Há um ano, a plenária de Tecnologia do Fórum E-Commerce Brasil estava repleta de cases e inspirações para a aplicação da Inteligência Artificial Generativa. Desde o final de 2023, os modelos de IA se popularizaram pelo mundo justamente pelas interfaces cada vez mais simpáticas e fáceis de usar, causando comoção no mercado de e-commerce.
Para inaugurar o Fórum deste ano, Cézar Taurion resgatou essa ideia para explicar em que patamar a IA realmente está no plano de desenvolvimento tecnológico. Taurion é estudioso da tecnologia da informação e sócio da Kick Ventures. Além dos oito livros publicados sobre big data, inovação e tecnologias emergentes, foi professor do MBA em Gestão Estratégica da TI na FGV-RJ e da cadeira de Empreendedorismo na Internet no MBI da NCE/UFRJ.

“Quando o assunto é IA, precisamos aprender a identificar o que deu certo e o que deu errado, mas nem sempre os acertos e erros são tão óbvios e perceptíveis à curto prazo”, explica Taurion. Em sua masterclass, o especilista falou sobre as diversas facetas da IA, sua aplicabilidade e o que realmente agrega conhecimento a partir da tecnologia.
“O nome Inteligência Artificial não está correto e não é inteligente. Dá uma ideia de um ser senciente, que tem capacidade de pensar por si só e vontade própria, quando, na verdade, apesar de ser uma tecnologia interessante, não passa de um software desenvolvido para simular o comportamento humano”, explica.
Isso porque as funções não-cognitivas são completamente inerentes ao ser humano e não podem ser aplicadas às tecnologias. O nome correto para a IA — SALAMI (Systematic Approaches to Learning Algorithms and Machine Inferences) — não é apelativo pelo ponto de vista do marketing e não seria difundido com tal velocidade e fervorosidade pelos ususários.
“A IA, acima de tudo, é matemática”, completa. Sua popularidade, no entanto, muito se deve à revolução de interface que ela teve nos últimos anos. Para se ter uma ideia, o termo Inteligência Artificial foi criado em 1956 e desde lá vem se desenvolvendo em muitas frentes invisíveis aos usuários finais, mas muito presente em seu cotidiano, como os aplicativos Uber e Waze, por exemplo.
Muito além do hype: a criação do ChatGPT
De acordo com o executivo, a criação do ChatGPT não foi de fato uma revolução tecnológica, mas sim uma revolução de interface. A popularização de IAs, como o ChatGPT e o Gemini, mostra que o hype foi criado pela facilidade de acesso e não somente a criação da IA, que ainda está bem longe de ter toda a capacidade criativa com a qual a creditam.
Ele explica: “quando usado de forma correta, pode auxiliar e trazer resultados precisos; no entanto, mesmo a matemática pode falhar, já que os tokens gerados podem estar baseados em desinformação, uma vez que não há sistema cognitivo de ação por trás”.
Por um lado, a IA é eficiente na análise de padrões e geração de conteúdos, por outro, sua aplicabilidade deve ser bem delimitada.

A IA é tudo isso mesmo?
De acordo com o especialista, estamos em um estágio de hype pela adoção das IAs, embora muitas das ações aplicadas a elas poderiam ser executadas de outras formas. Enquanto isso, há ainda um caminho longo em que as capacidades da tecnologia devem ser estudadas.
A maturidade tecnológica para a realização de diversas ações também é algo a se levar em consideração. Bill Gates, Cofundador da Microsoft, já chegou a dizer que, em 10 anos, a IA substituiria muitos doutores e professores. Para Taurion, aquelas características inerentes aos seres humanos são a prova de que o discurso tecnológico ainda precisa levar em consideração a realidade.
“Será que vamos ter tantos desses robôs assim? Será que eles serão necessários? Será que o custo compensa a operação?”, questiona.
“A IA generativa pode ser um diferencial interessante em diversos mercados, mas muito distantes do core business”, explica o executivo. “Ela pode ser usada para a fluência, mas não a precisão. Uma marca de carros pode usar a IA para se comunicar com os seus clientes, mas não para fazer o carro em si, por exemplo. Para isso, são precisas diversas outras tecnologias e o core business é fazer o carro funcionar”, finaliza.
Do ponto de vista humano, ele acredita que a IA retrata a solidão das pessoas em um mundo cada vez mais digital. Ademais, os modelos de IA ainda entram muito em uma zona cinzenta da “alucinação”, em que, uma em cada centena de vezes, a IA cria respostas completamente fora do solicitado. “É muito diferente do erro humano, é um erro de probabilidade”, afirma.
O modelo está correto, pois é sempre probabilístico, mas a probabilidade permite uma margem de respostas erradas muito longe da realidade. “É o equivalente a perguntar a capital de um país e a IA responder que o céu é azul, não há conexão nenhuma”.
Aspectos éticos e alertas didáticos
“Não podemos deixar sistemas de geração por IA sozinhos, eles precisam sempre de uma supervisão humana” é o alerta número 1. Isso porque os dados podem ser enviesados e gerar informações conflituosas, preconceituosas e prejudiciais à imagem e à integridade da empresa.
Existe uma faceta humana também que usa a IA propositalmente de forma inadequada, criando imagens ou textos que podem criar conflitos por se assemelhar demais à realidade.
“Lembre-se que você não quer um projeto de IA. Você quer resolver um problema de negócios” é o alerta número 2. De acordo com Taurion, os sistemas preditivos também são muito ricos e usam a Inteligência Artificial de forma recorrente e muito eficiente. “A IA generativa, por outro lado, ainda está muito longe de conseguir agir sozinha”, aconselha.
“Sem dados confiáveis, a IA é só um palpite sofisticado” é o alerta número 3. A realidade de quem trabalha com tecnologia é higienizar os dados a maior parte do tempo e pouco desse esforço é direcionado aos prompts. No final das contas, “alguns exageros foram cometidos com o hype da IA, o que não se concretizou em realidade”.
Um dos exemplos citados pelo executivo é de que muitos líderes de empresas afirmaram que conseguiriam reduzir seus times de atendimento e melhorar a produção, porém nem todos conseguiram concretizar essas iniciativas por falta de desenvolvimento tecnológico.
“A grande sacada dos projetos de sucesso é quando você identifica qual modelo melhor combina com a sua necessidade”, ele avisa por fim. Além da IA generativa, os outros modelos podem auxiliar tanto quanto e às vezes até mais.
“Se você está usando IA apenas porque as demais empresas estão usando ou porque foi cobrado pela liderança, é fatal que o plano dê errado, pois o hype não se sustenta por si. O que se sustenta por si são modelos baseados em razão plausível, mapeando suas limitações e capacidades, bem como o resultado que pode alcançar”, completa o especialista.