estar naquele ambiente. Assim ela pode traduzir a sensação para o que as pessoas querem com o marketing.
Nizan: como é conectar as experiências dela com o Netflix atualmente?
Bozoma: a competição não é sobre quem está fazendo o streaming, pois o Netflix compete com todo mundo, restaurantes, marcas, lojas, inclusive com a cultura popular.
A cultura pop é extremamente fluida, pois durante o dia as pessoas pensam em diversas coisas que dividem sua atenção.
As pessoas não precisam mais necessariamente sentar no sofá pra decidir o que eles querem ver, elas podem ter essa interação com o Netflix em qualquer parte do dia e em diversas plataformas.
Nizan: sobre estratégia, qual o seu conselho para quem está começando agora no marketing?
Bozoma: o mundo é cheio de distrações. Como uma estudante de cultura pop, um dos principais erros é querer falar sobre nós mesmos e não sobre o que a pessoa quer consumir em outros produtos. A aproximação é uma chave para conseguir conversar com as pessoas ao saber o que elas querem.
Como você se relaciona com as próximas tendências? É importante se manter curioso e saber o que está acontecendo no mundo para se relacionar com coisas além do seu produto.
Nós ficamos tão presos nas nossas obrigações e apresentações, que esquecemos de olhar para os nossos vizinhos e as pessoas andando pelas ruas. É importante manter a conexão com as pessoas para se manter relevante.
Nizan: sobre eleições nos Estados Unidos e estarmos conectados, o que você acha disso?
E sobre as pessoas não terem tempo para viver, se torna mais difícil criar essa cultura para se conexão. Ao contratar pessoas, que tipo de talento você contrata?
Bozoma: a verdadeira celebração é termos uma mulher como vice-presidente dos EUA, como uma mulher negra e filha de imigrantes. Isso te dá uma perspectiva sobre o mundo e abre seus olhos. É realmente importante estar atento às discussões globais.
Sobre contratações, nós precisamos continuar otimistas e encontrarmos pequenas alegrias para conseguirmos nos relacionar com o nosso trabalho.
Eu amo pessoas curiosas. Não importa se você tem experiências específicas. Eu quero contratar pessoas famintas por inovação, dedicação para aprender e fazer a diferença, além de estar antenado com o que está acontecendo no mundo.
Nizan: você deveria vir ao Brasil. Quais marcas te inspiram pelo mundo?
Bozoma: meu gosto em marcas mudou ao longo dos anos. Então agora eu estou mais interessada em marcas que agem de maneira local. Estou cansada de marcas que simplesmente traduzem seus conteúdos.
A Nike é uma marca que admiro. Eles fazem de maneira muito consciente e rápida.
Então eu diria que admiro marcas globais, mas que fazem suas operações locais de maneira consistente como um todo.
Nizan: e a interação online e offline do marketing atualmente?
Bozoma: nós não nos comportamos de maneira a diferenciar o on do off. Nas redes sociais, você vai ver os posts de maneira orgânica e patrocinada, mas você também encontrará essa marca off ao sair de casa.
Está ficando interessante de novo em trabalhar com a marca de maneira offline. Mas eu espera que as pessoas comecem a pensar nisso como um todo. E para isso, a mensagem tem que seguir uma linha, os dois precisam estar aparecendo o tempo todo. Não dá para criar uma marca sofisticada sem prestar atenção nos dois lados.
Nizan: como você começou sua carreira?
Por acidente. Era pra eu ser uma médica, mas tirei um tempo para pensar em Nova York e me vi em uma cidade super interessante, em trabalhos temporários em agências. Assim tive a oportunidade de ajudar em uma agência de marketing de maneira permanente, que mudou o curso da minha vida.
Nizan: é verdade que você começou a mudar as ideias dele?
Bozoma: eu comecei com correções no script ao atender o telefone e o chefe gostou dos apontamentos.
Nizan: conte-nos um pouco sobre a sua apresentação na Apple, que dizem que foi uma das mais importantes da empresa? Qual o segredo para esse destaque?
Bozoma: ainda me sinto tímida sobre isso. Mas para minha carreira eu consegui aproveitar os momentos. Você não vai fazer um trabalho bom se não tiver paixão por isso. Então eu expandi a minha experiência.
Ao ser keynote em nome da Apple, eu quis fazer sua própria apresentação. Muitas pessoas têm medo de ser elas mesmas e acreditam que vão alcançar o sucesso se copiarem quem já está fazendo, como muitos faziam com o Steve Jobs. Mas isso não é verdade, então as pessoas têm que se livrar da ideia superficial de copiar um jeito de ser, mas sim colocar sua própria personalidade para fora.
Nizan: e as marcas que copiam outras e acabam se apagando no processo e perdendo a identidade?
Bozoma: marcas se comportam como pessoas, as marcas tem personalidade, porque elas precisam transmitir que são diferentes das demais. O que te faz especial? Melhor do que qualquer pessoa? É isso que precisamos fazer para as marcas, fazer elas se exaltarem.
Nizan: como a opinião das pessoas ao seu redor influenciam o seu trabalho?
Minha família e amigos são os meus críticos mais duros, mas eu confio na opinião deles. Minha filha tem uma visão ainda mais disruptiva do que a minha.
Então eu busco nos outros as reações intuitivas, porque se você tem que se esforçar demais para explicar ou passar uma mensagem, não está funcionando. O que você sente quando vê um comercial? Não é necessário ser sofisticado para tocar as pessoas. Minha audiência não é só outras pessoas que trabalham com marketing, são as pessoas que consomem o meu tipo de produto e eu preciso pensar como elas.
Nizan: você acredita que é desafiador ser uma pessoa do marketing no mundo atual? Qual o papel das marcas nesse cenário?
Bozoma: se nós sentarmos para conversar por 10 minutos sobre nossos gostos, nós encontraríamos coisas em comum. Então as marcas precisam encontrar as coisas em comum entre si e conectar os pontos para não estarem divididas.
Hoje em dia as marcas estão mais inclinadas para conseguir isso. Ao me mudar para os Estados Unidos, eu precisei encontrar coisas em comum com os meus novos colegas para se conectar na escola e fazer amizades e ser aceita nesse novo ambiente.
Hoje as pessoas estão com medo de dizer coisas que não sejam aceitas e isso é como qualquer amizade: se você der motivos para as pessoas acreditarem e confiarem em você, será mais fácil elas te perdoarem se você tiver um deslize. O mesmo acontece com as marcas.
As ações precisam transparecer emoções e a confiança precisa ser construída antes do estrago. É a chave para qualquer relacionamento. Dar oportunidade para as pessoas se desculparem.
Nizan: você é uma pessoa verdadeira e corajosa. De onde vem a sua coragem. É necessário ser corajosa para criar coisas incríveis?
Bozoma: Eu não sou corajosa todos os dias. Então o meu conselho é: faça mesmo com medo. A maior parte do tempo nossos medos são tão maiores do que a realidade da situação. Então mesmo com medo de fazer ou falar algo diferente, a chave é achar uma oportunidade de fazer mesmo assim, da melhor maneira possível. É como pular em uma piscina gelada de cabeça. Sem isso não é possível fazer nada.
Nizan: como uma pessoa que trabalha com marketing pode fazer para criar um mundo melhor?
Bozoma: seja humano, essa é a regra de ouro. Em qualquer trabalho, eu me pergunto como trazer a minha humanidade para o espaço em que estou? A resposta é colocar esse pensamento em todas as nossas decisões.
Ao fazer decisões para uma marca, eu penso em como eu gostaria de ser tratada e como eu gostaria de ser comunicada.
Nizan: como conversar com pessoas de diversas gerações ao mesmo tempo? E isso é uma coisa que a Netflix faz o tempo todo com filmes e séries que fazem diferentes gerações assistirem aos mesmos conteúdos.
Bozoma: qual é a ideia central? Algumas marcas empurram ao extremo o público que querem alcançar e as pessoas ficam de fora das culturas e ambientes que precisam ser alcançadas. É não se esforçar demais para fazer as pessoas caberem no perfil. É por isso que nós trabalhamos com sentimentos.
O ponto é que cada pessoa pode se relacionar com os sentimentos da série, independente da idade, porque em algum momento todo mundo já sentiu algo próximo daquilo. Então, por exemplo, um momento de disputa, seja figurado ou literal, todas as pessoas já puderam se relacionar.