A guerra comercial entre China e Estados Unidos deixa o mundo, uma vez mais, em estado de alerta. No “acerto” mais recente entre ambos, o primeiro estabeleceu uma alíquota de 125% de imposto sobre produtos norte-americanos, enquanto o segundo impôs tarifa de 145% aos itens vendidos pelos chineses. Fora todo o imbróglio fiscal e político, no entanto, como o Brasil está dentro desta equação? Na análise de especialistas, é preciso agir com cautela, principalmente quando se trata do varejo.

A guerra comercial entre China e Estados Unidos deixa o mundo, uma vez mais, em estado de alerta. No “acerto” mais recente entre ambos, o primeiro estabeleceu uma alíquota de 125% de imposto sobre produtos norte-americanos, enquanto o segundo impôs tarifa de 145% aos itens vendidos pelos chineses. Fora todo o imbróglio fiscal e político, no entanto, como o Brasil está dentro desta equação? Na análise de especialistas, é preciso agir com cautela, principalmente ao tratarmos do varejo.
Em entrevista à reportagem do E-Commerce Brasil, João Alfredo Lopes Nyegray, doutor em Administração e professor do curso de Negócios Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), afirma que o clima de incerteza nos mercados internacionais é apenas um dos sintomas do embate tarifário. No varejo global, por exemplo, fatores como rupturas de estoques, volatilidade maior nos preços e necessidade de diversificar fornecedores podem ser alguns dos problemas a serem enfrentados no cenário macro.
Por outro lado, no contexto brasileiro, ele acredita que, por importar tanto da China (eletrônico, têxteis e componentes) quanto dos EUA (tecnologia e peças específicas), o país pode sofrer com encarecimento destes itens a partir das tarifas trocadas. Além disso, margens de lucro podem ser pressionadas e atrasos na reposição dos estoques.
“De modo geral, a tendência é de maior regionalização das cadeias produtivas, pois empresas e importadores podem buscar fontes em países não diretamente afetados pelos aumentos tarifários. A questão é que isso não ocorre de forma rápida ou fácil. Para o varejo, especialmente o brasileiro, isso significa possíveis ajustes de rotas logísticas e acordos com novos fornecedores. No entanto, esse realinhamento não acontece de imediato, exigindo investimentos e negociações robustas, sobretudo em setores de maior complexidade tecnológica. Outro ponto que me parece importante é que os chineses podem tentar redirecionar os fluxos de produtos não vendidos para os EUA para o Brasil. Isso sim pode gerar embates bastante ativos com os produtores nacionais”, explica.
Além dele, Vinicius Carrasco, economista-chefe e diretor de Assuntos Regulatórios da Stone e professor da PUC-Rio, também afirma que o impacto da guerra de tarifas sobre o e-commerce brasileiro tende a ser limitado.
“Não vejo espaço para que haja um redirecionamento de produtos chineses para o Brasil. Já somos bastante abertos a produtos chineses, então, nesse sentido, quaisquer que sejam os desafios enfrentados pelo e-commerce ou varejo digital no Brasil, acredito que eles não serão alterados por esse contexto. Por outro lado, vejo um potencial reconfiguração de alianças comerciais, com países revendo suas parcerias diante do ceticismo em relação à confiabilidade dos EUA como parceiro. Isso pode abrir oportunidades para os produtores e varejistas brasileiros que tenham condições de comercializar e vender para o exterior”, comenta.
Dicas práticas
Também procurado pela reportagem do E-Commerce Brasil, Ângelo Vicente, CEO da Selia Fullcommerce, comenta como tal situação entre EUA e China pode ser ressignificada como oportunidade. Para ‘aproveitar’ este momento, o executivo cita três frentes importantes para serem fortalecidas:
- Cadeia de suprimentos: mais flexível, com fornecedores locais e internacionais para mitigar riscos;
- Gestão baseada em dados: permitir respostas rápidas a mudanças no comportamento do consumidor;
- Canais diversificados de venda: conectar a experiência física ao digital, melhorando o omnichannel.
Perguntado sobre a possibilidade de um impacto menor desta crise no país, o executivo concorda que essa análise faz sentido. “O Brasil, por ter um mercado interno robusto e uma posição ainda periférica nas tensões comerciais globais, pode aproveitar esse momento para fortalecer relações comerciais internas e regionais. Também é uma janela interessante para testar novos canais de aquisição de clientes, revisar a proposta de valor e digitalizar processos. Momentos de instabilidade para alguns mercados são oportunidades para quem consegue se mover mais rápido”, afirma.
Segundo ele, setores como cosméticos, alimentos premium e itens de casa e decoração mostram uma resiliência em cenários incertos. Além disso, o modelo D2C (Direct to Consumer) pode se beneficiar da busca por margens melhores e relacionamento direto com o cliente.
Do ponto de vista de Nyegray, a avaliação de categorias que podem se destacar ou aproveitar este momento são:
- Varejo de moda e calçados: se as tarifas elevadas dificultarem a presença de fornecedores chineses nos EUA, algumas marcas brasileiras podem encontrar maior espaço no mercado norte-americano para produtos de confecção ou calçados de nicho. Outra chance – que me parece remota por hora em razões tributárias e infraestruturais – é a possibilidade de trazer a produção de certos itens calçadistas e de moda feitos na Ásia para cá;
- Produtos alimentícios e bebidas: com possíveis retaliações chinesas aos EUA em produtos agrícolas, exportadores brasileiros podem suprir parte da demanda — beneficiando, por extensão, o varejo doméstico que revende produtos originados no agronegócio. Alguns contatos já me confirmaram que os chineses estão buscando novos negócios com o Brasil, uma vez que a compra de produtos agrícolas estadunidenses pode não ser viável no curto prazo;
- Equipamentos e componentes de TI: o e-commerce de eletrônicos, embora possa sofrer com alta de custos caso dependa de insumos chineses, também vê oportunidade de buscar fornecedores alternativos em outros países asiáticos ou até mesmo no México e na América Central, impulsionando operações regionais. Esse seria o momento exato para o governo brasileiro tentar atrair essas fábricas para cá;
“Nesse tempo de tantas dúvidas, o que me parece fatídico é que os setores que dependem diretamente de importações de insumos chineses enfrentarão maior incerteza e possíveis custos extras. Já as áreas que podem preencher lacunas no mercado mundial, aproveitando-se da redução da concorrência de EUA ou China em determinados nichos, têm chances de expansão — desde que haja capacidade de resposta em qualidade, escala e logística”, complementa o professor.
O que esperar fora do varejo?
Fora a esfera comercial e estreitada ao varejo, Nyegray cita que o campo da geopolítico vive uma situação delicada. Apesar do congelamento das tarifas para o Brasil em 10% por parte dos EUA, além da boa relação diplomática com as nações envolvidas no ‘tarifaço’, ele cita que é preciso ter jogo de cintura.
“Diplomaticamente, o país tende a buscar uma postura de equilíbrio, zelando pelos seus interesses estratégicos no agronegócio, na indústria e no setor de serviços. Não há uma “cartilha” única, especialmente nesse ano em que o Brasil presidirá o grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Um ponto que me parece importante para a diplomacia brasileira é reforçar o papel da Organização Mundial do Comércio (OMC) como fórum para resolver litígios e garantir condições equitativas de competição”, salienta.
Além disso, o especialista comenta, em alinhamento com o pensamento de Vicente, que diversificar é uma boa saída, mas, neste caso, em uma visão mais ampla do mercado.
“É importante evitar a dependência excessiva de um único parceiro comercial. Também deve estar na pauta o acordo Mercosul – União Europeia (UE), que ainda precisa ser ratificado nos parlamentos europeus. A entrada em vigor desse acordo pode ampliar o leque de destinos de exportação e fontes de importação. Por fim, eu sugeriria manter diálogo tanto com os EUA quanto com a China, evidenciando a disposição brasileira de colaborar e beneficiando-se da competição entre ambas as potências, em vez de tomar partido absoluto”, complementa o especialista.
No final, a preocupação do brasileiro não precisa ser tão grande, já que, à primeira vista, não parece estar na mira de sanções diretas, seja de Washington ou Pequim. Mesmo assim, de forma indireta, fatores como elevação dos custos de bens importados, volatilidade cambial e possíveis quedas na demanda global por commodities podem resvalar no país.
“A análise de que o impacto pode ser menor faz sentido sob a perspectiva de efeitos imediatos, mas não significa que o país ficará imune aos desdobramentos. Esse é, de fato, um momento oportuno para aprimorar o diálogo com outros mercados e buscar novas rotas de comércio, pois a demanda global está em reestruturação. Expandir acordos bilaterais, melhorar a infraestrutura logística e investir em inovação são caminhos para ampliar a competitividade brasileira”, pontua Nyegray.
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