Lançada em maio do ano passado, a Temu chamou atenção do mercado brasileiro com seu modelo de negócios agressivo e preços extremamente baixos. Desde então, o marketplace do grupo Pinduoduo tem disputado espaço entre os aplicativos mais baixados, alcançando 19,8 milhões de downloads — um número que a coloca ao lado de gigantes como o TikTok.
Apesar da popularidade, relatos de consumidores nas redes sociais e no Reclame Aqui indicam desconfiança e experiências negativas, levantando a dúvida: afinal, os brasileiros estão mesmo comprando na Temu ou o sucesso se restringe à curiosidade de instalar o aplicativo?

Tráfego versus faturamento
Segundo a edição de março do Relatório Setores do E-commerce, da Conversion, a Temu chegou a mais de 216 milhões de acessos mensais, se tornando o terceiro e-commerce mais acessado do país. Os números indicam aproximadamente 19 milhões de acessos a mais do que a concorrente Amazon, que até então ocupava a terceira posição no top 10.
Em menos de um ano de atuação no Brasil, a gigante ultrapassou a concorrência quando registrou 151 milhões de acessos em fevereiro, maior número já alcançado pela plataforma no Brasil.

“Tráfego é um excelente termômetro de curiosidade e de apetite por preço baixo. Mas não é, por si só, sinônimo de resultado. Para entender a real dimensão do impacto da Temu no mercado brasileiro, é preciso ir além dos acessos e observar o que realmente movimenta o setor: faturamento, margem, EBITDA“, esclarece Rodrigo Garcia, Diretor-executivo da Petina Soluções Digitais.
Embora não divulgue os números do faturamento no Brasil, no quarto semestre de 2024, a PDD (Pinduoduo), subsidiária da Temu, alcançou um lucro de 27,4 bilhões de yuans (US$ 3,76 bilhões), um aumento de 17,9% na comparação com o mesmo período de 2023, segundo o jornal Valor.
O executivo defende que, em 2024, omodelo de negócios baseado em importações diretas sofreu um duro golpe com a implementação da “taxa das blusinhas”, derrubando em 40% o volume dessas importações já no primeiro mês de vigência. Dados da Receita Federal mostram que, em janeiro de 2025, o número de remessas internacionais caiu 27% em comparação ao mesmo mês do ano anterior. O valor financeiro transacionado também recuou 6%.
“Ou seja: mesmo com campanhas massivas e forte apelo de preços, as plataformas dependentes de remessas internacionais vêm perdendo fôlego. Em vez de criar uma operação nacional, a Temu insiste em crescer baseada em um modelo crossborder que já dá sinais de esgotamento”, acrescenta.
A situação fora do Brasil
Outro tópico que desafia a adesão do consumidor é a confiança na companhia. Uma postura que, inclusive, pode ser observada em outros países. Em fevereiro deste ano, a União Europeia (UE), a SHEIN e Temu passaram a ser investigadas pela venda de produtos irregulares ou ilegais, como falsificações. Uma infração às regras de proteção ao consumidor do bloco.
Para coibir a ação, a UE exigiu o envio de informações sobre os itens em transporte antes de sua chegada aos países europeis, além de estudar uma proposta de taxação desses produtos para compras abaixo de 150 euros, uma manobra semelhante ao que foi feito no Brasil com a “taxa das blusinhas”.
Lançado nos Estados Unidos em 2022, os consumidores do país revelaram desconfiança com o marketplace. A pesquisa da Omnisend, uma empresa de software de marketing, mostrou que 86% dos consumidores confiam na Amazon, enquanto 6% afirmaram confiar na Temu.
Conforme os dados globais, 6,4% dos entrevistados disseram confiar na Temu em vez da Amazon, mas 48% compraram na Temu pelo menos uma vez no último ano. Ainda assim, o principal atrativo para arriscar compras no aplicativo são os preços (53%), facilidades de uso (31%) e ofertas e descontos (29%).
Compras com ressalvas
Nesta semana, usuários da rede social X, antigo Twitter, debateram a credibilidade da plataforma. Entre os relatos, foram mencionados a má qualidade dos produtos, diferença no tamanho das peças e recebimento de fotos no lugar dos itens.
“Ai gente, tenho medo de comprar na Temu. Já vi umas três pessoas falando que foi comprar lá e recebeu um quadro com a imagem do pedido”, escreveu uma das usuárias. Outro usuário respondeu: “Já aconteceu. comigo. Comprei uma guirlanda de natal e veio um papelão impresso e recortado no formato 🤡”.
No TikTok, o vídeo feito por um consumidor traz uma experiência parecida. Ele informa ter recebido uma placa de metal com a foto da organizadora comprada ao invés produto.
No entanto, também existem relatos que mencionam compras bem sucedidas. “Eu compro muito na Temu e amo. Nunca tive problema, mas tem isso de quadro mesmo, mas é só saber olhar”, esclareceu outra usuária da rede social.

A desconfiança dos brasileiros com a plataforma também é observada nas buscas do Google. No Google Trends, a análise dos últimos 12 meses das buscas relacionadas ao nome Temu, são seguidas pelos termos “é confiável” e “reclame aqui”, indicando o interesse dos consumidores em checar a reputação da plataforma.

Ao acessar o Reclame Aqui da companhia, o site mostra a nota média da reputação nos últimos 12 meses: 4.5/10, menos da metade do total. O que indica a Temu como “não recomendada”, conforme os critérios do site. Com 67 reclamações não respondidas neste período, as principais queixas mencionam propaganda falsa (39.18%).
Já os registros das principais reclamações do Procon-SP indicam um aumento das recorrências em 2025 em relação ao ano passado, revelando um aumento do consumo na plataforma. No comparativo com 2024, este ano o número de consumidores insatisfeitos com a não entrega ou demora na entrega dos produtos disparou.

Procurada pela nossa redação, a Temu ainda não se manifestou a respeito até a data da publicação dessa reportagem. Atualizaremos o texto caso a empresa se posicione.
Tropicalizar operações
Talvez a falta de uma operação não apenas comercial, mas também de comunicação voltada ao Brasil, provoque essa sensação de baixa confiança nos consumidores, o que reflete diretamente no volume de vendas. A Shopee, por exemplo, afirma que 9 em cada 10 vendas no país são feitas por vendedores locais, e também por isso, se posiciona como o segundo maior e-commerce do país.
A Temu, por outro lado, “permanece ancorada em uma estratégia tributária frágil, sujeita a mudanças regulatórias e com baixa capacidade de fomentar o ecossistema nacional“, analisa Garcia. “Não há estrutura física no país, nem compromisso com logística local ou fomento a negócios brasileiros”, completa.
Mesmo assim, o debate vai além da Temu. A questão é sobre qual modelo de e-commerce o Brasil precisa valorizar. “Um modelo sustentável – com seller nacional, geração de empregos, pagamento de tributos – ou um modelo de giro rápido, margem apertada e dependência de brechas regulatórias”, conclui Garcia.
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