A gestão das empresas costuma olhar para os resultados do e-commerce e chegar a conclusões baseadas em KPIs como receita abaixo do esperado, baixa conversão, o ticket médio pequeno ou recorrência de compra muito longa. Caso esses números não estejam bons, são criados planos de correção cujo desdobramento para baixo de maneira cega, sem olhar todas as partes envolvidas na operação, pode ser devastador.
Em 2010, quando eu trabalhava em um grande e-commerce brasileiro e conversava com um colega sobre uma matéria da Amazon USA que mencionava a quantidade absurda de pedidos por hora, ele dizia: “Caramba, já pensou o tamanho da infraestrutura do e-commerce para vender tudo isso?”. Minha resposta foi, “o difícil não é vender, o duro é separar, faturar e entregar”.
É importante olhar cada parte envolvida no processo do e-commerce e garantir que elas suportam o crescimento das partes anteriores. Gosto de pensar nisso como uma grande linha de montagem de carros. Posso comprar uma máquina fabulosa para montar o chassi e com isso consigo produzir o dobro de chassis. Entretanto, se o próximo passo na produção dos carros não estiver pronto para suportar o dobro de chassis, vamos ter chassis acumulados e parados esperando para seguir adiante.
Vamos ver como isso acontece no e-commerce?
Marketing
Dependendo do grau de maturidade da operação, adquirir tráfego em outros canais ou aumentar o investimento nos canais atuais pode causar uma sobrecarga na equipe de marketing. Análises manuais, cruzamento de bases em planilhas, gestão dos canais, distribuição de verbas e calendário de atividades costumam ser atividades operacionais. Buscar apoio em agências externas para expandir e gerir canais pode ajudar. Outra saída é investir em soluções de marketing que automatizem a maior parte dessas atividades.
Operações/TI
Suponha que da noite para o dia sua equipe de marketing consegue uma verba extra e duplica o tráfego para o e-commerce. Será que ele vai suportar?
O passo inicial é uma gestão lado a lado entre marketing, comercial e TI, de modo que ações de marketing e comercial sejam conhecidas por TI e possam escalar algum componente importante. Para isso, é importante que todas as partes do e-commerce sejam escaláveis.
A área comercial consegue subir o dobro de produtos sozinha da noite para o dia? Pense não só em quantidade de produtos, mas também no cadastro, fichas de produto, fotos, vídeos e estoque. Se aumentar o número de produtos, qual o impacto na busca, nas vitrines, nas páginas de categoria ou na recomendação de cross/up-sell?
Se o marketing trouxer aumento de tráfego, vai haver lentidão no e-commerce? Existe uma estratégia armada de fila de contenção para clientes?
Lembre-se também de que esses aumentos de demanda nem sempre são planejados. Às vezes, algum fator externo pode atrair consumidores ao seu site. A contratação de um jogador para um clube de grande expressão pode trazer milhares de clientes ao mesmo tempo para seu site de artigos esportivos em questão de minutos.
Para todos esses casos de aumento de demanda, seja planejada ou inesperada, são fundamentais essa ciência e o monitoramento por parte de TI de uma série de métricas do e-commerce. As métricas óbvias dizem respeito à saúde da infraestrutura, mas é necessário expandir isso e medir a operação como um todo. O e-commerce moderno é cada vez mais compartimentalizado e com caixinhas independentes. É preciso medir a disponibilidade e o tempo de resposta de cada parte, como motor de recomendação, busca e checkout.
Gateway de pagamento
Um dos gargalos no e-commerce acontece no momento do pagamento do pedido. É onde uma ou centenas de milhares de vendas podem fluir ou emperrar. Alguns e-commerces cobram o cartão de crédito do cliente no momento em que ele conclui o checkout e a página de confirmação de pedido só é exibida caso o pagamento seja confirmado. Em larga escala ou para suportar crescimentos pontuais, talvez seja melhor colocar o pedido para dentro e colocá-lo em uma fila para submissão aos gateways. Outra ideia é ter mais de um gateway disponível. Além de ter uma redundância e mais opções de submissão, isso também permite a análise de performance e comparação de taxas.
Para outras formas de pagamento, como boleto bancário ou Pix, é importante o monitoramento da fila de submissão e retorno para que não haja acúmulo de pedidos. Às vezes, os serviços são interrompidos devido a algum cenário não previsto. A regra é simples: se um pedido deu problema, passa para o próximo e depois veja o que fazer com o pedido que deu problema.
Análise de fraude
Normalmente para esse tema é usado um mix de processo manual e soluções externas. São estabelecidas regras sobre quais pedidos vão seguir um caminho ou outro. Um exemplo disso seria:
- Pedidos até R$ 100 são aprovados automaticamente e a empresa corre o risco de fraude.
- Pedidos entre R$ 100 e R$ 1.000 são submetidos a uma solução externa. Baseado no risco de fraude devolvido pela solução, a empresa toma a decisão de aceitar a transação ou fazer uma checagem extra manual antes de rejeitar o pedido.
- Pedidos acima de R$ 1.000 são sempre analisados manualmente.
Além dos casos acima, às vezes existem variações baseadas na categoria dos produtos comprados, no score do cliente ou até mesmo no endereço de entrega.
Para que a análise de fraude possa suportar aumentos pontuais, é preciso que haja o monitoramento da disponibilidade dos serviços externos de análise, monitoramento e entendimento da fila de análise manual, facilidade de mudança das regras de análise e capacidade de dar vazão pontual em casos que estão na fila. Soluções de inteligência artificial têm uma grande aplicabilidade nessa área para analisar os pedidos e eventualmente desafogar a dependência de análise manual ou até mesmo de serviços externos.
Atendimento
Eu sempre digo que a primeira coisa que você deve fazer quando pensa em lançar um e-commerce é pensar em como atender seus clientes. Junto com as vendas sempre vem o atendimento. Ele está presente em todas as etapas do e-commerce, seja um cliente que nem comprou ainda e é desconhecido pela sua empresa, mas está com uma dúvida para fechar o pedido, ou um cliente que já comprou e está em dúvida por milhares de motivos, como:
- O pedido já foi faturado?
- Posso trocar a forma de pagamento?
- Posso cancelar o pedido?
- Quero mudar o endereço de entrega.
- Quando o pedido vai chegar?
- Onde o pedido está parado agora?
Junto com aumentos de vendas vêm aumentos no atendimento. A proporção normalmente se mantém, a menos que exista alguma situação extra que gere um aumento inesperado no atendimento, tal como uma greve nos Correios.
Os canais não assistidos como, FAQs ou chatbots, têm a facilidade de suportar aumentos de demanda. Entretanto, canais assistidos como chat, e-mail e principalmente telefone têm uma dificuldade de expansão por necessitarem de pessoas do outro lado para resolução dos problemas.
A maneira para diminuir isso é investir em uma tecnologia que resolva problemas comuns de maneira automatizada, mesmo em chat, e-mail ou telefone. Sabemos, por exemplo, que a maior taxa de contato normalmente é para saber o status do pedido. Se conseguimos identificar o cliente por seu CPF, telefone de contato, e-mail ou login, podemos disponibilizar essa informação de maneira automatizada sem envolvimento de um atendente, e com isso liberar os atendentes para tarefas mais complexas.
Além disso, o uso de inteligência artificial para compreender o conteúdo de um e-mail ou mensagem de chat ajuda a responder automaticamente ou então auxilia o atendente a responder da melhor maneira, e com isso melhorar sua produtividade.
Outra maneira é usar a comunicação proativa, no canal preferido pelo cliente, para comunicar a situação do seu pedido ou qualquer outro problema. De preferência também devem-se incluir na comunicação opções para o cliente resolver o problema sozinho, sem ter que acessar algum canal assistido.
Separação (picking), faturamento e empacotamento (packing)
Sabemos que a grande maioria dos e-commerces brasileiros são de pequeno ou médio porte, e o seu processo de separação é manual. Pessoas andam pelo centro de distribuição coletando cada pedido, em alguns casos com um coletor na mão para bipar cada produto do pedido. Em momentos de aumento de demanda, isso torna-se um gargalo, e a contratação de extras para aliviar o momento é a única saída.
O emprego do método ABC de alocação dos produtos dentro do centro de distribuição pode produzir ganhos de eficiência grandes e diminuir os tempos de coleta.
Tecnologias de automação para a separação, como esteiras e robôs, já estão disponíveis, mas ainda a um preço caro e impeditivo para a grande maioria dos e-commerces.
O faturamento depende da integração com órgãos públicos, como o SEFAZ, para a emissão da nota fiscal. O monitoramento da disponibilidade e o tempo de resposta são fundamentais.
O empacotamento é semelhante à questão da separação. Muitos e-commerces de pequeno e médio porte se amparam em processos manuais para isso, já que os custos de soluções automatizadas de empacotamento são proibitivos. A contratação de extras acaba sendo a solução mais viável.
Logística
Esse é um tema bastante amplo e que por si só valeria um artigo completo. Coloco aqui alguns pontos para reflexão.
A regra de ouro para não ter gargalos no setor de logística é não depender de um único parceiro logístico para determinada região. Além disso, é importante ter uma estratégia para realização de entregas pontuais, sob demanda, ainda que a um custo um pouco acima do normal para manter o tempo de entrega acordado com o cliente.
Suponha que para a região A você tem três empresas homologadas para entrega. No dia a dia, você controla a tabela de preços de cada uma de acordo com tamanho, peso, característica (p.ex. perecível ou não) e localização da entrega. Em cenários mais avançados, até com leilão de preço de frete. Mas, eventualmente, vai chegar o dia em que as três empresas não vão conseguir entregar no prazo que você combinou com o cliente. A ideia é ter mais algumas empresas já pré-homologadas que podem “cobrir buracos” e fazer entregas pontuais.
Outra ideia é a realização de parcerias com empresas terceiras que se disponham a reter o pedido para que o cliente retire com elas. Você transporta os pedidos até lá e o cliente retira, seja em lockers ou em pontos físicos da terceirizada. Essa estratégia pode ser uma boa opção caso sua empresa tenha cidades com muitos clientes, mas você não consegue entregar porta a porta (a famosa “última milha”). Obviamente, pode haver algum custo.
Em alguns casos, talvez seja interessante ter uma frota própria para entrega. Ela pode ser usada para clientes premium ou para pedidos especiais, onde o cliente se dispõe a pagar um adicional para ter sua entrega em curto espaço de tempo. Ela também se aplica a artigos de luxo ou produtos de extrema fragilidade que requerem manuseio cauteloso.
No caso de operações de marketplace, pode haver variações no processo acima, exatamente por envolver terceiros no processo. Com isso, uma boa parte do processo corre por fora do controle da operadora do marketplace. A gestão de SLAs e a governança dos terceiros tornam-se fundamentais.
Por fim, é importante ressaltar que nem sempre esses crescimentos inesperados gerando acúmulos em um dos pontos da cadeia são provenientes de um aumento no tráfego ao e-commerce ou de promoções relâmpagos. Em muitos casos, o acúmulo já existe e a área responsável cria um projeto para resolvê-lo. Da noite pro dia, o gargalo é resolvido e se move para a próxima etapa do processo que pode não estar pronta para lidar com esse aumento. Nesse caso, a comunicação corporativa e uma gestão de projetos unificada dariam visão a toda a organização dos projetos em andamento e suas consequências.
É hora de as empresas entenderem que o sucesso de uma operação de e-commerce só é possível quando a empresa pensa como um todo, com as áreas interagindo de maneira integrada, para entregar a melhor experiência ao cliente.
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