Com mudanças desde o início de novembro, a ascensão do Pix no Brasil é inquestionável, transformando rapidamente o cenário de pagamentos tanto no varejo online quanto no tradicional. Para comentar um pouco sobre isso e o seus desdobramentos, a redação do E-Commerce Brasil entrevistou Sebastian Fantini, diretor do EBANX.
Em sua fala, o executivo destacou como o sistema de pagamento instantâneo não apenas facilitou a inclusão financeira de milhões de brasileiros, mas também está redefiniu dinâmicas de consumo no e-commerce.
Segundo Fantini, com quase 170 milhões de usuários e expectativa de superar o cartão de crédito em transações digitais até 2025, o Pix pode ser uma oportunidade para marcas. Ele enfatiza que, além da conveniência e segurança, o modelo é capaz de se adaptar às necessidades dos consumidores, o que, em sua visão, é crucial para ter sucesso no e-commerce.
Veja a entrevista na íntegra:
E-Commerce Brasil: O Pix se tornou um sucesso bem rápido no país, inclusive no varejo tradicional e online. Com tudo que ainda pode ser lançado em relação a ele, existem oportunidades ainda não aproveitadas por marcas do e-commerce? Quais são?
Sebastian Fantini: Sim, definitivamente. O Pix teve um impacto gigantesco no comércio eletrônico brasileiro porque possui características que o tornam muito conveniente para os clientes, como sua instantaneidade e gratuidade. Isso, claro, atraiu muita gente. Segundo o Banco Central, o Pix tem quase 170 milhões de usuários, sendo que 40% deles estavam excluídos do sistema financeiro até 2020. São 71 milhões de pessoas que hoje, graças ao Pix, fazem parte diretamente da economia digital. E mesmo diante desses números impressionantes, o Pix ainda não é o principal meio de pagamento utilizado no comércio digital.
Essa situação deve mudar no ano que vem, quando ele vai superar os cartões de crédito pela primeira vez. Uma análise do EBANX com dados da Payments and Commerce Market Intelligence (PCMI) estima que o Pix representará 44% de todo o valor transacionado em compras online no Brasil em 2025, enquanto os cartões terão uma participação de 41%.
Ou seja, há ainda muito espaço para crescimento. É claro que o Pix por aproximação, o Pix Automático (para pagamentos recorrentes), o Pix Garantido (para parcelamentos) e outras funcionalidades que devem ser lançadas em breve pelo Banco Central vão alavancar ainda mais sua popularização, mas os comerciantes não precisam esperar por isso para aproveitar os benefícios desse meio de pagamento, que é mundialmente elogiado e estudado.
Eu tenho visto muitos merchants que trabalham com a gente usando o Pix como ferramenta de publicidade para atrair novos clientes, incluindo descontos para quem opta pelo Pix na hora de pagar. Essa estratégia impacta até mesmo quem nem considerava a compra porque não sabia que poderia usar métodos de pagamento alternativos.
E-Commerce Brasil: Fora do Pix, o que existe em termos de tendência para pagamentos no e-commerce? Como o varejista online pode se preparar melhor para essas mudanças?
Fantini: Nós do EBANX gostamos de dizer que a maior tendência para pagamentos no e-commerce não é o produto X ou Y, mas sim a disposição cada vez maior da indústria de se adaptar ao comportamento dos consumidores. Independentemente da vertical do e-commerce – do varejo online, ao streaming, a produtos de turismo, a softwares. E isso é resultado direto da cultura que as fintechs trouxeram para esse mercado, principalmente em países emergentes. Vou te dar dois exemplos.
O primeiro, aqui do Brasil, é o NuPay, do Nubank, que tem ajudado a transformar o comércio digital porque percebeu demandas não atendidas dos consumidores e passou a oferecer limites adicionais para compras online, por exemplo. O EBANX integrou o NuPay em 2023, disponibilizando o método para seus merchants globais.
Outro exemplo dessa adaptabilidade vem do Egito, onde 64% do volume transacionado no comércio digital é em dinheiro. Nesse cenário, vemos players como a Fawry, uma plataforma que permite pagamentos via vouchers ou QR Code mesmo para clientes que não têm contas em bancos, ganhando cada vez mais relevância na economia digital do país.
Eu estou mencionando esses dois casos porque ambos estão chamando a atenção do setor no mundo todo. Neste ano, no Payments Summit, que está em sua 7ª edição, ouvimos de especialistas e executivos de todo o mundo e inúmeras empresas exatamente o que eu acabei de te falar: a inovação no comércio eletrônico vem justamente da capacidade de todos os players de se adaptarem rapidamente à demanda dos consumidores.
E-Commerce Brasil: No caso do Brasil, já li e ouvi que somos um case de sucesso quando o assunto é segurança e menos fricção em pagamentos. Essa informação é verdadeira? O que os outros países podem aprender conosco e o que já é feito em termos de colaboração?
Fantini: Sim, é verdadeira. E a boa notícia é que esse sistema se aperfeiçoou ainda mais por causa do Pix. Primeiro porque o Pix proporciona uma experiência bastante conveniente para os clientes – e quem já o usou para fazer compras online sabe do que eu estou falando. O processo é bastante simples, o que aumenta significativamente as taxas de conversão dos comerciantes. Em segundo lugar, eu posso te dizer que do ponto de vista de pagamentos, o Pix é um dos métodos mais seguros que existem porque ele é 100% autenticado. Ou seja, para fazer um pagamento com Pix, você precisa da senha do banco, face ID, token e outros mecanismos de autenticação que garantem que é você e não um fraudador que está fazendo aquele pagamento. E, por último, eu destaco o cenário da economia digital do Brasil, que está em um estágio mais avançado do que boa parte do mundo, incluindo países desenvolvidos. E isso se deve em muito ao papel crucial que o Banco Central vem desempenhando há 10, 20 anos, criando não apenas estruturas regulatórias de apoio, mas também investindo no desenvolvimento de soluções tecnológicas disruptivas que estimulam todo o ecossistema financeiro. Não é à toa que o Brasil virou um terreno fértil para inovações nesse setor. E não é coincidência que fintechs fundadas aqui, como o EBANX, são referências globais. Hoje nós operamos em 29 países e, em todos eles, somos abordados por players locais que querem entender melhor o processo pelo qual o Brasil passou para chegar onde chegou.
E isso me leva pra segunda parte da sua pergunta: sim, como principal potência econômica e tecnológica da região, o Brasil pode, deve e vem colaborando com seus vizinhos para que a América Latina como um todo se torne cada vez mais proeminente no cenário global de pagamentos. E isso inclui não apenas o governo brasileiro e as instituições públicas, mas também o setor privado. O EBANX, por exemplo, faz parte do grupo consultivo do Banco Central na Colômbia para discussões sobre pagamentos instantâneos por lá. E nós fomos convidados justamente por causa da nossa experiência no Brasil, onde mais de 33 milhões de pessoas já pagaram online com Pix por meio da nossa tecnologia, somando 20% de todos os usuários do sistema. Entre as lições que estamos compartilhando com os colombianos estão a importância da colaboração entre os setores público e privado, a priorização de investimentos em tecnologias seguras e a necessidade quase obrigatória de interfaces amigáveis para os usuários. Para se ter ideia, uma pesquisa da Capgemini mostrou que 10 países latino-americanos estão estudando ou lançando pagamentos instantâneos inspirados no Pix. Nós sabemos o que este sistema fez pela economia digital e inclusão financeira no Brasil, e agora queremos colaborar com estratégias locais de outros países, que estejam alinhadas aos comportamentos dos consumidores específicos de cada um desses lugares. Isso porque o nosso aprendizado ao longo de 12 anos em mercados emergentes nos mostra que não existe uma única solução. Como o NuPay e a Fawry ilustram bem, cada país tem características próprias, e os produtos e estratégias de pagamentos devem ser pensados e desenvolvidos caso a caso.
a minha mensagem aos negócios online é: prestem atenção ao que seus clientes estão pedindo e no comportamento deles. só assim você vai conseguir se adaptar e oferecer aquilo que eles precisam
Sebastian Fantini, diretor de Produto do EBANX
E-Commerce Brasil: Inversamente, o que o Brasil pode aprender com outros países neste segmento? Quais países e o que exatamente cada um pode ensinar? Pode citar exemplos, se quiser.
Fantini: Eu gosto muito do exemplo da Índia, que foi a inspiração do Banco Central para criar o Pix. Por lá, eles têm o UPI, que representa 49% do volume total das transações instantâneas do mundo, de acordo com a ACI Worldwide. Pra você ter uma ideia, a participação do Pix nesse bolo é de 14%, sendo o segundo pagamento instantâneo mais usado do mundo, atrás apenas do indiano. O UPI é tão popular entre os consumidores que já é usado em 84% de todos os pagamentos digitais do país. É muita coisa. O resultado desse fenômeno, claro, pode ser visto diretamente no crescimento do mercado consumidor da Índia. Na etapa dos EUA do EBANX Payments Summit, nós divulgamos dados bastante animadores sobre isso: a Índia vai se tornar o terceiro país do mundo em gastos do consumidor até 2034, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China. Nos próximos 10 anos, eles vão crescer 198% e superar a impressionante marca de US$ 5,4 trilhões. E não é só o Banco Central daqui que tem ficado de olho no que está acontecendo na Índia. Nós do EBANX também – e muitos dos nossos merchants. Nós passamos a operar no mercado indiano no ano passado porque, sim, acreditamos demais no potencial dele e também porque queremos aprender com fintechs e players locais a oferecer soluções cada vez mais eficazes, eficientes e personalizadas às empresas que trabalham com a gente e, claro, aos clientes que compram delas.
E-Commerce Brasil: Voltando ao Pix, o formato automático já é (quase) uma realidade. Quais as principais implicações práticas deste formato e o que as empresas devem ter em mente ao pensar em aplicação, segurança e outros pontos importantes quando uma forma de pagamento ganha esse tipo de desdobramento?
Fantini: O Pix Automático, para pagamentos recorrentes, vai ter um impacto extremamente positivo no comércio digital porque ele atende a um hábito muito comum dos brasileiros. Esse, aliás, é mais um exemplo do que falei anteriormente sobre a capacidade da indústria de se adaptar às necessidades e aos comportamentos dos consumidores. E não é somente quem compra que está contando os dias para a chegada dessa funcionalidade, mas também quem vende. E o EBANX pode atestar isso. Plataformas de streaming e setores como SaaS (software como serviço) e gaming estão otimistas com a possibilidade de oferecer o Pix Automático. É a funcionalidade da recorrência em um método que hoje já é usado por 90% dos adultos brasileiros. Com a nova funcionalidade, os merchants poderão diversificar os meios de pagamentos, disponibilizando métodos combinados com os cartões de crédito. Isso significa que teremos um aumento na satisfação do cliente, resultando em maiores taxas de retenção e menos transações perdidas.
Com o lançamento do Pix Automático previsto para junho do ano que vem, as empresas têm cerca de seis meses para se prepararem para operar com a funcionalidade. E eu posso te garantir que muitas delas já estão nesse processo. No mês passado, nós disponibilizamos aos nossos clientes a documentação técnica necessária para integrar com a API do EBANX para o Pix Automático. No mês que vem, esses merchants terão a possibilidade de testar a infraestrutura deles para o Pix Automático em uma simulação proporcionada pelo EBANX. Com essas informações e testes, eles estarão prontos para oferecer essa nova funcionalidade do Pix desde o primeiro dia. E essa é a nossa recomendação a todos os merchants: comecem a se preparar tecnicamente o quanto antes porque os players que estiverem prontos primeiro terão uma enorme vantagem competitiva. Operar com Pix no Brasil não é mais uma opção, é fundamental. Nos últimos três anos, 80% dos novos consumidores de empresas parceiras do EBANX escolheram pagar a primeira compra com o sistema. Outro dado interno aponta que empresas que aceitam Pix têm um aumento de 16% na receita e um crescimento de 25% no número de clientes.
E-Commerce Brasil: Existe um entendimento sobre qual setor da economia utiliza mais o e-commerce (vendo pela perspectiva de pagamentos)? Qual seria?
Fantini: No Brasil, o setor com maior participação no comércio digital é o de varejo, segundo dados da PCMI analisados pelo EBANX, representando 40% de todo esse comércio. Também podemos destacar a importância dos segmentos de viagens, streaming e SaaS, que juntos somam 23% de todo o valor em vendas online no país. No 7º Payments Summit, que teve um encontro em São Paulo na terça-feira (5 de novembro), divulgamos também os dados de crescimento dos setores no Brasil. Um ponto interessante é que o aumento dos pagamentos instantâneos no último ano foi impulsionado principalmente pelos dois setores com grande importância no mercado digital do país: o varejo e o turismo, que também devem ser os que mais vão acelerar nos próximos anos. A expectativa é que o varejo online cresça anualmente 31% e o turismo 20% pelos próximos três anos. No caso do varejo, o método de pagamento mais utilizado é o cartão de crédito, com 49% do valor total sendo pago com esse meio, seguido pelo Pix, com 32%. No setor de viagens, essa combinação se repete, com cartões de crédito e Pix dominando o mercado, com percentuais de 48% e 33%. O interessante aqui é que o Pix representa um terço, ou menos, do valor total transacionado em cada um desses setores, o que sinaliza um grande espaço de crescimento. No setor de SaaS, que conta muito com os pagamentos recorrentes, o cartão de crédito é o método escolhido para 79% do volume. O Pix, que representa apenas 13%, deve ganhar espaço a partir de junho de 2025, com o lançamento do Pix Automático.
E-Commerce Brasil: Como está o crescimento das transações P2B e B2B no Pix atualmente? O céu é o limite ou uma estagnação pode estar próxima?
Fantini: Essa pergunta é muito interessante porque nós estamos vendo a participação dos pagamentos de produtos e serviços crescer de forma muito importante nas transações feitas através do Pix. Para você ter uma ideia, 40% das transações de Pix já são P2B, o que significa mais de dois milhões em um mês. É muita coisa, principalmente se você levar em conta que, há apenas dois anos, essa participação do P2B nas transações feitas com Pix era de apenas de 24%. Essa tendência vai ser potencializada com a evolução da ferramenta. Tenho que citar aqui mais uma vez o Pix Automático, que vai permitir que pagamentos recorrentes – como assinaturas de serviços digitais – sejam pagas com o Pix. E o B2B é talvez a maior oportunidade de crescimento. Os pagamentos entre empresas por Pix representam apenas 3% do total de transações, mas somam 45% do valor total transacionado pelo sistema, o que dá quase R$ 1 bilhão por mês. A vertical de SaaS deve ser uma das maiores beneficiadas do Pix Automático para pagamentos B2B, principalmente se considerarmos a relação de merchants desse segmento com pequenas e médias empresas brasileiras. A revolução que acompanhamos nos pagamentos de pessoas físicas chegou ao mundo dos pagamentos entre empresas. Acredite ou não, boa parte dessas transações ainda é feita de forma analógica, gerando atrasos e ineficiência.
E-Commerce Brasil: Por fim, em termos de novidades, o que esperar em termos de pagamentos? Há possibilidades além do pagamento instantâneo? Quais? Como o Brasil se encaixa nesta tendência?
Fantini: O mercado de pagamentos está vivendo uma revolução de inovação e inclusão digital e financeira. O Pix é um dos primeiros grandes cases de sucesso desse novo momento, ele abre caminho para uma série de novidades que estão sendo desenvolvidas na nossa indústria. E o mais interessante de tudo isso é que a maioria delas vem de países como o Brasil. Nós do EBANX sentimos um orgulho imenso toda vez que conversamos com players globais do comércio digital e pagamentos e ouvimos deles como os mercados emergentes estão liderando esse movimento à nível mundial.
O que acompanhamos nesses mercados é uma combinação de soluções para a criação das melhores estratégias para as empresas e para os consumidores. Podemos afirmar com segurança que o futuro dos pagamentos está nessa oferta de diferentes métodos e da atenção ao comportamento de cada país, especialmente quando falamos em mercados emergentes. Meios de pagamento como a Fawry no Egito, o NuPay e o Pix no Brasil e o UPI na Índia entram na equação junto com os mais tradicionais, como cartão de crédito e débito, e ajudam na inclusão financeira e digital de consumidores que, até alguns anos atrás, estavam à margem do mercado global. Em alguns países, já estamos acompanhando até mesmo meios de pagamentos alternativos e tradicionais juntos em métodos híbridos. É o caso da Tanzânia, onde um serviço de mobile money (que permite transações financeiras através de um cartão SIM, e sem necessidade de acesso à internet) tem possibilitado que consumidores usem um cartão de crédito virtual para fazer compras online.
Além de todas essas novas funcionalidades, eu destacaria ainda o papel que blockchain, Web3 e DeFi terão no futuro dos pagamentos digitais. Essas tecnologias combinam três pilares fundamentais que toda transação precisa ter: segurança, eficiência e experiência do usuário. Elas são mais seguras porque possuem rastreabilidade plena; são eficientes porque têm menos custos e maior confiabilidade em todas as etapas de processamento; e facilitam a vida de quem está comprando porque viabilizam jornadas do consumidor com muito menos fricção. Esse cenário é bom para todo mundo. Do ponto de vista do comerciante, ele terá um aumento considerável nas taxas de conversão e aprovação de pagamentos, o que impacta diretamente – e de forma muito positiva – em toda a economia digital.