O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabeleceu diversos princípios jurídicos incidentes sobre as relações de consumo, entre os quais podemos destacar o Princípio do Acesso à Justiça. Olhando friamente tal princípio poderíamos equipará-lo ao princípio geral de acesso à Justiça que consta no Art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que já determinava que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Todavia, a sistemática jurídica do CDC não permite a equiparação citada acima. Isso porque não se trata de simplesmente proporcionar, de forma completamente passiva, a possibilidade de se buscar o Judiciário para solução de questões, mas sim proporcionar ao consumidor o acesso facilitado à Justiça, colocando-a ao seu alcance sem maiores esforços, aproximando-a mesmo que o consumidor não a tenha ainda solicitado, tão somente para atendê-lo da melhor maneira possível.
Como exemplo do acesso facilitado podemos citar os Juizados Especiais que funcionam nos aeroportos e que funcionaram nos estádios, onde se realizaram jogos da última Copa do Mundo de Futebol. O problema nem ao menos existe e já se coloca à disposição do consumidor uma ferramenta para defesa de seus direitos.
O artigo 5º do CDC ainda prevê que, além da criação dos Juizados Especiais e Varas Especializadas, o Estado ainda deverá criar delegacias de polícia voltadas aos ilícitos oriundos das relações de consumo, bem como deverão ser criadas Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor no âmbito dos Ministérios Públicos. Isso apenas comprova que sim, o acesso à Justiça oferecido pelo CDC é um caminho com menos percalços do que nos outros ramos do Direito.
Com tamanha facilidade é natural que as demandas judiciais advindas das relações de consumo aumentem cada vez mais, incluindo contra o fornecedor online, já que a facilidade de acesso se alia ao crescimento do e-commerce em todo o mundo, que vem aumentando mais sua participação no mercado a cada ano. Sendo assim, para um e-commerce que desejar ter bom desempenho, especialmente os de pequeno e médio porte, é essencial fazer uma boa gestão dos processos judiciais.
Receber uma citação judicial é desagradável para qualquer pessoa, física ou jurídica. Mas há uma considerável diferença se o recebedor é um e-commerce de grande porte, com jurídico próprio ou contratado permanentemente, ou se é um e-commerce cujas despesas e receitas mal se equilibram.
O custo, muitas vezes, de se contratar um advogado para representar os pequenos empreendedores pode ultrapassar o valor da venda, especialmente se a contratação tiver que se dar em outro Estado, já que a maioria dos negócios virtuais entregam suas mercadorias em todo o Brasil. A mesma turbulência que para uns parece insignificante, mas para outros, poderá ser fatal.
Por outro lado, não podemos esquecer que, se de grão em grão a galinha enche o papo, de ação judicial em ação judicial um grande e-commerce poderá ter suas contas prejudicadas a médio e longo prazo, além de ter sua imagem desgastada no mercado. Quanto vale a imagem de uma empresa? Se valesse pouco não haveria tanto esforço de marketing e SAC para impedir que reclamações dos consumidores cheguem às redes sociais e a Internet em geral.
Dessa forma, se faz necessário que o comerciante virtual não apenas contrate um profissional que possa representa-lo pontualmente em demandas judiciais específicas, mas que contrate assessoria jurídica especializada para entender o que vem provocando as demandas judiciais e como estancar tais ações.
Frequentemente as ações judiciais escondem situações peculiares que poderiam ser contornadas se houvesse maior estudo. Há atualmente consumidores que se especializaram em comprar em e-commerce que não consegue cumprir a data de entrega, por exemplo, ou que não faz uma boa gestão de estoque. Já se viu consumidor com mais de uma ação judicial contra o mesmo fornecedor pura e tão somente porque se percebeu a brecha em sua operação.
Podemos citar, ainda, alguns casos em que consumidores programam softwares para realizarem uma busca na Internet à procura de erro nos preços dos sites. Com isso, ao encontrar uma inconsistência a mensagem é repassada a diversas pessoas que irão imediatamente adquirir o produto ou serviço por preços mais baixos, inclusive ínfimos.
Como a gestão de demandas judiciais poderia auxiliar o e-commerce nestes casos? Primeiramente seria mapeando as ações, a fim de apontar claramente onde elas se dão, com que frequência, por qual razão, entre outros dados relevantes. Para tanto pode-se contar com diversas ferramentas tecnológicas, como alguns softwares que conseguem mapear dados referentes às querelas, dividindo-as por região, espécie, grau de incidência, potencialidade de prejuízos, entre outras variáveis. Depois é necessário examinar os procedimentos para que os mesmos não deem vazão às reclamações.
Se não for possível adequar a operação, então seria bastante recomendado informar ao consumidor por meio não apenas do site, mas no termo de uso e políticas diversas. Devemos salientar que o CDC não pune a demora na entrega, pune o atraso. Não concede (ou deveria não conceder) indenização por danos morais por qualquer desgosto sofrido pelo consumidor, mas certamente levará em conta a falta de informação, as informações contraditórias ou insuficientes, o descaso no tratamento do consumidor, etc.
Como as ações judiciais são praticamente inevitáveis, fazendo parte do risco no negócio, mais inteligente é tentar aprender com elas ao invés de apenas sofrer seus maus efeitos.